O que o público pode esperar do show deste domingo na Praça do Rádio?
O público pode esperar um retrospecto dos nossos mais de 40 anos de história. Nós procuramos mostrar, além de todos os sucessos que o público sempre quer ouvir, músicas representativas de cada um de nossos 13 álbuns. Dá, como eu já falei, um panorama, um cenário bom de toda a nossa
história.
O que diria de a banda estar representando o rock nesse evento?
Ficamos felizes de o Ira! representar o rock nesse show. Acho que o Ira! é uma banda muito representativa, não só da década de 1980, mas ganhamos prêmios nos anos 1990 e, em 2000, tivemos o “Acústico MTV”. Então, eu acho que o Ira! é uma das bandas mais representativas da história do rock no Brasil.
Se você tivesse que escrever sobre o Ira! para uma enciclopédia do rock brasileiro, qual seria a primeira frase?
Eu diria: uma das maiores bandas da história do rock no Brasil nasce em São Paulo, em um show em outubro de 1981. Como eu já falei: eu acho que o Ira!, no panorama do rock brasileiro, é uma das bandas mais representativas e uma das mais importantes
da história.
Como se sente ao recorrentemente retomar o repertório dos dois primeiros álbuns?
Me sinto feliz, cara. Acho que cada show… Eu não tenho esse tipo de coisa, de [não querer] cantar “Envelheço na Cidade” até hoje ou “Núcleo Base”, porque cada vez que eu apresento ela ao vivo é um outro público, uma outra cidade. Vou ter lá na plateia muitas pessoas, a maioria delas até, eu diria, que vão ouvir, nessa apresentação, a gente tocando essas músicas antigas pela primeira vez. Então, isso me dá o frescor necessário para continuar. E para curtir!
Qual o seu top 5 do Ira!?
O top 5 do Ira!? É difícil de fazer, mas vamos tentar lá, vai. Os nossos dois primeiros álbuns, sem ordem de preferência, tá? Do que é melhor ou não é… Nossos três primeiros álbuns, eu diria: “Mudança de Comportamento” [1985], “Vivendo e Não Aprendendo” [1986] e “Psicoacústica” [1988]. Eu colocaria também o “Acústico MTV” [2004] e colocaria esse nosso [álbum] mais recente, o “Ira”, lançado em 2020. [Nota do repórter: a grafia Ira, isto é, sem o ponto de exclamação, é vista anteriormente só no primeiro compacto, de 1984, que trouxe faixas como “Pobre Paulista” e “Gritos na Multidão”. Posteriormente, também é encontrada no projeto “Demos 83-84”, lançamento em vinil de 2022, em edição com apenas um LP ou box duplo, que inclui ainda camiseta e outros itens].
Como lida com essa canonização da banda por um lado e, por outro, com as cobranças e as críticas da imprensa ou dos fãs?
Com relação a isso, sinceramente, tanto nós do Ira! quanto no meu trabalho solo, a gente faz o trabalho, faz os discos para, primeiramente, nós mesmos. Fazemos discos que a gente compraria se fôssemos o consumidor. E óbvio que, como tem muita gente que nos segue justamente por isso, se a gente agrada a nós mesmos, com certeza vamos agradar muita gente.
Dá para dizer que há um antes e um depois do “Acústico MTV”?
Eu não diria que existe um antes e um depois do “Acústico MTV” do Ira!. Mas, com certeza, esse disco fez com que a gente atingisse um público que fosse um pouco fora do rock. Os projetos acústicos, não só do Ira!, mas todos eles, atingem pessoas que gostam de MPB ou que gostam de outros gêneros musicais, não é? E acho que isso aconteceu com o Ira! como aconteceu com todas as bandas.
Além da turnê que chega a Campo Grande, o Ira! está fazendo apresentações em que toca o “Psicoacústica” (1988) na íntegra, para marcar os 35 anos do disco. Já há shows na agenda até o fim do ano. Fora o lançamento em vinil das gravações demo dos anos 1980. O que mais vem por aí?
Olha, no momento, projetos futuros… Eu estou mergulhando em um trabalho solo, tá? O primeiro single vai sair agora, em agosto, e o álbum cheio deve sair no começo de novembro.
O que levou o Ira! a lançar a coletânea de versões demos?
Na verdade, esse projeto [“Demos 83-84”] não foi nós que iniciamos. Foi uma iniciativa da Nada Nada Records, uma pesquisa deles, etc. e tal. Nós, obviamente, achamos legal, até demos entrevistas. Tem textos dentro da caixa que são fruto de entrevistas que nós demos, contextualizando as faixas.
E também acompanhamos o processo de remasterização. Mas não foi algo que nós iniciamos como um projeto da banda. [Nota do repórter: o projeto “Demos 83-84” é uma realização conjunta do selo Três Selos e da gravadora Nada Nada Discos e traz o Ira! como “precursor da new wave e do pós-punk nacional”, com Dino Nascimento no baixo e Charles Gavin na bateria, esse último que depois integraria os Titãs, ao lado de Nasi e Edgard Scandurra na formação do quarteto].
Como está a sua relação com Edgard?
A minha relação com ele está excelente. Quando nós divergimos de algum assunto, de alguma posição, nós resolvemos da maneira mais democrática e mais consensual possível.
Ricardo Gaspa (baixo) e André Jung (bateria), da formação clássica, deixaram a banda em 2007. Poderia falar também sobre os dois?
A minha relação com o Gaspa é muito boa, sou padrinho do filho dele. O Gaspa só não voltou ao Ira! em 2014 porque não quis. Ele tinha outros projetos para a vida dele. Tanto que hoje ele mora em Pirenópolis, Goiás. Já o André nunca mais conversei com ele. Nunca mais o encontrei.
Poderia falar ainda sobre Johnny Boy e Evaristo Pádua?
O Johnny Boy e o Evaristo são excelentes músicos. O Evaristo já toca comigo antes do Ira!, desde 2009, 2010. E o Johnny é um dos maiores músicos que eu conheci em minha vida. É multi-instrumentista e canta muito. Eles não deixa nada a dever à formação anterior, muito pelo contrário. São músicos que também têm a formação musical que são as influências e as características do Ira!. E como tocavam comigo já algum tempo, foi… Não precisou de adaptação nenhuma. Eles já foram dando uma evolução no que o Ira! já era. O Ira! evoluiu com Vara – como a gente chama o Evaristo – e com o Johnny Boy.
Você arriscaria uma autodefinição? Um “Nasi por Nasi”?
Nasi por Nasi? Era um garoto que como outros amava os Beatles e os Rolling Stones.
E quem é Marcos Valadão Ridolfi (Nasi)?
Quem é o Marcos Valadão? Bom, eu diria que é um filho de Ogum com Exu, que enverga mas não quebra, balança mas não cai.
Como você cuida da voz?
Bom, é melhor eu não falar como eu cuido da minha voz porque… [risos]. Eu sou o terror das fonoaudiólogas. Mas eu procuro ter, na medida do possível… Eu estudo canto. Agora, depois da pandemia, eu parei. Mas, desde o fim da década de 1980… [foi quando começou a estudar canto]. E procuro ter sono e hidratação suficientes. Mas sou um cara que fuma e bebe. Como a maior parte dos cantores de rock faz. Isso caracteriza a minha voz. Uma voz mais rouca, mais grave. Essa é uma característica do rock. Eu não sou cantor de bossa nova nem cantor de ópera.
Qual a maior voz de todos os tempos na sua opinião?
A maior voz, para mim, de todos os tempos foi James Brown.
Como a carreira solo dialoga com o Nasi do Ira!?
A carreira solo... Acho que posso dizer que, tanto a minha como a do Edgard [Scandurra, baterista do Ira!], ela serve para colocar coisas que são mais pessoais, coisas que ficariam estranhas talvez no Ira!. Por exemplo, a minha carreira solo não é exclusivamente de blues, mas tem muito blues. Eu acho que são coisas que não combinam com o Ira!.
Existe algum momento especialmente marcante em sua carreira solo?
Um momento marcante da minha carreira solo foi em 2010. O meu disco “Nasi – Vivo na Cena” foi um dos cinco indicados a Melhor Álbum de Rock no Grammy Latino.
Você curte fazer as letras das canções?
Sim. Curto escrever letras. Tenho muitas letras minhas. Tenho mais de 100 letras escritas. Muitas, inclusive, no Ira! também, como “Rubro Zorro”, “Advogado do Diabo”, “Correnteza” e “Milhas e Milhas”. Mas, para mim, como intérprete, o mais importante é eu encontrar uma letra que eu queira cantar. Independente de eu escrevê-la ou não.
O que te inspira a escrever? E a cantar?
As inspirações são as mais diversas possíveis. Coisas do cotidiano que eu estou vivendo. Algum sentimento, algum relacionamento que eu tive ou tenho. É difícil, é abstrato.
Só lembro de você empunhando o microfone. Tem alguma ambição em relação a algum instrumento?
Não. Não tenho, não. Mesmo porque cantar é muito mais difícil que tocar um instrumento. Não sou esse tipo de cantor que precisa botar uma guitarra na mão para se sentir à vontade no palco. Aliás, como eu já disse, é muito mais difícil cantar do que tocar. Porque cantar envolve mais coisas do que a técnica adquirida. Tanto que você vai encontrar muito mais instrumentistas do que cantores. Eu, quando era garoto, estudei piano, estudei violão. Mas a voz… Eu sempre estudei canto com regentes. Sei solfejar.
O que pensa sobre as drogas atualmente?
Penso que a maconha tinha que ser descriminalizada.
Qual a sua relação com a umbanda e com outras religiões?
Sim, eu sou [umbandista] já desde tenra idade. Sempre fui envolvido com a umbanda e, depois, com o candomblé. Hoje, há pelo menos 15 anos, eu sou iniciado no culto de Ifá [espécie de oráculo do povo iorubá, na Nigéria] pelo sacerdote Bàbá King. A cada dois anos fico recolhido na Nigéria. Então, levo isso muito a sério.
O que muda aos 61 anos?
O que muda aos 61 anos, cara, para mim, que sou um músico de rock... Você tem uma vida de muitas viagens e, às vezes, de muito cansaço.
É mais a parte meio de sentir um pouco mais o cansaço da estrada, mesmo. Mas, de resto, o rock é algo que rejuvenesce a gente dia a dia.





