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LITERATURA

Escritor gaúcho transforma exposição de arte sem obras em romance

Na trama de "Nosso Corpo Estranho", Reginaldo Pujol Filho faz um artista conceitual nascido no Rio Grande do Sul circular de Porto Alegre a Nova York e, por meio da paródia, traça um panorama do circuito artístico dos anos 80

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Reginaldo Pujol Filho ambienta o enredo de “Nosso Corpo Estranho” (Editora Fósforo), seu novo romance, no interior de uma exposição artística.

O escritor, professor e tradutor gaúcho apresentou parte dos resultados de sua pesquisa de doutorado em letras e escrita criativa pela PUC-RS - que deflagrou, inclusive, o processo criativo do novo livro - a alunos de pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) na noite de ontem.

E fala com o público hoje (28) sobre a nova obra, publicada pela Editora Fósforo, a partir das 19h, em evento de lançamento na Livraria Hámor (Rua 13 de julho, 1.592, Monte Castelo).

A mediação da conversa será feita por Wellington Furtado Ramos, professor da UFMS, e o livro estará à venda no local por R$ 69,90. Autor de “Quero Ser Reginaldo Pujol Filho” (2010), “Não, Não É Bem Isso” (2019), ambos pela Não Editora, e de “Só Faltou o Título” (Record, 2015), Reginaldo apresenta em “Nosso Corpo Estranho” um projeto inusitado tanto em sua forma, quanto na história que narra, o que valida as palavras da escritora e curadora Veronica Stigger: “Reginaldo Pujol Filho é um dos mais imaginativos escritores da literatura contemporânea brasileira”.

O protagonista deste romance, João Pedro Bennetti Bier, nasceu em 1960 em Porto Alegre, mudou-se para o Rio de Janeiro e depois para Nova York, onde iniciou a carreira artística. Teve contato com ícones da pop art, como Andy Warhol (1928-1987), e esbaldou-se na cena noturna da badalada Big Apple.

Como tantos outros de sua geração, viu paixões se transformarem pelo medo do HIV. Contemporâneo de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), realizou performances, colagens, instalações e pinturas, vivendo tendências como grafitti e body art.

Apesar de ser agora comparado a grandes nomes como Leonilson (1957-1993), Banksy, Cildo Meireles e Marina Abramović, João Pedro foi ignorado pela crítica e pelo circuito de galerias do país natal, o que torna o registro de sua exposição retrospectiva um ato de reparação.

Por meio da paródia, recurso literário que recorre à citação e ao humor, e que Reginaldo renova a cada novo livro, “Nosso Corpo Estranho” traz os textos de parede da mostra, e é como se o leitor caminhasse por entre as obras.

Mas quais delas? Sem imagens que lhes dê materialidade, o livro convida ao exercício da imaginação, deixando quem passeia por suas páginas se levar pelas palavras do autor, que, ao assumir a curadoria, transforma-se em personagem de sua invenção.

O curador-escritor Reginaldo Pujol Filho se apropria da gramática da crítica de arte, distinguindo três fases de João Pedro, ou “nosso JayPee” — visceral, crítica e trágica.

Com humor, sarcasmo e muito domínio da linguagem, Reginaldo descreve o arco da inocência à desilusão, a descoberta e a intoxicação com as engrenagens do meio artístico pelo qual passou o artista.

E, ante o testemunho, o leitor passa pelo mesmo processo ao receber as pistas de que tudo não passa de engodo. Para além da relação com o mundo da arte, esta narrativa também trágica leva a pensar nos limites da ficção e em seus mecanismos. Do que é capaz a linguagem? O que é apenas verossímil e, mais profundamente, o que é a realidade?

Também tradutor e curador da coleção Gira - de literaturas em língua portuguesa - da Editora Dublinense, Reginaldo afirma, em entrevista ao Correio B, que escreveu “Nosso Corpo Estranho” para confirmar se “textos e estruturas de exposições de artes visuais podiam contar histórias ficcionais”. Confira.

  • O que te levou ao enredo deste romance?

É curioso, o enredo vem da vontade de investigar se a percepção que eu tinha, de que textos e estrutura de exposições de artes visuais podiam contar histórias ficcionais, funcionava na prática.

Para isso, precisava criar um artista, para poder imaginar obras realizadas por ele e poder narrar vida e obra nos textos expositivos. Acho que o enredo foi surgindo, então das necessidades da história e do João Pedro. Fui descobrindo que vida era essa que poderia gerar as obras.

  • Por que esse período da arte de vanguarda e performativa dos anos oitenta costuma mobilizar tanto, inclusive pessoas de gerações posteriores?

Eu incluiria aí o final dos sessenta e os anos 1970. Acho que é porque é o momento de um grande rompimento com estruturas simbólicas institucionais e rígidas, desde o museu, questionado num primeiro momento, até as definições do que é arte em função de suportes, técnicas e materiais.

Historicamente, não podemos deixar de notar que isso é contemporâneo das lutas por direitos civis, liberdade sexual, lutas contra ditaduras como no Brasil, questionamento a toda forma de poder no maio de 68. Talvez tenha a ver com isso. Mas é difícil afirmar.

  • Sim. Esse período que você demarca não deixa de ser angular. Mas com elementos como o videotape, a forte institucionalização do consumo na esfera da arte, a generalização de materiais industriais, novos sentidos à performance e a dita falência das utopias, acredito numa marca bem própria dos anos oitenta.

Me deixou pensativo. Acho que trouxe os sessenta e os setenta para a resposta porque são os anos que têm mais impacto sobre o João Pedro. E entendo ele mais como um reprodutor da arte que o influenciou do que como alguém que estava na vanguarda dos anos oitenta.

Talvez uma exceção nesse sentido - falando do João Pedro - seja o contato com o grafite. 

Mas sim, os anos oitenta são uma ressaca em termos de sentimento social e histórico. Os Estados Unidos abraçam o conservadorismo, a AIDS reprime a sexualidade, o yuppie surge como personagem, o Brasil vive a desilusão das Diretas Já.

Todas as utopias parecem bater de frente com um pragmatismo. Se é que é possível generalizar, acredito que a arte incorpore esses temas, talvez até menos conceitualmente, com uma marca mais ativista em várias produções que já começavam a despontar no final dos setenta.

Mas não sei, acho que, sim, há a arte de rua, o videotape, em alguns casos uma radicalização do uso do corpo, mas por outro lado há uma retomada com força da pintura, talvez numa clara reação de mercado contra os esforços anti-galeria dos anos setenta, demarcando bastante a década que consolida as bases do neoliberalismo.

Talvez uma marca forte dos anos oitenta e que carregamos até hoje seja a entrada em cena do cinismo desiludido, a ironia pós-modernista, uma linguagem da descrença.

  • Me parece que há uma inscrição autobiográfica na trama. É isso mesmo? Seria uma linha de inspiração, algo agregado ao dispositivo narrativo ou algo além?

Olha, a princípio não tem. Meu nome surge na história, mas num personagem bem mais velho que eu. Quanto ao João Pedro, não sei se poderia dizer que João Pedro sou eu.

Mas, apesar de toda pesquisa feita sobre vida de artistas, não posso duvidar que algo meu persista nele.

  • E por que recorrer à paródia?

A paródia tem a ver com essa minha inquietação com a linguagem. Gosto de me desafiar a me apropriar de linguagens que ainda não vi no texto literário. 

  • Acredita que há muitos “JayPees” por aí? É um fenômeno pequeno-burguês?

Quanto à JayPees, como imagem do burguês ou da classe média com o privilégio aos meios de acesso e produção da cultura, não tenho dúvidas de que sim.

Mas assim como Jota Pê, muitos não se tornam referências da arte. E acho, por outro lado, que uma coisa que deve ser observada e celebrada é a quantidade de não JayPees que vem surgindo nas letras e nas artes do país. Vozes antes sem vez, que vão chegando com força.

  • O que gostaria que o leitor pudesse dizer ao final da história?

Não tenho, longe disso, um desejo de totalidade do livro.. Gostaria que o leitor ou a leitora me dissessem que obras viram, como circularam pela exposição, o que João Pedro disse ou não disse.

Serviço

  • Lançamento de “Nosso Corpo Estranho”
  • Romance de Reginaldo Pujol Filho
  • Editora Fósforo, 2024
  • 120 páginas
  • R$ 69,90
  • Bate-papo com o autor
  • Mediação: Wellington Furtado Ramos.
  • Hoje (28)
  • 19 horas
  • Livraria Hámor
  • Rua 13 de julho, 1.592, Monte Castelo
  • Entrada franca

Correio B

Há quem garanta que não demorará muito para dois políticos que são parentes...Leia na coluna de hoje

Confira a coluna Diálogo desta quinta-feira (06/03)

06/03/2025 00h01

Diálogo

Diálogo Foto: Arquivo / Correio do Estado

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LUIS FERNANDO VERÍSSIMO ESCRITOR BRASILEIRO
"Tem muita gente honesta neste País. 
Só não se identificam para não ficar 
de fora se aparecer um bom negócio”.

FELPUDA

Há quem garanta que não demorará muito para dois políticos que são parentes bem próximos colocarem luvas de boxe para embate em conhecido ringue. É que um deles vem posando de oposição, enquanto o outro é “chegado” de cabeça coroada. Na prática, dizem, um vai bater e o outro defenderá. Os dois já estiveram no mesmo partido, mas recentemente deixaram de andar de mãos dadas e foram caminhar politicamente separados. Um deles largou o certo pelo incerto e se deu muito mal. Já o outro tem dançado conforme a música. É esperar para ver.

Em alta

A Companhia Nacional de Abastecimento divulgou Boletim Logístico, mostrando que o avanço da colheitade soja tem influenciado os preços praticados no mercado de serviços de transporte de grãos nas rotas pesquisadas, como em MS.

Mais

A perspectiva de produção recorde para a oleaginosa, estimada em 166 milhões 
de toneladas, tende a gerar pressão na oferta de caminhões, o que influencia na alta nos serviços de frete.

DiálogoCorah Medeiros
DiálogoCláudio Castro e Rafael Picciani - Corcovado - Foto Lucas Teixeira - Rio Open 4090

 

Diálogo

Após 13 anos no esporte, a atleta Camille Giovanini (foto) parte para uma nova etapa na vida: a carreira como artista do Cirque du Soleil. No começo deste ano, a jovem de 19 anos foi para Montreal, no Canadá, iniciando um período de treinamentos. Aprovada em um processo seletivo muito disputado, ela foi escolhida para integrar a companhia multinacional. “A primeira etapa está sendo de muito treino e preparação. Eles me chamaram para a equipe do espetáculo ‘Russian Swing’, que é um número bem radical composto só de mulheres. Depois de toda a preparação vou adiante para os shows. É isso! O que eles pedirem estarei fazendo”, assegurou. 

Na mira

A tentativa da criação de CPI para investigar o Consórcio Guaicurus, e o pedido de impeachment da prefeita Adriane Lopes são os dois assuntos polêmicos que dominarão as discussões na área política de Campo Grande, neste pós-carnaval. Em ambos os casos, há quem não aposte nem “um dólar furado” de que vão prosperar, por uma série de fatores. Essas questões deixaram claro que a prefeita terá que estar preparada contra as ofensivas, que deverão ocorrer de forma constante.

Alerta

A invasão de hackers, no dia 2, ao sistema do Departamento de Tributação e Contabilidade da Prefeitura de Ivinhema serve de alerta para que outros municípios redobrem a segurança. Essa ação, conforme aquela prefeitura, pode ter resultado na obtenção pelos invasores cibernéticos de dados das pessoas, como nome, CPF, RG, endereço, telefone, data de nascimento e estado civil. As autoridades policiais foram comunicadas.

Bola da vez

Na briga pelo poder, a União das Câmaras de Vereadores de Mato Grosso do Sul (UCVMS) é a bola da vez.  Integrantes do Legislativo municipal de Campo Grande estão fazendo articulações, buscando até a Justiça,  com vistas a conquistar  o comando da entidade, que há décadas tem a frente o vereador Jeovani Vieira dos Santos, de Jateí, e que poderá ter como concorrente o seu colega da Capital, Junior Coringa.

ANIVERSARIANTES

  • Adriana Paula Cândido,
  • Eduardo de Melo Spengler, 
  • Dra. Maria Auxiliadora Budib,
  • Sérgio Silva Muritiba,
  • Alessandra Patrícia Pandolfo Simon, Christiane Buainain Gonçalves,
  • Ademir Garcia dos Reis,
  • Benilo Allegretti,
  • Leida Aguero Reis,
  • Pedro Paulo Feronato,
  • Rodiney de Pinho Barbosa,
  • Valdeir de Oliveira,
  • Bento Lebre dos Santos,
  • Donizete Ribeiro de Magalhaes,
  • Maria Alves de Almeida,
  • Sandra Maria Silveria Denadai,
  • Antonio Silvio de Souza,
  • Benedicto Moreira,
  • Maria Aparecida de Oliveira,
  • Katia Tavares,
  • José Carlos Tavares do Couto Filho, 
  • Joao Reston Elias,
  • Edyna Araújo de Almeida,
  • Dr. André Augusto Wanderley Tobaru, 
  • Débora Rondon, 
  • Márcia Tateishi Yamauchi,
  • Dr. Redel Furtado Neres,
  • Dr. Marcos Tadeu Winche Andrade, Jaime Selle, 
  • Oscar Quiroga, 
  • João Adecio Alves,
  • José Narciso Escobar,
  • Marcos Antonio Soares,
  • Andréa Saab Baroli,
  • Nailo Garces da Costa,
  • Marcilio Gianerini Freire,
  • Elizabete Alves da Silva,
  • James Rudy Silveira,
  • Lidio Moraes,
  • Denise Tibal Vasconcelos Dias,
  • Andressa Rafaela de Souza,
  • Sérgio Roberto Mendes, 
  • Elida Brito de Alencar,
  • Joana Inês Bitencourt,
  • Júlio Sérgio Vargas Fernandes,
  • Magda Guimarães Falcão Alves Zamboni Freitas, 
  • Dra. Leonir Wiechert Nogueira Barros, 
  • Deodato Dortas Rodrigues Neto,
  • Fabrizia Ferreira Machado,
  • Júlio Cesar Carvalho,
  • Ivandro Correia Silveira,
  • Dayanny Bento Silva,
  • Kelly Cristina Garcia,
  • Angela Maria Ranconi,
  • Fernanda Marques Yafusso,
  • Milton Martinho,
  • Fernando Lamers, 
  • Antônio João Grande de Melo,
  • Marcelino Rodrigues de Souza,
  • João de Freitas Pinto, 
  • Washington Luiz Castro Júnior, 
  • Bernadete Abrão, 
  • Ivan Mendonça Arruda, 
  • Juailson Canhete da Costa, 
  • Maria de Almeida Metello de Assis, 
  • Cláudio Nakazato,
  • José Luiz Saad Coppola, 
  • Kelly Haruko Kaneki, 
  • Edmar José Panassolo,
  • Carlos Alberto Garcete de Almeida,
  • Diones Figueiredo Franklin Canela, Rener Cruvinel Borges,
  • Kenya Silveira Lopes, 
  • Mara Gimenez Pereira da Silva,
  • Karla Lorena Griesbach Nantes, 
  • Ruth Corrêa de Lima Carvalho,
  • Francisco de Paula Ribeiro Júnior,
  • Ana Keller dos Santos Aleyne, 
  • Luiz Carlos Mandu da Silva,
  • Marcelo Cesar de Oliveira, 
  • Hosana Gonçalves Moraes,
  • José Massayoshi Simabucuro,
  • Roberta Soto Maggioni,
  • João Paulo Tomás,
  • Ana Paula Seles Paco dos Santos,
  • Ozair Kerr, 
  • Emerson Tiogo da Silva,
  • Walderez e Silva de Farias,
  • Jorge Alberto Pizzaro de Menezes,
  • Dênis Peixoto Ferrão Filho,
  • Thaís Iguma, 
  • Higo dos Santos Ferre,
  • Renata Espíndola Virgilio,
  • Vânia Mara Basílio Garabini,
  • Tamara Guimarães da Costa,
  • Edinete Lira Torres Castello,
  • Jean Cleiton Santi,
  • Zenildo de Oliveira,
  • Carlito de Oliveira Boza, 
  • Ademar Gonçalves Machado, 
  • Fabia Elaine de Carvalho Lopes, 
  • Giselly Pitinari Cordeiro, 
  • Marisol Marim Alves de Oliveira,
  • Maria Luiza Businaro, 
  • Patricia Lantieri Correa de Barros, 
  • Christiane Barnard Pereira Utima,
  • Zilma Marques de Bernardo Castro e Silva,
  • Emerson Pereira de Miranda.

 COLABOROU TATYANE GAMEIRO

CULTURA & FOLIA

Conheça a relação do historiador Edson Contar com o Carnaval de Campo Grande

Pioneiro na organização do desfile carnavalesco de Campo Grande, o historiador, jornalista e compositor Edson Contar é uma figura essencial para se entender como a festa tomou conta da cidade e ganhou a dimensão que tem hoje

05/03/2025 10h00

O compositor, cronista, turismólogo e, sobretudo, carnavalesco Edson Contar, no traço do cartunista Éder Flávio: alma do Carnaval de Campo Grande

O compositor, cronista, turismólogo e, sobretudo, carnavalesco Edson Contar, no traço do cartunista Éder Flávio: alma do Carnaval de Campo Grande Foto: Flávio Eder

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“Minha carne é de Carnaval/meu coração é igual [...] onde quer que/eu ande em qualquer pedaço/eu faço/um campo grande/um campo grande”.

A canção de 1972 do Novos Baianos (“Swing de Campo Grande”), embora celebre a alegria dos integrantes do grupo de pular Carnaval em uma das praças mais conhecidas de Salvador, na Bahia, cai como uma luva no estado de ânimo que a festa provoca em Edson Contar.

Figura essencial para o que a festa da Campo Grande sul-mato-grossense se tornou, pelo menos, nos últimos 50 anos, o historiador, jornalista, compositor, turismólogo e, sobretudo, folião Edson Contar, que, inclusive, atuou no Correio do Estado, traz a história do samba, das escolas e dos desfiles da Capital na ponta da língua. Em muitos dos episódios que conta, mais do que testemunha, é ele um dos protagonistas, se não “o” protagonista da situação.

Seu Edson domina o assunto, e quem já bateu um papo com ele sabe o quanto é bom de prosa.

“Quanto a essa quarta [Quarta-Feira de Cinzas], nem eu entendi isso de cair logo após o Carnaval”, brinca, soltando uma risada, ao saber o dia em que seria publicada essa reportagem. O artista da folia segue dizendo que “o Carnaval ainda é uma festa do povo”, para relembrar, em seguida, dos carnavais “de antigamente”, recuperando o nome de Goinha como o responsável pela multiplicação das escolas, na década de 1960, a partir da criação da Acadêmicos do Samba.

PATRIARCA

“Mesmo que as escolas de samba não tenham espaço para tanta gente, os blocos e cordões supriram e deram chance de participação para os que gostam da folia”, reflete o veterano, cujo sangue carnavalesco transmitido ao filho, o também historiador Jefferson Contar, rendeu como fruto o Cordão Valu, que, por sua vez, desde 2007, quando desfilou pela primeira vez, acabou se tornando celeiro de outros blocos que surgiram, como o Capivara Blasé e o Vai Quem Vem.

É que Jefferson, ao lado de sua esposa, Silvana Valu, mais uma historiadora na resenha de hoje, foi quem criou o Valu, o que faz do patriarca uma espécie de “alfa e ômega” do Carnaval campo-grandense. À frente da Secretaria de Turismo da Capital, Seu Edson não mediu esforços para trazer mais profissionalismo à celebração e decidiu, em um esforço conjunto com as escolas, investir na organização, oficializando o desfile.

As alas passaram a ser identificadas e todo um ordenamento de entrada na passarela foi estabelecido, a partir de um regulamento que procurava seguir os ditames do Carnaval carioca – a festança do Rio de Janeiro é uma das paixões confessas do compositor.

A bateria ganhou um “tchan”, a confecção das fantasias passou a ser mais requintada, assim como a definição dos temas e a criação dos sambas-enredo também deram um salto de criatividade. A ala das baianas, a comissão de frente e tudo o mais ganhou outros cuidados.

IGREJINHA

Nada, porém, foi tão fácil quanto pode parecer olhando de longe. Uma das dificuldades era, justamente, encontrar quem compusesse os sambas-enredo. E, na falta de compositores, Edson assumiu a criação do samba de cinco escolas. Aos poucos, foram aparecendo outros bambas bons de verso, como Onésimo Filho, que, no ano seguinte, assinou o samba-enredo da Vila Carvalho.

Apesar do coração grande, onde cabem todas as agremiações, Seu Edson não esconde que as coronárias pulsam com mais força quando o assunto é a Igrejinha, para a qual compôs vários dos enredos que levaram a escola, fundada em 12 de maio de 1975, a ser campeã por 24 vezes.

“E assim fiz história cá na cidade que meu bisavô [José Antônio Pereira] fundou. Quesitos, que não existiam, as escolas tiveram que adaptar. Mas o entrave seriam os sambas-enredo”, relembra o carnavalesco e cronista, que em 2016 foi tema da Vermelha e Branca.

“Ainda não atraía compositores de então, e lá fui eu compor para as cinco ou seis escolas de samba da época. No segundo ano, bem-vindo o querido Onésimo Filho, que assumiu o samba da Vila Carvalho. Em seguida, o grande Cambará traz o balanço corumbaense para a Em Cima da Hora... (Meus respeitos e saudades, mestres!)”, escreve Seu Edson em uma crônica publicada recentemente em seu perfil no Facebook.

“E eu segui fazendo o enredo para a Igrejinha, na qual fui campeão por 12 anos, com letra e música dos enredos, ficando um deles como hino da escola: ‘Maria Fumaça – Um Símbolo e Seus Heróis’, que conta a chegada da estrada de ferro por aqui, em 1914. A maioria dos meus sambas foram puxados pelo amigo Edir Valu, que viria a ser sogro do meu filho mais novo [Jefferson]”, diz o mestre, que também é autor do clássico “Ave Maria Pantaneira”.

SEM MODÉSTIA

Ele conta que também “fez” dois campeonatos pela Unidos do Cruzeiro.

“Salve, salve, querido irmão amigo Renato Picolé, saudoso sambista que também fez história nos carnavais”, exalta o carnavalesco, na conversa por telefone.

Ele passou o Carnaval em Piraputanga, onde se recupera de um resfriado. Deve estar de volta a Campo Grande hoje.

“Tenho orgulho, sim. Modéstia não cabe quando a gente pode contar de cabeça erguida uma história de vida que milhares conhecem por aqui. Fui enredo da Igrejinha quando parei com as composições. O palco da escola tem meu nome. Recebi o troféu Cidadão Samba das mãos da famosa Leci Brandão”, conta Seu Edson, atualmente com 85 anos – “cara de 58”, brinca ele – e lidando com problemas de saúde em decorrência de décadas de baforadas nos “malditos” cigarros.

“Tenho em minha galeria dezenas de troféus, que, somados ao do turismo, que leva meu nome, em mais uma homenagem em vida que me presta a ABBTUR [Associação Brasileira de Turismólogos e Profissionais do Turismo], me fazem um homem realizado e hoje conformado. Se já não tenho pernas para sambar, resta-me olhar de longe o Cordão Valu passar, e nele um pedaço de mim, pois foi meu filho e sua esposa que fundaram essa agremiação, que hoje é o top do Carnaval em Campo Grande”, emociona-se.

“TORÇO POR TODAS”

“E no dia das escolas, além da minha Igrejinha, torço por todas, pois em cada uma tive um irmão de samba e amigo da vida. Valeu, Dudu, Chipe, Edno, Goinha, Carlão, Zé Carlos, Alceu Adão, Salvador Dodero, Picolé e os meninos da Estação Primeira. Tudo passou , mas ficam as lembranças”, relata Seu Edson, arrematando a conversa com mais uma declaração de amor ao Carnaval de Campo Grande. Ou, melhor dizendo, à sintonia que a vibração carnavalesca pode despertar.

“Ser comparado como primo pobre de Corumbá é coisa do passado. Basta ver a riqueza de nossas escolas e a animação dos blocos. Cada um tem suas características, mas é verdade que os corumbaenses muito contribuíram para o crescimento dos nossos carnavais. Há uma perfeita harmonia entre nossas agremiações e as de lá. E até casos de foliões que desfilam aqui e lá no outro dia”, ameniza Seu Edson. “Tá” falado, mestre.

Eram Outros Carnavais
(Edson Contar)

Fui menino de cordão
Pierrô de colombinas 
Rapazinho, dos danados,
Sem descanso pras meninas...

Já feito, peguei caminho
Ver de perto o carnaval
Fiz do Rio o meu ninho
Tempos de paz e carinhos
De alegria sem igual...

Animado e decidido
Passei por bandas de então:
Ipanema, Miguel Lemos,
Copacabana, Bola Preta,
E no Copa o salão.

Voltei pra casa formado,
(Malandro no sentido figurado)
Assumi cargo importante
Que incluía a folia ...
E era tudo o que eu queria,
Trazer a lei pro meu chão...
Pois aqui organizaria
Com regras e novo formato
Os desfiles de então.

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