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LITERATURA

No centenário, José Saramago ganha biografia fictícia

Escritor português José Saramago, Nobel de Literatura, completaria 100 anos de idade em 2022

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José Luís Peixoto construiu o seu romance como Dédalo construiu o labirinto na ilha de Creta. Há um mistério em suas profundezas, que só será revelado conforme o leitor interligar as pistas com demasiada atenção.

Aos 47 anos, o romancista português conserva traços de infante e é dono de uma escrita vigorosa, tendo, há exatas duas décadas, conquistado o Prêmio Saramago por “Nenhum Olhar”, seu livro de estreia. 

José Saramago, sua referência, é um assunto inesgotável, que orbita a formação de Peixoto desde quando foi agraciado pelo autor de “Memorial do Convento” com votos de admiração: “Uma das revelações mais surpreendentes da literatura portuguesa. 

É um homem que sabe escrever e que vai ser o continuador dos grandes escritores”, disse Saramago a seu respeito.

Caleidoscópico, o romance “Autobiografia” acompanha as idiossincrasias e angústias do jovem escritor José, ainda inexperiente, a receber de supetão uma tarefa hercúlea: escrever a biografia de José Saramago. 

O editor lhe pede duzentas páginas, mas, em dado momento, o próprio José questiona: “Existirá um Saramago verdadeiro? Quantos Saramagos existem?”. Para responder a essa e outras perguntas sobre “Autobiografia”, o autor concedeu essa entrevista:

Uma coisa é a imagem mítica do escritor, outra é a pessoa que aquele corpo habita. No livro, quando José está às voltas com a biografia de Saramago, ele se pergunta: “Quantos Saramagos existem?”. Como você responderia a essa pergunta?

As possibilidades de Saramago são infinitas. Essa é uma lição deixada por outro grande autor português, Fernando Pessoa, que nos fez ver que existem incontáveis indivíduos em cada indivíduo Neste romance, Saramago surge como personagem, que é a forma como cada um de nós percebe a pessoa que ele foi. 

Na vida, construímos versões uns dos outros com base na informação que temos e da forma como entendemos a natureza humana. Acresce a isso o fato de Saramago ser narrador, a voz de todos aqueles livros, e autor que teve uma vida cheia, que se exprimiu em relação aos mais diversos assuntos, etc. Essa complexidade identitária é como um espelho a refletir em muitas direções.

 

Vários escritores, como o protagonista, enfrentam o desafio de escrever o segundo romance. Isto é, fica mais difícil escrever conforme o tempo passa?

A escrita de um projeto literário pressupõe a tentativa de superação. Quando se escreve um primeiro romance, o principal desafio é terminá-lo. Quando se escreve um segundo romance, é necessário ir mais além. Repetir o que já mostramos a nós próprios que sabemos fazer é um exercício desinteressante. 

Assim, é importante que se tente fazer aquilo que, de início, não se tem a certeza de saber fazer. Dessa luta conosco próprios nasce a literatura que vale a pena. Ao mesmo tempo, em um segundo romance, há também que contar com a expectativa dos outros. Esse é um fantasma com que se tem de lidar, não vale a pena fingir que não existe. Por esses e outros motivos, existe o estereótipo do segundo romance como uma prova difícil.

 

Identidades: pode-se dizer que um José [você] escreve sobre outro que escreve sobre outro José [Saramago]. Quanto de Saramago há dentro de você?

Apesar de o título “Autobiografia” ser irônico, uma vez que não se trata realmente de uma autobiografia, não deixa de ter um grande peso e de apontar para a ideia da autorreflexão. 

Avaliamo-nos por meio dos outros e, em grande medida, avaliamos os outros a partir do que achamos sobre nós próprios. Esse exercício é estrutural na natureza da literatura. Em grande medida, escrever sobre o outro, querer conhecê-lo, é procurá-lo em nós. 

Neste caso específico, não me foi difícil encontrar Saramago em mim. Há muitos elementos de sua história com que me identifico.

Como foi a escolha para as epígrafes do livro? Elas me pareceram sinais luminosos entre os capítulos. Como foi conversar com a obra de Saramago em “Autobiografia”?

Utilizei essas epígrafes quase como um sistema de apontar certos temas. Ao mesmo tempo, achei interessante ter uma presença da própria voz de Saramago. Há uma dimensão desse romance que se dirige a quem já tenha um bom conhecimento da obra de Saramago. 

A forma como algumas personagens dessas páginas se relacionam com outras dos seus livros, assim como alguns episódios comuns, propõem essa possibilidade. Ainda assim, esse não é um elemento imprescindível à compreensão da leitura.

 

A fragilidade é uma realidade que as personagens enfrentam no livro, mas também é o elo entre elas. Quais são as fragilidades de um escritor a seu ver?

As fragilidades de um escritor podem ser de muitas ordens. Este romance detém-se sobretudo nas fragilidades que nascem da luta interior com a sua falta de confiança, com os seus medos. 

Na verdade, o que eu acredito de fato é que, em uma grande medida, os desafios que se colocam a um escritor não são muito diferentes daqueles que se colocam a qualquer outra pessoa. A fragilidade é um dos pilares da natureza humana.

 

Como tem sido o período de isolamento por conta da Covid-19? O quão impactante foi a pandemia para a sua literatura?

Em março de 2020, estava dedicado a um romance. Quando o mundo parou, deixei de ter condições para esse trabalho e resolvi fazer uma interrupção. 

Então, pouco depois, surgiu um poema, outro a seguir e, dessa forma, no espaço de alguns meses, escrevi um livro de poesia que parte do próprio tema do confinamento para chegar a outros questionamentos. Esse livro chama-se “Regresso a Casa” e foi publicado ainda em 2020, inclusive no Brasil. 

Depois, já um pouco mais acostumado à situação que temos vindo a viver, retomei a escrita do romance e, de um modo bastante intenso, dediquei-me a terminá-lo. Foi publicado no ano passado. Para mim, o isolamento provocado pela pandemia acabou por ser muito produtivo. 

O grande desafio foi uma certa claustrofobia. Ainda assim, muitas vezes, a escrita funcionou como antídoto, pois permitiu alguma evasão mental.

 

No ano do centenário de Saramago, qual é a lembrança mais vívida que você guarda do mestre?

As lembranças mais fortes são os encontros pessoais, algumas conversas, alguns momentos. 

Para mim, ainda antes dos meus 30 anos, ou logo depois, estar sob o olhar direto de Saramago, receber as palavras que me dirigia, era algo que me inibia, a que nunca me habituei completamente, mas que, ao mesmo tempo, sentia como um reconhecimento de sua consideração. 

Entre esses momentos, os melhores eram aqueles em que sentia o seu entusiasmo, quando os seus olhos brilhavam. Esse entusiasmo era diretamente proporcional à sua convicção, e a convicção de Saramago era muitíssimo potente e inspiradora.

 

Você tem algum ritual cotidiano para escrever? E algum vício que combate com a escrita?

Tenho muitos hábitos, vícios e estratégias para lidar, todos eles no âmbito da escrita. Neste romance, a personagem José tem vários vícios que, felizmente, não tenho. 

Ainda assim, todos temos os nossos desafios. A esse nível, a escrita é parte de uma vivência constante. Não há uma resposta simples para a grande pergunta que é a vida.

 

Poderia indicar um livro essencial, que um jovem escritor, assim como José com “Memorial do Convento”, precisa devorar?

No âmbito da nossa língua, hoje, escolho “Livro do Desassossego”, de Bernardo Soares/Fernando Pessoa. Penso que é um privilégio podermos ler páginas como essas na nossa língua materna. Ainda assim, talvez amanhã, perguntado, eu escolhesse outro livro. Os bons leitores não leem apenas obras imprescindíveis. 

Para reconhecer os livros bons, é muito importante ler alguns livros maus.

 

Você poderia antecipar o tema de algum entre seus projetos literários? Há algum novo livro em produção?

Publiquei recentemente um romance chamado “Almoço de Domingo”, que chegará ao Brasil ainda neste ano. Trata-se de um projeto que, em certa medida, continua algumas propostas do romance “Autobiografia”. Também esse novo romance trabalha elementos biográficos à luz da narrativa ficcional. 

Neste caso, no entanto, foi escrito a partir das conversas que tive ao longo de um ano com o homem a que se refere a personagem principal. Trata-se de alguém que nasceu em 1931 e que esteve muito perto de momentos bastante marcantes da história contemporânea de Portugal. 

Para além disso, é um romance que toca diretamente o tema da família, que já esteve presente em outros livros meus, assim como toca o Alentejo, a região rural onde nasci. Estou muito curioso para ver como esse romance será recebido no Brasil.

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Diálogo

Tremenda de uma "cascata" a informação apregoada pelo governo de Lula que... Leia na coluna de hoje

Leia a coluna desta terça-feira (23)

23/12/2025 00h01

Diálogo

Diálogo Foto: Arquivo / Correio do Estado

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Cecília Meireles - escritora brasileira

Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”

Felpuda

Tremenda de uma “cascata” a informação apregoada pelo governo de Lula que ele ressarciu os aposentados, vítimas da roubalheira de esquema que envolve pessoas ligadas ao INSS, empresas privadas, ONGs, laranjas e políticos. Na realidade, essa conta sobrou para o cidadão, inclusive os próprios aposentados que pagam Imposto de Renda. Nenhum dos bandidos até agora restituiu aos cofres públicos o dinheiro que roubou. Aliás, a maioria está sendo blindada de forma vergonhosa. Há quem diga até que buscam “freio” para que a CPMI do INSS comece a patinar e não avance. Lamentável!

Pra cabeça

Quem entrará em 2026 com problemas no Conselho de Ética da Câmara é a deputada federal Camila Jara, do PT. O Partido Novo protocolou representação contra ela.

Mais

A acusação é de violação do decoro, ao se envolver na confusão originada quando da retirada à força de Glauber Braga, do Psol, e de ofensa ao secretário-geral da Mesa Diretora.

Diálogo

O vorí-vorí, tradicional prato paraguaio, foi eleito o melhor do mundo na lista anual do Taste Atlas, plataforma internacional que reúne avaliações gastronômicas de todas as partes do planeta. A iguaria recebeu nota 4,64 de 5, com base em votos de usuários reais que experimentaram o prato. Conhecido também como borí-borí, o vorí-vorí é descrito pelo portal como “a icônica sopa de galinha paraguaia com bolinhos de fubá recheados com queijo”. Rico em sabor, textura e história, o prato ocupa um lugar especial na mesa das famílias paraguaias e agora também no cenário global da gastronomia. Nos últimos anos, o vorí-vorí já havia figurado entre as melhores sopas do mundo em rankings do mesmo portal, reforçando sua reputação. A lista do Taste Atlas se tornou referência global por utilizar um sistema que identifica e descarta avaliações nacionalistas ou feitas por robôs, garantindo legitimidade às escolhas.

DiálogoChayene Marques Georges Amaral e Luiz Renê Gonçalves Amaral

 

DiálogoCamila Fremder

Prova de fogo

O atual time que forma o entorno do governador Eduardo Riedel terá, no próximo ano, prova de fogo, porque a missão deverá ser reeleger o “chefe” para o segundo mandato. Será o momento de a tchurminha provar quem é quem na estrutura. Quando foi eleito em 2022, Riedel nunca havia disputado uma eleição, porém, tinha um grupo político forte que sabia “o caminho das pedras”, o que foi fundamental para sua vitória. Em 2026, ele não poderá contar com esse pessoal.

Nem tanto

O PT em Mato Grosso do Sul já não estaria demonstrando, digamos, tanto amor pela candidatura de Simone Tebet (MDB) ao Senado pelo Estado, achando ser melhor por São Paulo. Lideranças petistas cá dessas bandas dizem que a ministra poderá ser um dos nomes para suceder a Lula. Ela figura entre algumas opções para ocupar o trono petista. A lista tem Alckmin, do PSB, e Haddad, o único do PT. Tudo indica que não se faz mais petista raiz como antigamente...

Entrave

Nos bastidores, o que se fala é que a ministra Simone Tebet, até então considerada excelente opção para disputar o Senado por MS, seria fonte de problemas. Algumas das alas do PT teriam torcido o nariz com a possibilidade de ela disputar pelo partido, até porque esse time lembra de que, quando candidata à Presidência, ela desferiu ataques a Lula. Além disso, há dúvidas se no Estado teria potencial eleitoral para o embate com outros candidatos, em sua maioria da direita, tendo em vista que o governo do qual faz parte, dizem, “está caindo pelas tabelas”

ANIVERSARIANTES

Beatriz Rahe Pereira, 
Dr. Gevair Ferreira Lima Júnior,
Julianne Stranieri Metello, 
Stephan Duailibi Younes, 
Maria Fatima Bueno,
Adhemar Mombrum de Carvalho Neto,
Augusto Costa Canhete,
Rosangela Neves,
Edgar Basmage,
Gileno Almeida Costa Nonato,
Sérgio Aguni,
Rinaldo da Silva Cruz,
Edna Maria Potsch Magalhães,
Dr. Márcio Molinari,
Ivo Batista Benites,
Ronaldo Fernandes Donizeti de Jesus,
Fabiano Borges da Silva,
Maria Aparecida Menezes,
Rafael Medina Araujo,
Rosilene Gois Paes,
Antonio Angelo Garcia dos Santos,
Maria Elisa Hindo Dittmar,  
Beatriz de Almeida,
Dr. Amaury Bittencourt Gonçalves, 
Izabella de Matos Lopes,
Cláudia Regina Di Felice,
Neide machado da Silva Gimenes,
Domingos Puckes,
Silvio Luiz de Moura Leite,
Helder Kohagura,
Maria Clementina Aparício Fernandes,  
Aurino Rodrigues Brasil,
Tânia Ignez Pinheiro,
Marilda Flores Haidar,
Samara Carvalho Gomes Binn,
Josselen Resstel Escórcio,
Valdo Maciel Monteiro,
Luiz Eduardo Yukio Egami,
Rafael Ferreira Ribeiro Lima,
Leila Maria de Albuquerque,
Maria Aparecida de Moura Leite, 
Datis Alves de Souza,
Aurea Leite de Camargo,
Maria de Fátima Vendas Muzzi, 
Thiago Ferraz de Oliveira,
Ruth Lopes Abreu,
Sandra Rodrigues Pereira,
Paulo da Costa Oliveira,  
Paulo César Reis Mendonça,
Fernanda Marques Ferreira,
Terezinha Alves Araújo,
Lucilaine Aparecida Tenorio de Medeiros,
Maria Helena Alves Lima,
Rosana Paes de Matos,
Laura Holsback Alvarenga,
Renato de Freitas Martins,
Miriam Fontoura Prata,
Nelson Maia de Melo,
Cleonice Gomes de Oliveira,
Rodolfo de Morais Dias,
Jussara Leite Barbosa,
Hugo Sabatel Neto,
Carolina Saves,
Solange Xavier Vargas,
Augusto Coelho Freire,
Soraia Kesrouani,  
Rubens Mendes Pereira,
Lilian Gabriela Heideriche Garcia,
Ana Maria Coimbra Santos,
Nelly Vasconcelos Coelho,
Valmir de Andrade Ferreira,
Eliana Miyuki Aratani Kaiya, 
Flávia Ribeiro Ramirez,
Laurinda Paiva Peixoto,
Patrícia de Souza Queiroz,
José Antônio Braga,
Elaine Viana Nunes,
Washington Justino Gonzaga,
Maria Stella Maia Pepino,
Vânia de Toledo Neder,
Osvaldo de Moraes Barros Neto,
Raquel Barbosa Franco,
Suely Ferreira Leal,
João Rafael Sanches Florindo,
Antonio Fernando Cavalcante,
Lúcia Torres Marchine,
Marcos Henrique Boza,
Adriana de Oliveira Rocha,
Suely Luiza Comerlato,  
Benedito Celso Dias,
Alirio Leitun,
Débora Queiroz de Oliveira,
Edson Pulchério Alves,
João Borges da Silva Filho,
Mário Zan Moreira,
Marcelo Luiz Ferreira Correa,
Valdecir Jorge,
Sérgio Carlos Borges,
Dr. Ruy Alberto Bueno,  
Marta Maria Vicente,
Guilherme Nucci dos Reis,
Marcelo Flores Acosta,
Noêmia Ramos de Oliveira,
Luiz Carlos de Carvalho,
Cláudia Garcia de Souza Trefilo,
Leonardo Marques Mourão,
Maria Delfina Louveira Trindade,
Camyla Queiroz de Faria Gonzales. 

*Colaborou Tatyane Gameiro

CINEMA

Curta-metragem "Carne Amarela" transforma a Terra do Pé de Cedro em set de filmagens

Com produção de Marcus Teles e direção de Gleycielli Nonato Guató, curta-metragem "Carne Amarela" tem equipe local e conta história que entrelaça memórias da infância em meio aos pequizeiros e banhos de rio

22/12/2025 10h30

Com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (Pnab),

Com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (Pnab), "Carne Amarela" mobiliza comunidade de Coxim a partir de um enredo que une nostalgia da infância a uma mensagem de pertencimento territorial e de defesa da natureza Divulgação: Marcus Teles

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Nostalgia e engajamento são os motores para evocar os sabores da infância que fizeram Coxim voltar a ser cenário de cinema. Conhecida como Terra do Pé de Cedro, a cidade localizada a 245 quilômetros de Campo Grande, no norte do Estado, é uma das protagonistas de “Carne Amarela”, curta-metragem de ficção dirigido por Gleycielli Nonato Guató e produzido por Marcus Teles.

Os dois nasceram na cidade, que também é conhecida como Portal do Pantanal, e são profundamente conectados ao Cerrado e ao Pantanal.

As filmagens se encerraram ontem e foram realizadas integralmente por lá, contando com elenco local, que envolveu moradores atuando pela primeira vez na frente de uma câmera e também uma equipe de produção majoritariamente formada por coxinenses. Ou seja, uma combinação de saberes tradicionais, talento regional e formação técnica.

A produção nasce do desejo de fazer Coxim se ver na tela grande, “suas cores, sua luz, seus frutos, suas infâncias”, como afirma a diretora. E nasce, segundo Gleycielli, também da necessidade urgente de lembrar o que esses mesmos elementos significam para a identidade do município.

“Eu estou completamente em êxtase. Planejei muito trazer esse filme para cá. É emocionante gravar na cidade onde cresci, com o povo daqui, com artistas da terra. Noventa por cento do elenco é coxinense, a equipe tem muita gente da cidade, e isso me deixa profundamente feliz”, compartilha Gleycielli Nonato Guató, que, além de dirigir a produção, também assina o roteiro baseado em seus próprios textos literários.

DOIS TEXTOS

“Carne Amarela” nasce de dois textos de Gleycielli – o poema “Carne Amarela” e o conto “É Tempo de Ouro no Cerrado” – que guardam lembranças de uma Coxim que pulsava mata, rio e fruta. A diretora explica que o filme busca reencontrar essa paisagem quase perdida.

“Eu quero trazer a infância que vivi. A gente saía para caçar pequi, pegava ingá, comia goiaba no pé, trazia caju para fazer doce. Coxim era meu ‘Sítio do Picapau Amarelo’. Hoje, muitos lugares onde eu brincava viraram bairros. O filme é um lembrete do que ainda existe e do que não pode desaparecer”, afirma.

A obra convida as crianças e os adultos a olhar novamente para o Cerrado como pertencimento. O pequi, fruto central da narrativa, é apresentado como força, resistência e alimento da memória coxinense.

“O pequi já sustentou muitas famílias. Trouxe renda, trouxe mistura, trouxe nutrição. Ele resiste ao fogo, resiste ao tempo, mas não resiste ao machado. O filme quer acender esse sentimento de pertencimento e preservação, para que as próximas gerações vejam valor no que tantas vezes sustentou Coxim”, ressalta Gleycielli.

ZORAIDE

A protagonista adulta, Zoraide, teve como referências mulheres de alusão familiar e ancestral para Gleycielli: sua mãe, tias, avó e bisavó. A diretora revela que a personagem carrega traços de todas elas. E quem interpreta Zoraide é justamente Maria Agripina, mãe da diretora, pioneira do teatro coxinense.

“É muito emocionante ver minha mãe interpretando a Zoraide, que leva o nome da minha tia que faleceu na pandemia. Este filme é pioneiro em muitas coisas dentro de mim”, revela. Além disso, todos os cargos de direção são ocupados por mulheres, fortalecendo a presença feminina no audiovisual sul-mato-grossense.

“Trabalhar com essa equipe é um prazer imenso. Estamos construindo juntas. É uma energia muito poderosa”, afirma. A equipe ainda é formada majoritariamente por profissionais de Coxim, como Robertson Isan Vieira, artesão ceramista premiado, e José Carlos Soares, cabeleireiro e designer de imagem.

Com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (Pnab), "Carne Amarela" mobiliza comunidade de Coxim a partir de um enredo que une nostalgia da infância a uma mensagem de pertencimento territorial e de defesa da naturezaEquipe do curta-metragem posa em um boteco da cidade com a diretora Gleycielli Nonato Guató (em pé, à esquerda, de blusa preta) - Foto: Divulgação/Marcus Teles

ENCONTRO

Para o produtor executivo e corroteirista Marcus Teles, filmar em Coxim não foi uma escolha estética, mas ética e afetiva. “Coxim faz parte da nossa formação pessoal e artística. Os textos que deram origem ao filme nasceram daqui.

A luz, a paisagem, o modo de vida, o jeito como o pequi aparece na cidade, tudo isso faz parte da essência da história. Filmar em Coxim é garantir autenticidade”, afirma Marcus.

O produtor explica que mapear as locações foi um processo guiado pela afetividade. “Coxim é uma cidade onde o urbano e o rural se encontram o tempo todo. Não procuramos cenários: reconhecemos neles o que a história já trazia em essência”.

Marcus destaca ainda que oito moradores da cidade trabalharam pela primeira vez no audiovisual, acompanhados de profissionais experientes. “Queremos abrir portas. Que jovens de Coxim encontrem no set um caminho possível, uma nova profissão, um futuro”, destaca o produtor.

101 FILMES

O elenco também conta com a participação especial do ator Breno Moroni, que marcou gerações como o Mascarado na novela “A Viagem” (Globo, 1994), além de ter participado de diversas outras produções no cinema e na televisão.

Com uma carreira extensa que inclui desde aberturas de telenovelas e mais de 100 filmes, Breno esteve em Coxim para integrar o elenco de “Carne Amarela” como seu 101º trabalho audiovisual.

“Trazer o Breno foi como aproximar duas forças que se completam. Ele chega com experiência, mas com humildade. Ele senta na varanda e deixa a conversa fluir. É uma presença que soma sem apagar a simplicidade regional, que é a alma do filme”, reconhece Marcus.

“Ele é fantástico. Consegue ir do drama à palhaçaria. Traz o duo que a personagem dele pede: o velho ranzinza e o homem capaz de se transformar”, completa Gleycielli.

O CERRADO

O filme aborda temas urgentes como queimadas, perda de territórios e desmatamento, mas com a delicadeza necessária para o público infantil, segmento prioritário na meta de audiência da produção.

“O tema duro vem com sutileza. As crianças vão entender o sentimento de perder e o de pertencer. E, quando algo pertence a você, você quer cuidar”, explica Gleycielli. Ao fim, o curta reforça que a preservação é um aprendizado coletivo e que cuidar da terra só é possível quando ela é reconhecida como parte de nós.

Na semana passada, a equipe teve uma atividade formativa com Alexandre Lopes, que é doutor em Ciências Sociais e professor de Sociologia do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), no campus de Coxim.

A interação rendeu contribuições fundamentais para reflexão sobre como pensar e construir um audiovisual mais inclusivo.

AUTOESTIMA

A expectativa da equipe é de que o filme leve Coxim para o Brasil e para o mundo por meio de festivais, mas, principalmente, que devolva à cidade a consciência de seu próprio valor.

“Esperamos que Coxim se veja com carinho. Que perceba que suas histórias merecem estar no cinema. ‘Carne Amarela’ é uma celebração da cidade, das suas raízes e da força do Cerrado”, diz Marcus.

Para Gleycielli, a gravação na cidade é também um gesto de retorno. “Eu sou uma Guató de Coxim. Este filme diz muito sobre de onde eu vim e quem sou eu”.

Como uma “semente que rompe a casca”, reforça a diretora, “Carne Amarela” nasce para devolver à cidade o brilho do seu fruto mais resistente.

Aquele que atravessa gerações, que muda o PIB, que alimenta famílias, que resiste ao fogo e que ensina a permanecer. E Coxim, agora, se prepara para ver sua história ganhar corpo, cor, movimento e tela.

O projeto conta com investimento da Política Nacional Aldir Blanc (Pnab), do governo federal, por meio do Ministério da Cultura, operacionalizado pelo governo do Estado, por meio da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS).

"Carne Amarela"

> Direção e roteiro: Gleycielli Nonato Guató;
Direção de produção: Gabriela Lima Ferlin;
> Direção de arte: Maíra Espíndola;
Direção de fotografia: Dafne Alana;
Som direto e edição de mixagem: Laura Cristina;
Produção executiva, assistência de direção e roteiro: Marcus Teles;
Operador de câmera: Gabriel Ribeiro;
Produção de set: Jefley M. Cano;
Elenco: Breno Moroni, Maria Agripina, João da Mata, Elena Vendroscolo, Maria Sonea Domingos;
Trilha sonora original: Gian Markes;
> Edição de imagem e cor: Rafael Viriato;
Microfonista: 4real.wav;
Assistente de produção executiva: Lucas Moura e Guinha Serrou;
Assistente de produção e captação: Robertson Vieira;
Assistente de produção: Carlos Soares;
Assistente de arte: Angela Gabrieli;
2º assistente de direção: Eduardo Henrique;
2ª assistente de fotografia: Lavinia Ribeiro;
Assessoria de imprensa: Lucas Arruda e Aline Lira.

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