Em tese, a alocação de crianças e adolescentes neurodivergentes ou com alguma deficiência no ensino regular é essencial para a promoção dos ideais de inclusão social. Na prática, a precariedade das escolas brasileiras, ainda maior nas que são mantidas pelo poder público, favorece uma lacuna de aprendizagem que limita os avanços daqueles que mais necessitam de atenção especial.
Em termos gerais, essa é a reflexão proposta por Lucelmo Lacerda, doutor em Educação, no livro “Crítica à Pseudociência em Educação Especial – Trilhas de Uma Educação Inclusiva Baseada em Evidências”, que acaba de ser lançado pela editora Luna Edições. Na obra, o pesquisador paulista, ele mesmo autista e pai de criança autista, destaca a inclusão total e a educação inclusiva como vertentes antagônicas no debate sobre educação especial.
A primeira defende o fim das salas e das escolas especializadas, como as Apaes, e a limitação de apoios pedagógicos em prol da integração social. Já a segunda também prioriza a integração, mas luta pela manutenção dos espaços especiais e de suporte contínuo, explica o também ativista pelos direitos das pessoas com deficiência, fundamentados por um entendimento básico: a relevância da educação pensada conforme a necessidade de cada aluno.
“A escolarização de pessoas com deficiências ou altas habilidades e superdotação exige atenção e apoio especiais e, nos países desenvolvidos, há uma tendência de que isso seja realizado por meio de metodologias que foram testadas, com resultados positivos demonstrados, e não pela alegada ‘intencionalidade’ discursiva de um ou outro autor, instituição ou empresa em relação à sua funcionalidade, que é justamente o que tem ocorrido no Brasil, resultando em um quadro bastante preocupante nesse quesito”, escreve Lacerda na página 49.
“De fato, a perspectiva da inclusão total é largamente dominante na academia no Brasil e, apesar do nome lisonjeiro, é uma corrente hostil à ciência e cujos resultados são, demonstradamente, prejudiciais às pessoas com deficiência em seu processo de escolarização, na defesa de que a escola seja plural em sua essência, mas que não se realize nenhum tipo de adaptação para nenhum estudante com deficiência. Justamente por isso, não é utilizada nos países com melhor estrutura educacional”, prossegue.
PNEE
A inclusão total, hoje endossada pela Política Nacional de Educação Especial (PNEE) do Ministério da Educação, é realidade nos ambientes escolares de todo o País. Segundo Lacerda, esse direcionamento, amplamente adotado por ser menos oneroso aos cofres públicos, causa sérios prejuízos para pessoas com transtornos mentais, definição meramente didática que engloba condições como o transtorno do espectro autista (TEA), e deficiência intelectual.
Isso porque cada indivíduo necessita de atendimento e estímulos diferenciados conforme suas limitações e possibilidades, cenário impossível em salas de aulas superlotadas e com professores sem formação com foco na individualização do ensino.
“Só defende esse tipo de inclusão quem não está no dia a dia de uma escola e não convive com essa realidade, porque a educação nesse caso não depende só de boa vontade ou atitude dos educadores, não existe formação técnica para o ensino especializado”, argumenta Lucelmo.
Como solução para esse dilema, o especialista aponta a priorização das “práticas baseadas em evidências”, abordagem com viés científico que possibilita a implementação de condutas pedagógicas das quais se conhece a eficácia a partir de pesquisas e estudos.
Professor universitário e historiador, além de psicopedagogo, Lucelmo Lacerda analisa, na obra, as principais correntes no âmbito da educação especial e apresenta dados sobre a temática em diversos países desenvolvidos e na literatura científica, em uma densa reflexão nesse campo de estudos.
“A melhoria da educação passa, necessariamente, pela organização de um sistema inclusivo, em que salas e escolas especializadas são imprescindíveis, como se faz em todo e qualquer país civilizado do planeta”, reitera.
NÃO É DOENÇA
Lacerda é famoso no Instagram e no YouTube por seu trabalho de conscientização sobre o TEA e quadros assemelhados. Colega de profissão de Lacerda, o psicopedagogo Celso Cavalheiro, com atuação há décadas na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), na área da saúde, e também como professor e gestor escolar, destaca que o autismo não é uma doença.
“Apesar de ter uma classificação internacional de doença, o autismo é tratado como um transtorno comportamental. É um processo pelo qual o indivíduo, menino ou adulto, passa no qual ele tem alguns bloqueios neurológicos que a ciência ainda não conseguiu informar exatamente onde, em qual circunstância. Essas crianças têm esses bloqueios que acabam provocando um atraso na fala, nas questões das relações sociais”, afirma Cavalheiro, autor de obras sobre o tema, a exemplo de “Uma Lição de Amor” (2022).
Segundo o pesquisador, o TEA provoca alguns comportamentos atípicos, “as neurotipias”, que fazem com que a criança prefira ficar isolada. “Ela tem pouca manifestação emocional, comportamentos estereotipados, como brincar com os carrinhos com as rodas para cima ou desenvolver alguma preferência acima do normal por alguma coisa que não tem muito sentido, como o girar da hélice do ventilador ou ficar apagando e acendendo uma luz”, exemplifica Cavalheiro.
“É um transtorno comportamental repleto de atitudes diferentes. Por isso que, quando uma criança é diagnosticada com autismo, leve, moderado ou severo que seja, a gente costuma dizer que são crianças que têm comportamentos diferentes. Isso é o TEA. São vários sinais, e diferem de uma criança para outra”, reforça o psicopedagogo.
A primeira coisa que se tem a aprender com o TEA, de acordo com o especialista, é a tolerância. “As pessoas, antes de jogar uma pedra, precisam procurar tomar ciência da situação”, diz o pesquisador, que convive diariamente no ambiente terapêutico com crianças autistas e com outros transtornos.
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