Correio B

ANÁLISE

Prêmio internacional consolida Wagner Moura como o maior nome de sua geração

Ator conquistou o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes, pelo papel em "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, que ganhou também o prêmio de Melhor Diretor, reforçando o momento excepcional do cinema brasileiro fora do País

Continue lendo...

“Não estava com muita vontade de mudar, não. Mas, agora que já mudei, estou achando legal. É legal, melhor que aqui. Não, nem tudo, né? Porque aqui é o lugar que a gente brinca, a gente sempre se diverte, já tem as coisas todas aqui, a gente já sabe tudo. Lá é tudo estranho para a gente. A gente joga bola, a gente brinca de se esconder”.

Aos 11 anos de idade, em uma entrevista para a tevê baiana: primeira aparição na tela, em 1988Aos 11 anos de idade, em uma entrevista para a tevê baiana: primeira aparição na tela, em 1988

O depoimento algo contraditório, vacilante, marca a estreia de Wagner Moura, aos 11 anos de idade, na televisão e no audiovisual. O menino de olhar perdido e penetrante, com dentinhos frontais separados na boca, fala em uma reportagem sobre o impacto de ter precisado, assim como toda a população local, deixar Rodelas, no nordeste baiano, a 540 quilômetros de Salvador, por conta da construção de uma usina hidrelétrica.

Tristonho talvez, mas certamente muito bem articulado em seu testemunho diante da câmera, ele dava início ali, sem saber, a uma trajetória que, com o percurso de ator, a partir de meados dos anos 1990, na então efervescente cena teatral soteropolitana, formou uma espiral que, 37 anos depois, permanece em ascensão. E como. O mais recente e maior reconhecimento, entre os 54 prêmios que o ator já conquistou, chegou no sábado, com a láurea de Melhor Interpretação Masculina (Prix d’Interprétation Masculine) no Festival de Cannes.

Wagner Moura, no Festival de Sundance, em 2020: 54 filmes, 5 prêmios APCA, uma indicação ao Globo de Ouro e prêmio de Melhor Ator em Cannes 2025Wagner Moura, no Festival de Sundance, em 2020: 54 filmes, 5 prêmios APCA, uma indicação ao Globo de Ouro e prêmio de Melhor Ator em Cannes 2025

Em sua 78ª edição, Cannes é o maior festival de cinema do mundo e rivaliza com o Oscar no posto de número um em importância, sendo considerado o festival que marca o contraponto autoral e artístico à festa da indústria e do cinema comercial que é a celebração da “academia” norte-americana. Além de melhor ator, “O Agente Secreto” – que conta a história de um professor que, nos anos 1970, muda-se de São Paulo para o Recife e acaba descobrindo que está sendo espionado por vizinhos – ganhou mais três prêmios: o de Melhor Diretor, o da crítica e o de principal destaque segundo os exibidores franceses independentes.

Com o seu prêmio, Moura, que foi indicado ao Globo de Ouro, em 2016, pela performance em “Narcos”, deixou para trás astros como Tom Hanks, Pedro Pascal e Benicio del Toro, que já foi agraciado em Cannes por sua atuação em “Che” (2008), e entra para uma galeria de atores soberbos.

Desde a primeira edição, em 1946, que reconheceu Ray Milland como Melhor Ator, Cannes concedeu a láurea de Melhor Interpretação Masculina para Marlon Brando, Spencer Tracy, Paul Newman, Orson Welles, Anthony Perkins, Jean-Louis Trintignant, Marcello Mastroianni, Jack Nicholson, Fernando Rey, Jack Lemmon, Michel Piccoli, Forest Whitaker, John Turturro, Daniel Auteuil, Sean Penn e Antonio Banderas, entre outros pesos-pesados.

Ganhar ali muda a vida de qualquer profissional da sétima arte, elevando a sua cotação para um nível inconteste de excelência. Já muito bem cotado, com grande reconhecimento de crítica e público, há mais de duas décadas por trabalhos como “Deus É Brasileiro”, “Carandiru”, “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite 2”, “Saneamento Básico”, “Ó Paí, Ó”, “O Homem do Futuro”, “Elysium”, “Praia do Futuro” e “Guerra Civil”, Moura, apesar da comoção generalizada, não deve ter surpreendido os que há tempos estão familiarizados com sua presença em cena.

Quem acompanha a sua carreira desde o início, certamente nunca deve ter esquecido de sua profunda capacidade de entrar em um personagem, provocando choro e riso ou levando de um a outro em um átimo, como no citado “Deus É Brasileiro” (2003), de Carlos Diegues (1940-2025), que ganhou exibição na tevê aberta recentemente por ocasião da morte do diretor, mas, ainda antes, no teatro baiano (“A Casa de Eros”, “Abismo de Rosas”) ou em montagens do eixo Rio-São Paulo (“A Máquina”, “Os Solitários”).

Com a atriz Camila Pitanga, na novela “Paraíso Tropical” (2007)

Em 2008, traduziu, produziu e estrelou o seu “Hamlet”, tour de force e sonho de consumo de qualquer ator, em uma encenação potente, sensível e cheia de garbo dirigida por Aderbal Freire Filho, ganhando o Troféu APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), que já tinha conquistado antes duas vezes por atuações no cinema (“Deus É Brasileiro”) e na televisão, quando viveu o cafajeste sedutor Olavo Novaes na novela “Paraíso Tropical” (2007), de Gilberto Braga, par romântico da piriguete Bebel, vivida por Camila Pitanga.

O ator em “Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro” (2010), quarta maior bilheteria do cinema brasileiro

“Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro” (2010), quarto maior público do cinema brasileiro, e o longa-metragem “Marighella” (2019), que roteirizou, produziu e dirigiu, sem figurar no elenco, também lhe garantiram mais dois APCAs. É um artista do palco e da câmera que, como poucos, encarna o ofício do ator, algo que aparece a olhos vistos, por exemplo, na série “Narcos” (2015), para a qual engordou 18 quilos e se mudou meses antes para a Colômbia, justamente, para um laboratório de profunda imersão no personagem, o traficante e narcoterrorista Pablo Escobar (1949-1993).

Mas a precisão, envolvimento e domínio de Moura em seu trabalho de construir tipos que seduzem, apavoram ou provocam comiseração se faz notar de ponta a ponta na carreira solidamente erguida nessas três décadas. Basta lembrar do homem mesmerizado por um desespero existencial, que se auto-imola, no obscuro curta-metragem “Queda” (1999), um de seus primeiros, com direção de Flávio Oliveira e deste que vos escreve. Ou o intrigante cego do longa “Nina” (2004), de Heitor Dhalia.

Ou do recente Manny Carvalho, que interpreta na série “Ladrões de Drogas”. E o cara, além de tudo, tem um humor daqueles fora do set de filmagem, que por algumas vezes levou para o seu ofício de forma impagável, como em “O Destino de Miguel” (2004), curta de André Moraes que faz uma sátira de “Shakespeare Apaixonado” e no qual ele atua “apenas” – apenas bem entre aspas – com uma debochada dublagem. 

Com o reconhecimento de Cannes, escolhido por um júri sob a presidência de Juliette Binoche, Wagner Moura parece chegar ao topo de uma constelação de intérpretes que marca uma divisa na confecção no protagonista brasileiro, tornando-se o expoente maior de uma geração de outros gigantes, a exemplo de Lázaro Ramos, João Miguel e Selton Mello. Com seus mais de 40 filmes no currículo, ele não estava na Croisette para receber seu prêmio no sábado. Vejam o que disse o ator durante uma videoligação com Kleber Mendonça Filho, que criou o personagem de “O Agente Secreto” para o baiano.

“Agora são quase 22h aqui em Londres. Eu tive um dia absolutamente louco, porque passei o dia filmando, não fiquei em Cannes porque tinha que filmar. Estou fazendo um filme aqui em Londres. Recebi a notícia dos prêmios que a gente ganhou da forma mais louca possível, no set de filmagem. Ter hoje brasileiros olhando para o cinema brasileiro e dizendo ‘esse filme, esses artistas nos representam’ me dá uma alegria profunda. Viva a cultura brasileira, viva aqueles que acreditam na importância da cultura para o desenvolvimento de qualquer país. Viva o Brasil, viva os brasileiros”. Sobretudo, um ator. E ponto. É o que lhe basta.

*Fotos: Reprodução

Assine o Correio do Estado

Correio B+

Cinema B+: 10 filmes para assistir no Natal de 2025: entre novidades e clássicos eternos

Sugestões da nossa colunista de cinema para o fim de ano que equilibram conforto, repetição afetiva e algumas boas surpresas do streaming

20/12/2025 14h30

Cinema B+: 10 filmes para assistir no Natal de 2025: entre novidades e clássicos eternos

Cinema B+: 10 filmes para assistir no Natal de 2025: entre novidades e clássicos eternos Foto: Divulgação Prime Vídeo

Continue Lendo...

Há anos encerro o ano com dicas de filmes e séries para atravessar o fim de dezembro — e quem acompanha minhas colunas já sabe: Natal, para mim, é revisitar o que já amo. É ritual, repetição afetiva, memória acionada pela trilha sonora certa ou por uma história que já conhecemos de cor. Por isso, a lista tende a mudar pouco. Não é preguiça. É escolha.

Existe um mercado fonográfico e audiovisual inteiro dedicado ao Natal, que entrega, ano após ano, produtos descartáveis, previsíveis e — ainda assim — confortantes. Eles existem para preencher o silêncio entre uma refeição e outra, para acompanhar casas cheias, para oferecer finais felizes sem exigir atenção plena. Em 2025, esse mercado deixa algo ainda mais claro: o Natal virou um ativo estratégico — e estrelas ajudam a sustentá-lo.

De blockbusters de ação a comédias familiares e retratos mais irônicos do cansaço emocional, as produções do ano revelam diferentes formas de explorar a mesma data. E, como toda boa tradição de fim de ano, a lista também abre espaço para um clássico que, mesmo não sendo natalino, atravessa gerações como parte indissociável desse período

Operação Natal Amazon Prime Video
Aqui, o Natal é tratado como evento global, literalmente. Operação Natal aposta em ação, fantasia e ritmo de blockbuster para transformar o dia 25 de dezembro em cenário de missão impossível. Tudo é grande, barulhento e deliberadamente exagerado.

É o exemplo mais claro do Natal-espetáculo. O filme existe como veículo de estrela para Dwayne Johnson, que transforma a data em entretenimento de alta octanagem, longe de qualquer delicadeza afetiva.

Um Natal Surreal Amazon Prime Video
Neste filme, o Natal deixa de ser acolhimento para virar ponto de ruptura. Michelle Pfeiffer interpreta uma mulher que decide simplesmente desaparecer da própria celebração depois de anos sendo invisível dentro da dinâmica familiar. O gesto desencadeia situações absurdas, desconfortáveis e reveladoras.

A presença de Pfeiffer requalifica o projeto. Não é um Natal infantilizado, mas um retrato irônico do cansaço emocional, da maternidade esvaziada e da pressão simbólica que a data carrega.

A Batalha de Natal Amazon Prime Video
O Natal volta ao território da comédia familiar clássica. Eddie Murphy vive um pai obcecado por vencer uma disputa natalina em seu bairro e transforma a celebração em um caos crescente de exageros, erros e humor físico. Murphy opera no registro que domina há décadas. É o Natal como bagunça coletiva, desenhado para virar tradição doméstica e ser revisto ano após ano.

My Secret Santa Netflix
Uma mãe solteira em dificuldades aceita trabalhar disfarçada de Papai Noel em um resort de luxo durante o Natal. O plano se complica quando sentimentos reais entram em cena. O filme cumpre com precisão a cartilha da comédia romântica natalina, com química funcional e uma premissa simpática o bastante para sustentar o conforto esperado do gênero.

Cinema B+: 10 filmes para assistir no Natal de 2025: entre novidades e clássicos eternosMy Secret Santa Netflix - Divulgação

Man vs Baby Netflix
É para os fãs de Mr. Bean, apesar de não ser “ele”. Rowan Atkinson volta como Mr. Bingley, um adulto despreparado precisa sobreviver a um bebê imprevisível em plena temporada de festas. O que poderia ser um Natal tranquilo vira uma sucessão de pequenos desastres.
Funciona quando assume o humor físico e o exagero, ideal como filme de fundo para casas cheias.

All I Need for Christmas Netflix
Uma musicista em crise profissional encontra, durante o Natal, a chance de reconexão pessoal e afetiva ao cruzar o caminho de alguém que parecia seu oposto. Produção que aposta no tom acolhedor e na ideia de recomeço como motores emocionais simples, mas eficazes.

A Merry Little Ex-Christmas Netflix
Alicia Silverstone e Oliver Hudson sustentam uma trama previsível, mas ainda assim, bem natalina. Ex-relacionamentos, ressentimentos antigos e um Natal que força reencontros. A tentativa de manter a civilidade rapidamente desmorona. Um filme que reconhece que o passado nunca está totalmente resolvido, especialmente em datas simbólicas.

Champagne Problems Netflix
Filme que anda liderando o Top 10 desde novembro, traz uma executiva americana viaja à França para fechar um grande negócio antes do Natal e se vê envolvida em dilemas profissionais e afetivos. Menos açucarado, aposta em melancolia leve e conflitos adultos, usando o Natal mais como pano de fundo do que como solução.

Jingle Bell Heist Netflix
Dois trabalhadores frustrados planejam um assalto na véspera de Natal, quando ninguém parece prestar atenção. Cheio de reviravoltas e troca o romance pelo formato de filme de golpe, oferecendo uma variação divertida dentro do gênero natalino.

A Noviça Rebelde Disney+
Não é um filme natalino, mas poucas obras ocupam um lugar tão fixo no imaginário do fim de ano. Em 2025, o musical completa 60 anos e segue atravessando gerações como ritual afetivo de dezembro. Música, família, infância e acolhimento fazem dele uma tradição que resiste ao tempo e às modas.

No fim, a lógica permanece: filmes de Natal não precisam ser memoráveis para serem importantes. Precisam estar ali — como trilha de fundo, como pausa emocional, como promessa silenciosa de que, por algumas horas, tudo vai acabar bem. Em 2025, isso já é mais do que suficiente. Feliz Natal!

"REI DO BOLERO"

Voz de 'Você é doida demais', Lindomar Castilho morre aos 85 anos

História de sucesso mudou após um dos feminicídios de maior repercussão no País, quando em 30 de março de 81 matou sua mulher, a também cantora Eliane de Grammont, com cinco tiros

20/12/2025 13h30

Lili De Grammont e seu pai, Lindomar, em foto compartilhada nas redes sociais.

Lili De Grammont e seu pai, Lindomar, em foto compartilhada nas redes sociais. Reprodução/Redes Sociais

Continue Lendo...

Conhecido como "Rei do Bolero", Lindomar Castilho morreu neste sábado, 20, aos 85 anos. A nota de falecimento foi postada pela filha do artista, a coreógrafa Lili De Grammont, em suas redes sociais.

A causa da morte não foi informada e o velório está marcado para esta tarde no Cemitério Santana, em Goiânia.

"Me despeço com a certeza de que essa vida é uma passagem e o tempo é curto para não sermos verdadeiramente felizes, e ser feliz é olhar pra dentro e aceitar nossa finitude e fazer de cada dia um pequeno milagre. Pai, descanse e que Deus te receba, com amor… E que a gente tenha a sorte de uma segunda chance", escreveu Lili.

Nascido em Rio Verde, Goiás, Lindomar foi um dos artistas mais populares dos anos 1970. Brega, romântico, exagerado. Um dos recordistas de vendas de discos no Brasil. Um de seus maiores sucessos, "Você é doida demais", foi tema de abertura do seriado Os Normais nos anos 2000.

Seu disco "Eu vou rifar meu coração", de 1973, lançado pela RCA, bateu 500 mil cópias vendidas.

Crime e castigo

A história de sucesso, porém, mudou após um dos feminicídios de maior repercussão no País. Em 30 de março de 1981, Lindomar matou a mulher, a também cantora Eliane de Grammont, com cinco tiros. Ela tinha 26 anos.

Os dois foram casados por dois anos, período em que a cantora se afastou temporariamente da carreira para cuidar da filha Lili. Depois de sustentar o relacionamento abusivo, Eliane pediu o divórcio.

Eliane foi morta pelo ex-marido no palco, durante uma apresentação na boate Belle Époque, em São Paulo. Ela cantava "João e Maria", de Chico Buarque, no momento em que foi alvejada

Lindomar foi preso em flagrante e condenado a 12 anos de prisão. Ele foi liberado da pena por ser réu primário e aguardou o julgamento em liberdade. O cantor cumpriu quase sete anos da pena em regime fechado e o restante em regime semi-aberto. Em 1996, já era um cidadão livre.

O caso tornou-se um marco na luta contra a violência doméstica no Brasil, impulsionando o movimento feminista com o slogan "Quem ama não mata".

 

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).