Ricky Gervais não acredita em Deus.
Criado em família católica, ele gosta de trazer seus questionamentos para as tramas, como no filme A Invenção da Mentira e a série After Life – Vocês Vão Ter De Me Engolir, da Netflix.
Essa informação é importante porque a amargura do ator-diretor-roteirista não busca apenas criticar, mas nos dar alternativas de encontrar consolo e felicidade, apenas sem as bengalas usuais de fé ou esoterismo.
E aí está a essência de After Life, sua série ultra elogiada e um projeto pelo qual Gervais não esconde empolgação.
A produção, que estreou ANTES da pandemia, se propunha a falar de um tema nada cômico: o luto. Sendo uma obra de Gervais, sim, é ácida e até cruel, mas consegue trazer reflexão.
A terceira e última temporada está disponível na plataforma e amarra algumas das tramas desenvolvidas nas anteriores.
Se você ainda não assistiu a nenhuma, vou evitar os spoilers.
O que é preciso saber é que Gervais é Tony, um jornalista recém-viúvo que contempla o suicídio.
“Salvo” pelo cachorro, que o impediu no último minuto de seguir com o plano, ele passa a maltratar as pessoas ao seu redor, beber em exagero, mas, aos poucos, também passa a olhar para a vida com outros olhos. Calma, não é o clichê de “reencontrar o amor” ou “viver cada dia plenamente”.
Tony não aceita essas opções e está aqui a genialidade do texto.
Ele não é contra contrário a ter esperança ou fazer bondade, mas só as aceita se forem por razões objetivas, e, assim, acaba revisando a motivação para viver à sua maneira.
E nós choramos com ele sem parar.
After Life é uma história de autoajuda com inteligência.
Ao aceitar a fragilidade de nossa existência, e ao esbarrar com pessoas e crianças que o fazem refletir, Tony finalmente admite que é importante reencontrar a felicidade nos pequenos momentos e eternizá-los.
E que anjos existem, mas sem asas.
“Luto” tem sido uma pauta cada vez mais presente nas séries.
And Just Like That, Carrie está chegando ao fim da 1ª temporada ainda lidando com a falta de Mr. Big e a dificuldade de seguir em frente.
Ela é mais doce que Tony, mas, assim como ele, tem resistência em buscar um novo amor depois de ter encontrado sua alma gêmea.
Em The Great (vamos falar dessa série em breve), da Hulu, e disponível na Starz Plus, Catarina, a Grande, vivida por Elle Fanning, está também chegando à metade da temporada lutando para se manter forte em meio à saudade de seu amante, Leo, assassinado por seus inimigos.
E como esquecer a ótima Dead to Me, da Netflix, cujo argumento inicial era justamente o luto agressivo da personagem de Christina Applegate?
Juntando essas séries a gente volta a apreciar a pegada de After Life, que não tem reviravoltas mirabolantes para sair do tema central.
O subtítulo da tradução ficou completamente equivocado porque não é sobre ter que engolir um amargurado Tony.
É questionar o que acontece na vida após a morte.
Não a eterna (na qual ele não acredita), mas a vida após a morte aqui, na Terra, com a ausência diária das pessoas que amamos e que tivemos que dar adeus.
E Ricky Gervais não quer que a dor nos traga desesperança. Pega a caixinha do kleenex e dê uma chance. Vai rir e chorar e apreciar um conteúdo inteligente. E ouvir Radiohead e Joni Mitchell a toda altura. Pode apostar.
My Secret Santa Netflix - Divulgação


