Um tipo de empanado boliviano que caiu no gosto do corumbaense e que tem o seu valor muito além do sabor delicioso e nutritivo – e também muito apreciado pelos turistas –, a saltenha pode ser o elo que faltava para aproximar os povos que vivem na fronteira oeste de Mato Grosso do Sul.
Pois, do lado brasileiro, ainda há uma certa resistência e discriminação aos bolivianos que moram na faixa imaginária divisa com a Cidade Branca, formando as comunidades de Puerto Quijaro, Puerto Aguirre e Puerto Suarez.
Ativista cultural corumbaense de 62 anos e filho de bolivianos, Arturo Ardaya encontrou no salgado originário de Potosi, no altiplano da Bolívia, uma fórmula de quebrar essa resistência, por meio da cultura, da música e da gastronomia.
O primeiro passo foi dado em 2021, por sua própria iniciativa: a Câmara Municipal de Corumbá criou por lei o Dia da Saltenha, comemorado em 10/11. Na data, ele realiza, no Porto Geral da cidade, o evento Saltenha Fest.
“Criamos esse encontro para celebrar os nossos lanços culturais e afetivos, em que brasileiros e bolivianos se unem para se divertir ao som de música latina e degustar uma iguaria que se tornou símbolo dessa integração que buscamos”, diz Arturo, cuja mãe, dona Elsy, sustentou a família vendendo o salgado por mais de 46 anos na periferia de Corumbá.
Confeiteiro de mão cheia e hoje com limitações físicas, Arturo deixou para as irmãs a manutenção da tradição.
RITMOS LATINOS
O Saltenha Fest é o exemplo da pouca importância que o poder público local dá à promoção e à efetividade dessa integração: seu promotor não conseguiu apoio da prefeitura, mas obteve, enfim, uma ajuda financeira da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) para a instalação de banheiros químicos e barracas no Porto Geral.
A festa fronteiriça está sendo bancada pelos fazedores de saltenha, que terão espaços para a comercialização do seu produto e a garantia de boas vendas.
O evento começa às 15h deste domingo e terá um show de cinco horas da atração principal: a Orquestra Internacional Sombras de América, da Bolívia, que se apresentou no ano passado com seus bailarinos ensinando os corumbaenses e os turistas a dançarem ritmos latinos e caribenhos, como a cumbia, a bachata, a salsa e o merengue. O público poderá provar outras delícias do país vizinho, como o massaco (carne seca com mandioca ou banana-da-terra).
A ORIGEM
Salgado que se assemelha a um pastel ou a um empanado, com cobertura avermelhada do urucum ou do colorau e um recheio caudaloso impecável (frango desfiado, batata, ervilha, ovos cozidos, azeitona e uva-passa), a saltenha – do espanhol salteña – não é originária de Salta, na Argentina.
Surgiu mesmo na Bolívia, no fim do século 18, das mãos de uma argentina de Salta:
a exilada Juana Manuela Gorriti. Em pobreza extrema, ela criou um empanado que se popularizou como saltenha.
Segundo os mais renomados chefs, a história da iguaria em terras pantaneiras reforça o conceito de cozinha de fronteira/regional, que nasce em uma região demarcada politicamente, porém, não significa que seus hábitos culinários sigam a mesma lógica.
“É uma marca de Corumbá. Não tem como falar em Corumbá e se esquecer da saltenha. Por isso, resolvi realizar o festival, não para mim, mas para todos que vivem nesta fronteira”, sintetiza Arturo.