Se você mora em Campo Grande e não sabe o que é o fagote, a trompa ou o oboé, não perde por esperar. Esses são os três instrumentos de orquestra que passarão a integrar os cursos de formação musical da Fundação Barbosa Rodrigues (FBR) em 2024.
Isso depois de uma retomada pós-pandemia, neste ano, que legou ao currículo da instituição, que atua há quase duas décadas no fomento a novos talentos, três novas disciplinas, piano clássico, violão clássico e musicalização.
Não faltam, portanto, motivos para celebrar nos recitais de encerramento que a fundação programou para esta semana. Serão duas apresentações abertas ao público na sede da FBR (Rua Ourinhos, nº 159, Vila Carvalho). Uma hoje, às 19h30min, com os alunos de violão e violino. E outra na quinta-feira, às 19h, com os alunos de piano e musicalização.
Transpirando música a cada gesto, o maestro Eduardo Martinelli, professor e coordenador do projeto social da entidade, voltado para famílias de baixo poder aquisitivo, fundamenta as novas escolhas.
"São instrumentos mais desconhecidos, que as crianças não têm condições de comprar. E são instrumentos necessários em qualquer orquestra sinfônica. Nosso planejamento para o ano que vem já está em nossos projetos propostos, para os quais estamos atrás de parceiros para a realização e a inclusão desses instrumentos. Porque a gente, com isso, vai exportar mais ainda mão de obra artística qualificada nas pessoas que passarem a sua adolescência, o seu tempo, aprendendo esses instrumentos. Assim como foi com o que a gente fez até agora".
Ou seja, em suas próprias palavras, pegar os instrumentos de orquestra, levar até perto da casa das crianças e ensiná-las a tocar gratuitamente, "tendo o instrumento para praticar". Um impulso que se mostrou revolucionário.
"Isso modificou, com os anos, a história da música de concerto na nossa cidade, sobretudo. Hoje, esses instrumentos de orquestra, o violino, o violoncelo, a viola sinfônica, a gente tem, inclusive, além do resultado que tivemos com os alunos, tem outras instituições que também passaram a fazer isso", diz o maestro.
FAZER MELHOR
"Isso é muito interessante, é uma coisa que você serve de exemplo e que você dissemina e as coisas passam a acontecer. O Antônio João [ex-diretor do Correio do Estado e mentor da iniciativa, falecido em setembro], quando me chamou para retomar o projeto, falou assim: 'O que é que a gente vai fazer para fazer melhor do que a gente fez da outra vez?'. Confesso que, no começo, eu fiquei até meio ofendido. Você fala 'poxa, a gente fez uma coisa tão bacana, como é que vou fazer um negócio melhor? Não estava bom para o senhor isso?'", prossegue.
"Depois, eu entendi o que ele quis dizer. Tipo assim: 'Do mesmo jeito que um dia eu acreditei em uma coisa que não existia, uma coisa que era uma carência e a gente fez e deu certo, eu quero saber se isso é possível de novo'. Então, para retomar esse projeto, a primeira coisa que eu pensei foi 'qual é o cenário hoje e o que é que mais necessita?'. Nós vamos continuar com as nossas aulas dos instrumentos de cordas de orquestra? Sim, porque é o carro-chefe de qualquer orquestra", garante Martinelli.
PENSAR ALÉM
"Nós incluímos no projeto [em maio de 2023] aulas de piano clássico, violão clássico e de musicalização para as crianças menores. Essa é uma lacuna. Então, nisso a Fundação Barbosa Rodrigues começou de novo a enxergar algo que, assim como lá há 18 anos atrás, quando começamos com os instrumentos das cordas friccionadas de orquestra, era uma realidade necessária", conta o músico, ao contextualizar os planos para o futuro.
"Para 2024, eu conversei seriamente com o Antônio João quando disse para ele que a gente precisava pensar em nível de nação, de Brasil. Não só aqui, na nossa realidade. O Brasil inteiro tem carência de músicos nos instrumentos trompa, fagote e oboé. E se a gente não interferir, assim como fizemos lá no passado, com esses instrumentos, como foi feito em outros lugares também, esse cenário não vai se modificar", afirma ele, com conhecimento de causa e cheio de orgulho dos feitos da instituição.
"Começamos do zero, com uma criançada de nove anos, e de repente a gente viu um esteio artístico do Estado aqui. Todos os trabalhos profissionais que existem em Mato Grosso do Sul tem gente aqui da fundação, em qualquer lugar, seja nas orquestras sinfônicas, na universidade, dando aulas dos instrumentos, alunos que estão com a gente aqui agora [como professores ou monitores], outros que foram embora para outros estados, outros países", diz Martinelli, lembrando ainda do pioneirismo da FBR na gravação de um DVD.
"2024 vai ser a alavancagem", projeta o maestro, convencido da necessidade de novos quadros na música de orquestra local. "A gente vê o cenário. Estou vendo as coisas porque vivo fazendo isso o dia inteiro, então eu vejo, eu percebo. Falei 'bom, você não tem pianistas hoje na cidade'. Os que tem, a gente já conhece há muito tempo. Você não tem novidades. A molecada crescendo e tocando ou um grande talento surgindo. Esse fomento [à formação em piano clássico] estava sendo necessário nessa área", avalia.
FOMENTAR
"Músico, qualquer um, sempre vai ter, o que eu digo é ter em situações mais abundantes. Perto do instrumento violino, que tem um monte de gente tocando, a gente tem quase nada de oboé. Trompa, quase nada. E eu enxerguei também uma necessidade, dentro dos projetos sociais, de oferecer para a pessoa tocar piano. Aprender, fomentar, começar. E o violão clássico também. O violão é um instrumento de fácil acesso, muita gente toca o violão", pontua o músico paulista radicado em Campo Grande.
"Eu mesmo comecei a tocar violão, como a maior parte das pessoas, aprendendo alguns acordes com um colega, com um pai, um parente. Mas, [para] o violão clássico, você precisa de uma escola, para que a pessoa possa aprender a ler partitura, aprender algumas características que você vai encontrar, talvez, apenas em um conservatório, em um curso mais formal. Se nós fizemos isso com o violino, que é um instrumento extremamente arredio para se aprender, significa que a gente pode fazer com os outros", aposta.
O maestro dá como exemplo a escassez de instrumentistas capacitados para o fagote, aquele instrumento de que se ouve um solo no início da gravação de Cartola (1908-1980) para "Preciso Me Encontrar", um clássico de Candeia (1935-1978), outro sambista célebre.
Um único músico em todo o Estado, Gabriel Domingues, sabe tocar profissionalmente o instrumento. E, bingo! Foi durante a sua passagem pela FBR que ele dominou o fagote. Mas essa é uma prosa para outra reportagem.


My Secret Santa Netflix - Divulgação


