Um álbum musical de 29 faixas para contar a saga do explorador português Aleixo Garcia e cravar Mato Grosso do Sul como “berço da América Latina”, ponto estratégico de rotas que abriram caminho para a descoberta de novos destinos e a criação de futuros países, legando um caldo multicultural vigoroso e complexo, de implicação angular na identidade local, no ano em que se comemoram os cinco séculos de história do Estado.
É essa a ambição de Moacir Lacerda com “Aleixo Garcia – A Jornada Épica”, seu mais novo projeto, com o qual vem batendo à porta do poder público e de outros possíveis parceiros. As gravações seguem a pleno vapor, no estúdio do músico Gilson Espíndola, e todas as faixas devem estar finalizadas nas próximas duas semanas. Já o lançamento do álbum está previsto para o fim de março, ainda sem data definida.
Dá gosto ver Lacerda falar sobre o projeto, cuja ideia nasceu durante a produção de outro disco, que completa uma década em 2025. “Esse trabalho começa em 2015, quando eu realizo ‘A Chama da Paz da América do Sul’, uma antologia musical literária que nós lançamos com 285 canções e 85 participações de poetas, escritores e historiadores. Sempre moldei a minha carreira musical como compositor em cima de fatos históricos”, remonta o Alma Pantaneira, como o integrante do Grupo Acaba costuma ser chamado.
“Isso aconteceu com a música ‘As Monções’, que nós compusemos lá nos anos 1970, e a partir dessa história surgiram as Rotas Monçoeiras, um traçado turístico e de desenvolvimento histórico também. Aí comecei o trabalho do Cabeza de Vaca. Ele tinha visitado o Pantanal em 1544 e foi ele que deu o nome à região como Laguna de los Xarayes. Da experiência que eu fiz com o Cabeza de Vaca, lançando um álbum contando a história dele musicalmente, surgiu o personagem Aleixo Garcia”, detalha.
Falecido em 1525, o navegador lusitano tem data de nascimento desconhecida. Mas é farta a documentação que comprova sua presença e seus feitos em território brasileiro e sul-mato-grossense.
“Ele era um marujo, um genérico dentro de uma expedição espanhola de Juan Díaz Solís (1470-1516), em 1516. A expedição saiu da Espanha para descobrir uma passagem para o Oceano Pacífico, uma caminho para as Índias”, prossegue Moacir Lacerda.
O SOBREVIVENTE
“Ele [Solís] foi costeando Santa Catarina e o Rio Grande do Sul e se deparou com aquela que hoje é a Bacia do Prata, pensando que aquela seria a passagem. Ele entra ali e chama de Mar Dulce. Nesse descobrimento, ele faz o contato com os índios charruas e é assassinado. Ele e uma parte da tripulação. Então, as naus voltaram para a Espanha para levar o fracasso para o rei.
Uma das caravelas afunda em Santa Catarina, na região de Meiembipe, e entre os sobreviventes estava Aleixo Garcia. Então é onde a história começa”, apresenta o músico.
“Aleixo Garcia aparece aí. Até então ele era um genérico. É socorrido pelos índios guaranis carijós e seduzido pelos adornos de prata e de ouro que esses índios tinham. Alguns amuletos. Os índios informaram que vieram da Cidade de Pedra. Ele fica oito anos convivendo com os índios, casa, tem filhos e descobre que tinha o caminho de Peabiru. Os índios sabiam esse caminho”, revela.
“Era uma ramificação de caminhos que saíam de São Paulo, de Santa Catarina e do Paraná e que iam até praticamente o Oceano Pacífico, passando pelo Império Inca. Com essa convivência, ele passa a ser o líder, junta cerca de 2.000 índios e sai em caminhada de Santa Catarina, passando pelo Paraná e por Mato Grosso do Sul, na região de Corumbá, em Albuquerque”, conta o Alma Pantaneira.
“Ele vai pelo Rio Miranda, chega ao Rio Paraguai e para ali. Desce e descobre o Paraguai, entra no Rio Pilcomayo, descobre a Bolívia e vai até perto de Potossí, lá no Império Inca. Essa saga dele foi feita em 1524. Ele retorna do Império Inca com ouro e prata e é assassinado na volta pelos índios paiaguás, canoeiros, lá no Rio Paraguai. É uma história fantástica. Por isso que chamo de ‘Jornada Épica’”, afirma, com empolgação.
“A motivação veio dessa história, que é pouco conhecida, e mais importante é a data, 1524. Com essa consistência histórica do Brasil, do Paraguai e de Portugal, caiu uma luz: 2024, Mato Grosso do Sul 500 anos. MS 500 anos. Esse é o grande lance dessa descoberta”, diz.
“Mato Grosso do Sul está entre os estados do Brasil mais antigos. Você pega a Bahia, 1500, Santa Catarina, 1516, São Paulo, 1530, com Martim Afonso de Souza [1500-1564]. Então, Mato Grosso do Sul, junto com o Paraná, ficou entre os estados mais antigos do Brasil”, completa o Alma Pantaneira.
LIVRO E PALESTRAS
Lacerda prossegue com o seu inventário histórico para cravar MS como o berço de “todas” as descobertas latino-americanas. “Daqui saíam todas as expedições para fundar Paraguai, Bolívia, Chile, Peru. Todas elas passaram por aqui, inclusive para descobrir, em 1750, Cuiabá. Então, Mato Grosso veio 250 anos depois. Essa magnífica histórica me motivou ainda mais a contar isso de maneira musical”, garante.
“Como eu fiz o trabalho do Cabeza de Vaca, e com essa repercussão dos 500 anos de MS, resolvemos fazer um projeto para apresentar para o governo do Estado. Não é somente a questão da música. Tem um ciclo de palestras para debater esse tema com a sociedade, com nomes como o professor Gilson Martins, autor de dezenas de livros, o Rodrigo Teixeira, escritor, o Carlos Vera, o Gilson Espíndola. Tem também um livro infantil ilustrado para contar essa história para as gerações que precisam mudar essa mentalidade”, anuncia Lacerda.
REPERTÓRIO
“A partir dessa abertura, dessa descoberta feita pelo Aleixo Garcia, praticamente todas as expedições de exploração e de fundação da maioria dos países sul-americanos passam por Mato Grosso do Sul, na região ali de Albuquerque. A partir daí, aqui é o berço da América Latina”, reforça.
“Porque, de lá dessa região, você poderia ir para o norte, para a Amazônia e para o Atlântico. Poderia ir para o sul, para o Paraguai, a Argentina e o Uruguai. Poderia ir para o leste, a Bolívia, o Chile, o Atlântico e Pacífico. E poderia ir para o oeste e encontraria Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro”, mapeia Lacerda.
“É um ponto central essa região da Laguna de los Xarayes, onde conviviam várias nações indígenas. Os paiaguás, os guaicurus, os guató, os porrudos e os xarayes. Porque na região tinha abundância de peixe e de caça. Viviam ali as nações indígena e as nações incaicas“, diz o músico.
“Então, elas tinham contato, e disso aí era o berço da América Latina. E daí vem uma coisa que, infelizmente, eu vou ter que cantar, que é a dizimação dos povos originários, que começou a partir dessas entradas”, lamenta.
“O repertório tem aspectos históricos, aspectos sociais, questões etimológicas, as etnias indígenas e o seu extermínio e sofrimento. E a degradação que houve, não somente na América do Sul, mas também na América Central e na América do Norte”, afirma.
“Esse álbum canta essa espoliação, essa dizimação dos povos originários. Por isso, na capa, está o Aleixo Garcia, tem a figura de um inca e tem figuras indígenas ali. Ele não é o descobridor. Ele foi o primeiro europeu que chegou nessas terras. Aqui já habitavam nações indígenas por mais de 10.000 anos, segundo estudos antropológicos”.
ESTILOS
“Em termos de gêneros e de estilos, as músicas têm influências espanholas, sons indígenas, têm lamentos, réquiens, música latina, chamamé, rasqueado. Você pega a cultura saindo lá de 1500 e vai trazendo para cá, para os nossos dias. Tem uma presença um pouco erudita, aparece ali com um canto meio de reminiscências ibéricas. E tem uma linguagem também contemporânea. São diversos gêneros, porque esse trabalho não foi feito somente pelo Moacir. Tem alguns integrantes do Grupo Acaba, convidados, mais de 40 pessoas envolvidas”, detalha.
MS 500
“Os 500 anos é uma grande oportunidade para se divulgar, e a previsão de lançamento é fim de março. Assim como o Caminho de Peabiru era um traçado que unia o Atlântico ao Pacífico, a Rota Bioceânica também é a mesma jornada, e todas elas passam por MS. Isso é que é importante. Faremos um trabalho que vai contribuir para que as novas gerações possam ter, no Estado, uma outra consciência. Não precisar mais falar Mato Grosso do SUL! Rapaz, Mato Grosso do Sul é antes de tudo. É 1524”, defende Moacir Lacerda.
“O que precisa é ser veiculada essa história. Essa falta de sintonia entre as pessoas com referência ao Estado vai desaparecendo. Para isso, precisa de uma ação do próprio governo do Estado, de apoio a um projeto dessa natureza”, reivindica o músico.
saiba
Convidados: Grupo Acaba – Canta-Dores do Pantanal, etnias indígenas charrua, kaiowá e terena, Camerata Madeiras Dedilhadas, Alvani Calheiros, Alzira E, Ana Lúcia Gaborim, Antônio Luiz Porfírio, Aurélio Miranda, Carlos Batera, Carlos Vera, Douglas Santos, Edvaldo Jacinto, Emmanuel Marinho, Fábio Kaida, Felipe Lacerda, Gabriel Andrade, Geraldo Espíndola, Gilson Espíndola, Humberto Espíndola, Itamar Assumpção, Jerry Espíndola, José Bittencourt, Luciana Fisher, Luiz Sayd, Marcelo Fernandes, Marcos Assunção, Marcelo Loureiro, Odon Nacasato, Pedro Ortale, Raquel Naveira, Rodrigo Teixeira, Rubenio Marcelo, Sandro Moreno, Tetê Espíndola, Tião César, Vandir Barreto, Vera Gasparotto e Zezé Mauro. In memoriam: Chico Lacerda, Eduardo Lincoln e José Charbel Filho.
Foto: Divulgação / Alexis Prappas
Foto: Divulgação / Alexis Prappas
Ryan Keberle, trombonista - Foto: Divulgação / Alexis Prappas


