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Entrevista com o ator, cantor e dublador Ivan Parente

"Eu gosto de fazer teatro musical. Essa arte me abriu todos os caminhos que vieram depois"

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Premiado ator, cantor e dublador Ivan Parente, que esteve no ar por 2 anos com a primeira fase da novela As Aventuras de Poliana, atualmente disponível na Netflix. 

Ivan é conhecido por estrelar grandes musicais no Brasil e ser dublador de grandes trabalhos da Disney, como os live-actions 'A Bela e a Fera', onde dá voz ao Lumière, e 'O Rei Leão', onde é o Timão. 

Recentemente pôde ser visto na produção brasileira 'Silvio Santos Vem Aí - O Musical', onde deu vida ao antagonista Pedro de Lara em temporadas desde 2020.

Recentemente integrou também do júri do programa 'Canta Comigo', da Record TV, nas edições adulto e teen. 

Em paralelo, tem eternizada sua participação como membro da trupe do grupo 'O Teatro Mágico', sucesso no mercado independente da música brasileira e se divide entre a atuação e a direção nos palcos teatrais.

Ivan traz em seu currículo dezenas de produções inesquecíveis como 'A Madrinha Embriagada', onde deu vida ao inesquecível Homem da Poltrona, 'O Homem de La Mancha', 'Alô, Dolly', 'Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos', além de 'Les Misérables', onde integrou o elenco das duas montagens brasileiras, sendo reconhecido pelo seu trabalho em 2016, como Melhor Ator Coadjuvante, nos mais importantes prêmios do gênero, Bibi Ferreira e Destaque Imprensa Digital. 

Também estreita laços com o universo infantil tendo estrelado grandes produções de Billy Bond dando vida à personagens famosas do imaginário como Pinóquio, Capitão Gancho e Homem de Lata, de “O Mágico de Oz”.

Ivan conversou com o Correio B+ desta semana, e nos deu a honra de dividir um pouco de sua história, personagens, teatro musical e projetos futuros.

CE – Ivan, o que aconteceu primeiro na sua vida, a música ou o teatro? Como e quando começa sua história com a arte?

IP - A Música veio primeiro. Na minha família tinha um monte de gente metida a músico. 

Eles chegaram a ter uma orquestra chamada "Parente". 

A gente sempre cantava nas festas de família. 

Em 1984 eu ganhei o meu primeiro violão do meu tio Nelson, entrei para uma escola de música e comecei a compor minhas primeiras canções. Em 1986 entrei em contato com o teatro musical através da minha professora de artes da escola. 

Eles encenaram o musical "Godspell" (que, sem saber, eu viria a participar profissionalmente em 2002). 

Em 1987 participei do meu primeiro festival como compositor e como cantor e ganhei os meus primeiros troféus. 

No ano seguinte cheguei a gravar uma ou duas músicas para tentar a carreira de cantor. 

Fiz participações em shows e programas da época para conseguir um lugar ao sol. 

Fiz também o Programa do Faustão, na Bandeirantes, que se chamava "Safenados e Safadinhos", mas parei por causa do Colégio e só fui retomar mesmo no meio da faculdade.

CE - O que mudou na sua vida e rotina quando decidiu viver deste universo? Precisou abrir mão/interromper alguma coisa?

IP - Eu trabalhei 4 anos num banco para pagar o colégio e a faculdade. No primeiro ano da faculdade (1991) conheci o Fernando Anitelli (O Teatro Mágico), onde ele me convenceu voltar a cantar. Em 1992, no segundo ano, montamos a banda "Madalenna 19" com o Danilo Souza. 

Em 1993 começamos a fazer shows na faculdade e em casas noturnas. Era uma loucura, porque eu trabalhava no banco meio período, mas não entrava muito cedo. 

Mesmo assim chegava acabado no banco no dia seguinte. 

Até que um dia meu chefe da agência foi me ver no musical e no dia seguinte me chamou na sala dele. Me deu um mês para tomar vergonha na cara e abraçar a profissão que estava gritando para eu aceitar.

CE - Cada papel é um recomeço. Um novo preparo, um novo estudo, um mergulho em uma nova identidade. Como é para você viver esse processo e como encara cada novo projeto?

IP - Eu sou uma pessoa que sai muito. Gosto de ir ao teatro, ao cinema, uma festa e na casa dos amigos principalmente. 

Eu observo muito as pessoas e os ambientes. Tento sempre ficar atento a novas possibilidades. 

Vejo a minha vida como uma eterna pesquisa. Sempre acho que posso usar um dia aquela situação ou aquela personalidade em alguma personagem. 

Sou um catador de almas (risos). Sempre que eu chego em um novo trabalho, vou zerado. Não vou com nada pronto. Vou ouvindo o diretor. Ouvindo meu colega enquanto ele atua. 

Vou descobrindo naturalmente as marcas. Sempre com tudo decorado obviamente. Todo mundo fala que ator de musical não tem processo e coisa e tal. Acho que tudo depende do ator e do diretor. 

Já vi de tudo. Sinto que o ator é uma massa de modelar inteligente: não tem uma forma definida, mas pode ser moldada através de estímulos que contam uma história. Aprendi com o Miguel Falabella de que se o caco é mais forte que a história, abandone o caco. 

Eu amo ensaiar e gosto de "partiturar" tudo. Amo repetir. Para mim teatro é repetição. 

Acho que só alcançamos a perfeição através da exaustão de todas as possibilidades.

CE - Com tantos anos de carreira e trabalhos especiais, considera importante que o artista se recicle?  

IP - Importantíssimo. A reciclagem é necessária. Aprender novas técnicas de canto, dança e interpretação através de professores diferentes. 

Frequentar teatros e exposições. Viajar. Encontrar pessoas de outras áreas. 

Eu nunca me considerei um ator de teatro musical, embora só tenha feito teatro em que a música estava envolvida, nos últimos anos. 

Sempre me considerei um "artista" que pode fazer qualquer coisa em que a arte esteja envolvida. Já declamei poema, cantei, fiz show, dublei, dancei, servi mesa cantando e tantas outras modalidades que perdi a conta.

Eu nunca fiz uma coisa só na minha vida.  

CE - Sobre fãs: do seu primeiro grande trabalho para cá, como enxerga a proximidade, a supervalorização, a relação mais estreita e intensa que se deu há alguns anos e que é bastante diferente de antigamente? Acha isso positivo?

IP - Tudo mudou muito em muito pouco tempo. 

As redes sociais e os fãs clubes se multiplicaram. 

Me amedronta o artista medir seu potencial através dos seguidores. 

Eu acho que melhor que seguidores, ainda é continuar trabalhando. Então eu tenho olhado com muita atenção depois da novela, onde meus seguidores aumentaram de 8000 para 436 mil. 

Vários fãs clubes foram criados para mim e para a personagem e eu não consegui alimentá-los porque o volume do meu trabalho não diminuiu. 

Eu não consigo viver para os fãs e nem para as redes sociais, por mais que eu saiba da importância. 

Eu acho que os fãs vão continuar te seguindo se você faz algo que eles achem demais. 

Que fazem com que eles se identifiquem. Então eu acho que mais do que ficar alimentando os fãs clubes, eu continuo investindo nos trabalhos legais para que eles curtam o Ivan Parente que só faz trabalho legal. Mostro um pouco do meu estilo de vida, mas não escancaro. 

Não é o meu perfil. Eu sempre leio todos os comentários e interajo com os fãs. Não respondo direct quando são violentos e nem quando não dizem nada com nada. 

Sempre falo com eles como artista. Não alimento amizade. Eu acho que dessa forma, a minha relação com o fã fica mais saudável. Não sei se é o mais certo, mas foi o que deu resultado até agora.

CE - Consegue escolher o que mais gosta de fazer entre show, musical e TV? De que forma enxerga essas três práticas na sua vida e como concilia tantas atividades?

IP - Eu gosto de fazer teatro musical. Essa arte me abriu todos os caminhos que vieram depois. O teatro você repete, repete, repete e vai ficando melhor a cada apresentação. O teatro é vivo.

Mas eu também amo cantar nos shows do Teatro Mágico. 

A minha primeira casa foi o canto, então parece que o "Teatro Mágico" me ajuda a reconectar com aquela criança que adorava cantar sozinha para um gravador. 

A TV apareceu há pouco tempo, mas me ajudou a ser mais espontâneo e menos medroso na hora de dizer um texto na frente de um monte de câmeras. Me ajudou a saber escolher mais. Escolher um movimento, uma mão, uma sobrancelha, um olhar, uma risada... e não tudo ao mesmo tempo (risos).

Eu não tenho a menor ideia de como eu consigo conciliar tudo isso. 

Sinto que com os anos de carreira, as pessoas que querem trabalhar comigo sabem que eu não sei fazer uma coisa só e continuam me dando oportunidades incríveis. 

Eu sou muito capricorniano também. Não aceito nada que não sou capaz de realizar com o melhor de mim.

CE - Sobre “As Aventuras de Poliana”: Fale sobre a importância de ter feito a primeira fase da novela e sobre quem foi o Lindomar para a trama e para o Ivan.

IP - O Lindomar é a pessoa mais doida e carismática que eu já fiz na minha vida. Era muito pacífico, pai e marido amoroso, atrapalhado, medroso e inocente. Ele parecia uma criança de 40 anos. Nesse quesito ele se parece comigo. Me sinto uma criança sempre. Ele cuidava das crianças da escola e, no final, parecia é que as crianças que cuidavam dele. Muito engraçado.

O Lindomar era quase tudo o que o Ivan lutou para não ser: acomodado. Para ele estava sempre bom do jeito que estava. 

O Ivan sempre quis mais e não se importa em sair da zona de conforto para conseguir um novo nível ou uma nova possibilidade na carreira ou na vida.

O Lindomar fez com que o Ivan, que faz teatro musical e fez tantas outras coisas legais, tenha sido visto pelo Brasil inteiro. 

As pessoas sabem quem eu sou em um outro nível. Minha tia sempre perguntava em que novela que eu estava, e eu sempre dizia que não era ator de novela. 

Sinto que uma nova porta se abriu para minha carreira e agora minha tia me considera um ator (risos). 

Aliás muita gente me considera ator hoje, só porque eu estive em uma novela. Acho que a visibilidade que a novela deu para o artista que eu sou é fantástica. 

Nunca me senti menos artista, mas isso ajuda inclusive nas negociações de trabalhos futuros.

CE - Sobre dublagem: Você já fez duas importantes dublagens no cinema. Como é se tornar um personagem Disney e fazer este tipo de trabalho?

IP - Até hoje eu ainda tenho momentos de sorrisos espontâneos em que eu digo “Caramba, eu sou o Timão” (risos). Fazer esse trabalho sem ter nunca dublado, só endossa o comprometimento que eu sempre tive com a minha profissão. 

Eu amo o que eu faço e o que eu faço é por uma boa história e por um ótimo personagem. 

Um personagem que ficará gravado para sempre na cabeça de quem assistir. 

Ter investido tanto em atuação e canto diferenciou o meu trabalho no mundo dos musicais e fez diferença quando a Disney resolveu que os artistas que dublassem seus filmes, deveriam cantar também. 

Mais uma vez eu estava no lugar certo, na hora certa e com as ferramentas certas para encarar mais um desafio.

Dublar um filme é dar uma segunda vida para uma personagem que já existe. É necessário ter muita humildade para seguir um roteiro tirando o seu ego da frente.

Eu acho muito louco a sua voz ser perpetuada num filme. Eu ainda me pego desacreditando.

Acho que o artista tem que fazer qualquer coisa... inclusive dublar. 

Acho que aqui no Brasil se separa muito as coisas. O ator de novela, o ator de filmes, o ator de série, o ator de dublagem, o ator de comercial, enfim... eu nunca me enquadrei em nenhuma categoria.

CE - Sua trajetória profissional se conecta muito às crianças. Como é a sua relação com elas e como enxerga a influência/importância disso na sua vida?

IP - Eu sempre amei trabalhar com as crianças. Isso fez com que eu nunca me desconectasse da minha. Nunca tive medo de fazer uma pergunta inocente. 

Nunca tive medo de parecer inocente. Isso fez com que eu aumentasse as possibilidades das minhas personagens. Nunca tive filtro. 

Acho que as crianças serão os próximos adultos, que comprarão ingressos, irão à shows, comprará televisões, ou seja, ele será nosso próximo público. 

Acho importante educar e fazer com que essa criança se interesse por cultura, por histórias, por sonhos. 

Sinto que fazendo esse trabalho, estou abrindo a possibilidade de continuar fazendo arte no Brasil e no mundo.

CE - O público por vezes se faz segmentado, de modo que, quem te acompanha em um trabalho muitas vezes desconhece o outro. Acha que neste novo semestre seus fãs vão se "conectar e conhecer novos mundos"?

IP - Sempre que eu posso, falo dos trabalhos que fiz, das personagens que eu vivi. 

Sinto que as pessoas começaram a se conectar com esse meu mundo anterior depois que o Timão apareceu. 

Muita gente está indo atrás do meu nome e vendo o que eu já fiz. 

Principalmente para me cobrar caso a dublagem seja ruim (risos), e aí eles acabam descobrindo que eu dublei o Lumiére, ou que eu canto com o Teatro Mágico, ou que eu fiz Les Mis, ou que eu fui o Homem da Poltrona, e uma coisa vai chamando a outra. 

Sinto que esse trabalho é o mais importante agora. Trazer o que eu estou fazendo de novo e fazendo com que eles se interessem pelo que eu fiz antes. 

Para entenderem que existe uma história. Que eu não apareci na árvore da Disney do nada. Tenho uma carreira sólida e que tem muito fôlego ainda.

CE - Sobre integrar o elenco do musical “Silvio Santos Vem Aí. Já tinha uma relação com este universo que permeia a vida do apresentador?

IP - Nos anos 80 eu praticamente vivia na TVS e no SBT. 

O Silvio Santos era parte da família, pois a gente iniciava nosso domingo no “Domingo no Parque” e só desligava quando o “Programa Silvio Santos” terminava. 

O “Qual é a Música” era o ápice para mim, obviamente por conta do que eu faço hoje. Silvio foi e ainda é o comunicador e apresentador mais amado do país. 

Ele entende o que o povo quer ver na TV. 

Nunca tirou de sua programação, conteúdo para as crianças e até hoje sua audiência é única. 

Eu trabalhei lá por quase três anos e pude ver de perto o jeito que as pessoas se tratam. Se tratam como família, assim como sempre foi no espetáculo, entre elenco e equipe.

CE - Como foi o desafio de dar vida à Pedro de Lara, que recentemente lhe rendeu uma nova indicação de Ator Coadjuvante ao Prêmio Destaque Imprensa Digital?

IP - Dar vida ao Pedro de Lara foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz, pois sempre dei vida a personagens que “supostamente” não existiram, ou que foram inspiradas em pessoas, mas interpretar alguém que viveu e ainda está na lembrança das pessoas, foi e ainda é um grande desafio. Uma pessoa que foi amada e odiada - com amor, claro (risos).

Eu fiquei apaixonado pela personalidade e pela personagem do Pedro de Lara. Um presente que as diretoras, Marília Toledo e a Fernanda Chamma, me deram e que venho celebrando desde 2020, quando fizemos a estreia da nossa primeira temporada. 

Ele é uma personagem cheia de camadas. Que vivia dos xingamentos com a plateia. Sensacional. Ao mesmo tempo tinha um olhar inocente. Eu amo.

CE - Projetos futuros...

IP - Estou sempre envolvido em muitos projetos, o palco já faz parte de mim, e quando não estou nele como ator, estou envolvido como diretor, outra coisa que amo fazer. 

E como não consigo ficar longe dele muito tempo, em breve o público deve me ver atuando em dois espetáculos bem bacanas, um de prosa e um musical. Aguardem...

ENTREVISTA COM BIANCA

"A fauna pantaneira é a base musical das nove composições de 'Pantanal Jam'"

Cantora Bianca Bacha, da Urbem, fala como a paisagem natural de Miranda afetou o processo de criação e gravação do segundo álbum da banda, sobre a diferença entre o canto com letra e as vocalizações que são a sua marca e anuncia projetos nos EUA e Espanha

15/12/2025 11h00

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste ano

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste ano Divulgação / Alexis Prappas

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ENTREVISTA COM BIANCA

Recuperando para o leitor: como se deu a oportunidade do encontro e da parceria com o Ryan para o projeto do álbum “Pantanal Jam”?

Conhecemos Ryan Keberle no Campo Grande Jazz Festival [em março de 2024] e com ele tivemos uma troca musical instantânea. Tocamos juntos em um show no Sesc [Teatro Prosa] em setembro de 2024 e, a partir de lá, tivemos a certeza de que ainda faríamos muita música juntos.

No Pantanal, onde Ryan esteve pela primeira vez durante as gravações, ficou nítido que ele conseguiu transpassar para o repertório o encantamento que ele estava vivendo em meio a toda aquela natureza.

É o segundo disco, nove anos depois de “Living Room”. O que “Pantanal Jam” representa para a Urbem?

Este projeto é o nosso território sonoro: onde a música que criamos se entrelaça à natureza que nos guia em forma de jam. Na música, uma jam significa um encontro musical sem aviso prévio, as coisas vão acontecer ali na hora, portanto, o inesperado é bem-vindo e, com ele, você improvisa.

Qual seria o conceito geral do álbum?

O conceito do álbum nasce da escuta profunda da fauna pantaneira. Os cantos dos pássaros, o esturro da onça e os sons das águas e dos ventos não são efeitos nem pano de fundo: são a base musical das nove composições. A natureza atua como um músico a mais na banda de jazz, dialogando conosco em frases de pergunta e resposta.

Sandro Moreno registrou esses sons in loco, mergulhando no Pantanal para captá-los com precisão. Depois, analisou esse vasto material para identificar melodias, ritmos e motivos que se tornariam a essência das composições.

E, para fechar o ciclo, o álbum também foi gravado no coração do Pantanal. Com geradores a gasolina e um estúdio móvel, nós, a Urbem e o trombonista Ryan Keberle, levamos a música para o ambiente que a inspirou. E ali criamos, novamente in loco, em plena natureza selvagem.

Que tipo de referências buscaram para os arranjos, as sonoridades e as texturas?

Toda a referência e textura do álbum “Pantanal Jam” nascem dos próprios sons do Pantanal. A imersão no território e a escuta atenta transformaram cantos de pássaros, esturros, movimentos da água e vozes da mata em matéria-prima musical.

Cada faixa traduz essa convivência direta com a fauna e seus ritmos naturais, convertendo sons de bichos em música. Viva, orgânica e profundamente enraizada na paisagem pantaneira.

Isso está bastante perceptível. Os sons e toda a atmosfera do Pantanal atravessam o mood e talvez a própria concepção dos temas. Pode comentar um pouco mais sobre essa presença de elementos da natureza – e dessa natureza tão singular de MS – na criação de vocês?

A fauna, a luz, o silêncio amplo, os ventos, os cantos e até os vazios típicos da paisagem pantaneira influenciam diretamente a forma como criamos. É como se o ambiente nos orientasse musicalmente: às vezes guiando uma melodia, às vezes sugerindo um pulso, às vezes impondo uma pausa.

Esse encontro com a natureza não é decorativo, é estrutural. Ela atravessa tudo, o gesto musical, o espírito do disco e a maneira como a banda se relaciona com o som.

No “Pantanal Jam”, a paisagem não é cenário: é presença, é voz, é parceria criativa. É música.

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste anoFoto: Divulgação / Alexis Prappas

Onde exatamente estiveram e gravaram? E quando foi?

As gravações foram feitas na Fazenda Caiman, em junho deste ano, num cenário que não poderia ser mais inspirador. Foram escolhidas pela produtora três locações diferentes, e para cada uma delas, três músicas.

A cantora Bianca Bacha se prepara para mais uma gravação na Fazenda Caiman, em Miranda, em junho deste anoFoto: Divulgação / Alexis Prappas

Com uma equipe ultraprofissional que trouxe segurança e leveza para uma gravação ao vivo numa condição completamente inusitada.

E quanto ao repertório? Como chegaram às nove canções do disco?

Entre as composições, temos duas músicas do Paulo Calasans [“Swingue Verdejante” e “Suspiro da Terra”], um dos maiores produtores, arranjadores e instrumentistas do País, além de duas canções do Ryan Keberle junto com Sandro Moreno [“Paisagem Invertida” e “Entre Folhas”] e cinco composições nossas [“Espiral”, “Pluma”, “Voo Curvo”, “Barro” e “Canção do Ninho”].

Penso que o Pantanal é experimentado de um jeito bem particular por cada pessoa. Como é para você? Como aquele ambiente lhe toca e eventualmente interfere no seu jeito de cantar?

Tudo ali era extremamente inspirador. Dormir e acordar naquele lugar por alguns dias já me fazia até respirar de jeito diferente, com menos pressão e mais imersão.

Isso com certeza influenciou no jeito de cantar. Porém, o mais impressionante era saber que estava gravando um disco com toda aquela fauna ao redor, um jacaré no lago ao lado e uma onça a alguns quilômetros.

Embora domine há duas décadas o canto com letra e muitas vezes cante dessa forma em apresentações ao vivo, na Urbem, você investe sempre nos vocalizes e scats.

Todas as músicas do álbum “Pantanal Jam” usam a voz como instrumento, ou seja, não há letras nas músicas. Além de ser uma característica jazzística, esse estilo de canto se aproxima mais do cantar dos pássaros, a busca por seus fonemas e emissões.

Cada música exige uma altura e um escolher apropriado de sílabas que encaixem com a afinação e a expressão.

Adoro o canto com letras. Ali você tem palavras, interpreta, coloca ênfases. É até uma emissão de voz diferente. Só que comecei a me encantar com o mundo do jazz e toda essa coisa do canto que não usa palavras, o vocalize. E comecei a ouvir cantoras que cantam assim.

Tatiana Parra [cantora, compositora e professora paulistana] canta assim, nossa, de um jeito maravilhoso. A [portuguesa] Sara Serpa também. Tem também as divas mais antigas que faziam mais questão de improviso, o scat singing.

O canto sem palavra é muito desafiador porque ele é mais cru, mostra mais imperfeições de respiração, de emissão, de escolha de sílabas. E é muito improvisado. Porque a cada dia você pode usar uma sílaba diferente, pode caracterizar de uma outra forma.

Num dia vou fazer “u”, no outro dia posso fazer “a”, no outro posso fazer “e”. E você tem que descobrir ali, numa forma você com o seu corpo. E além de ter o desafio de você demonstrar o interpretar com emoção sem ter palavras.

Então é muito jazz [risos]. E acho muito bonito. Sempre vai ser um desafio. Sou com o meu corpo, com as palavras que eu escolho, que nem sempre são pensadas.

Claro que tem uma questão técnica de que o “i” você vai mais para um agudo, no “u” também; nos graves, você vai para outras escolhas, as consoantes também interferem. Gosto muito de passear pelas duas áreas. Tanto a área da interpretação com letra quanto a área dos vocalizes e texturas.

E Nova York? Pode contar um pouco sobre a recente temporada de vocês por lá?

O “Pantanal Jam” foi lançado em novembro deste ano com um show memorável em Nova York, durante a feira internacional de turismo Visit Brazil Gallery [na Detour Gallery], e a recepção foi extraordinária.

Pessoas do mundo inteiro, agentes de turismo, diretores da National Geographic, fotógrafos de natureza e profissionais de diversas áreas assistiram ao show com atenção absoluta.

Desde a primeira música, compreenderam nossa proposta e permaneceram maravilhados até o fim. Foi um momento histórico para Mato Grosso do Sul e para a arte sul-mato-grossense.

Esse resultado só foi possível graças ao apoio total da Fundtur e do seu diretor-presidente, Bruno Wendling, que acreditou no projeto desde o início e se comprometeu a nos apoiar tanto nas etapas de captação no Pantanal quanto no lançamento em Nova York. Além disso, segue impulsionando a campanha contínua de apresentar o “Pantanal Jam” ao mundo.

E faz sentido: ouvir o Pantanal desperta o desejo de visitá-lo, conhecê-lo e preservá-lo. O projeto reúne arte, natureza, conservação, turismo e toda a beleza única do nosso bioma, uma combinação que emociona e conecta o público global ao coração do Pantanal.

Além do álbum que já está lançado em todas as plataformas, temos uma série de vídeos das nove músicas e um minidocumentário.

Quando teremos shows da Urbem? Quais os próximos passos e projetos da banda?

A Urbem se sente profundamente entusiasmada em seguir os passos de Manoel de Barros, da família Espíndola, de Guilherme Rondon, Paulo Simões, Grupo Acaba, Geraldo Roca e tantos artistas que sempre beberam dessa fonte primária que é o Pantanal, transformando-a em arte para o mundo.

Recentemente, pesquisadores de Harvard e professores da UFMS colheram sons do Pantanal [pelo projeto Pantanal Sounds, que conta, entre outros, com nomes como o do violoncelista e professor William Teixeira], e esse movimento nos inspirou a ir a campo gravar os sons pantaneiros e a fazer composições dentro da nossa linguagem jazzística, incorporando esses registros naturais ao nosso modo de compor e evidenciando em música as belezas pantaneiras.

Temos planos de retornar aos Estados Unidos em breve e estamos em diálogo com a Embaixada do Brasil em Barcelona, onde palestraremos em março.

Além disso, a Urbem participará do Campo Grande Jazz Festival de Rua, no dia 21 de dezembro [neste domingo], em uma jam session com músicos locais e de São Paulo.

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MÚSICA

Entre onças e tuiuiús, o jazz

Em parceria com o trombonista Ryan Keberle, com nove composições inspiradas na exuberância do Pantanal, URBEM lança segundo álbum; 2º Campo Grande Jazz Festival celebra o gênero na Capital, com apresentações gratuitas

15/12/2025 10h00

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro Moreno

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro Moreno Divulgação / Alexis Prappas

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Sem dar muitos detalhes, o baterista Sandro Moreno, quando conversou comigo, em junho, sobre o álbum que a Urbem gravaria com Ryan Keberle, adiantou que o projeto seria “algo muito especial”.

Após o show – memorável, diga-se – que fizeram juntos no Teatro do Mundo, o quarteto campo-grandense – além de Sandro, Bianca Bacha (vocais), Ana Ferreira (piano), Gabriel Basso (contrabaixo) – e o trombonista norte-americano foram para a zona rural de Miranda e se instalaram na Fazenda Caiman.

Foi lá que a magia aconteceu. Na estrada desde 2013 e com apenas um álbum lançado até então, “Living Room” (2016), a banda disponibilizou “Pantanal Jam” no Spotify no dia 29 de outubro, três dias antes do show que realizaria em Nova York, em um evento na Detour Gallery que uniu arte, gastronomia e turismo para promover o Pantanal.

São nove faixas criadas e gravadas com extremo apuro e sensibilidade, que alcançam os músicos da Urbem e Ryan num ponto bem elevado de suas capacidades.

Os temas soam como se os cinco artistas tivessem se deixado abraçar pela contagiante pregnância da natureza de Miranda, e Bianca Bacha confirma isso em entrevista exclusiva.

Melodias, pulsações e andamentos foram se definindo conforme eles mergulhavam em tudo que viam, ouviam e sentiam por ali: ventos, o canto das aves, “o esturro da onça”, como Bianca relata. Ouvindo os sons naturais, captados previamente por Sandro, que assina a produção musical do projeto, cada um estabeleceu sua conversa criativa com o Pantanal.

O registro dos sons naturais – de aves, por exemplo — introduz, se mescla ou faz a ponte para uma execução instrumental (voz inclusa) coesa e deveras inspirada, que não força a barra para sorver e devolver, em forma de música, a fartura que o habitat de Miranda oferece.

“Suspiro da Terra”, doce e pulsante, e “Paisagem Invertida”, essa mais selvagem e misteriosa, são uma prova disso.

Ryan pontua, preenche ou arremata sempre com uma precisão e desprendimento envolventes. Ana, como se ouve em “Espiral”, migra da base para os solos numa transparência que comove. Gabriel – em “Canção do Ninho”, por exemplo, que começa e segue na cama dos gomos que vai colhendo ao longo do tema – parece deter a justa medida para o desempenho de seu baixo.

"Foi uma grande honra participar da criação do ‘Pantanal Jam’. Os sons da Pantanal, do modo como Sandro captou, tiveram um papel direto no processo de composição das duas músicas que fiz para o álbum.

A partir da esquerda, Bianca Bacha, Ana Ferreira, Ryan Keberle, Gabriel Basso e Sandro MorenoRyan Keberle, trombonista - Foto: Divulgação / Alexis Prappas

O tom e os ritmos dos sons naturais do Pantanal, inspirados por ideias musicais e paisagens sonoras próprias, criaram um clima que eu tentei capturar nas minhas composições. Quando nós gravamos, literalmente no meio de um dos lugares mais selvagens e remotos do mundo, a beleza e a energia natural nos inspirou a ouvir a natureza e um ao outro mais profundamente, o que resultou numa performance musical que demonstra uma profunda comunicação musical.

Adoro os músicos e a música da Urbem. E, desde que tocamos juntos em diversas ocasiões anteriores, eu compus as minhas músicas especificamente com o talento e a habilidade musical especial deles em mente” - Ryan Keberle, trombonista.

Sandro é um laboratório inquieto, dos pedais aos pratos de condução. E Bianca conduz os vocais numa têmpera e numa fruição que se articula como síntese do conjunto.

Comparações e referências são uma tentação no mundo do jazz. Mas a qualquer palpite sobre “Pantanal Jam”, é melhor calar e ouvir. É um álbum estimulante para esse silêncio de dentro, que nos faculta as melhores emoções da escuta e da experiência musical.

Brazilian jazz? Jazz? Ouça. Música apenas. E quanta música! Embrenhada e revelada nos refúgios de um lugar mágico, onde a natureza se recobra e o espírito se fortalece.

A Urbem lança “Pantanal Jam” hoje, às 18h, no Centro de Convenções Arquiteto Rubens Gil de Camillo. Apareça.

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