”Alegria, alegria! Tem pessoas que acham que eu preciso ficar longe de minha mãe para descansar ou dormir, que preciso de descanso, mas não penso assim. Quero barulho, bagunça de crianças, gente falando alto e rindo. Quero vida, alegria, aumentar o número de amigos e rir bastante. Não quero isolamento, tristeza, chatice, angústia e morte. Quero alegria, alegria!”. Ass: Lúcia.
Esse pequeno trecho de uma carta é um dos muitos que Lúcia, ou melhor, Maria Lúcia Tostes Palma, cria quase todos os dias. Aos 62 anos, Lúcia é o que podemos descrever como uma escritora voraz, que tem nas palavras a força para lutar todos os dias pela vida. Diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença degenerativa que não tem cura e causa a perda dos movimentos do corpo ao longo do tempo, Lúcia descobriu nas cartas uma forma de manter a comunicação com as pessoas que ama e oferecer uma palavra de esperança a quem cruza seu caminho.
Desde 2011, Lúcia foi perdendo aos poucos os movimentos do corpo, até que a fala e a escrita fossem prejudicados por completo. Para continuar mostrando ao mundo o que pensava, Lúcia conseguiu um caminho alternativo ao lado de sua fiel escudeira, Ana Paula Santana Gonçalves.
“Eu a conheci em Três Lagoas. Comecei como funcionária dela, fazendo limpeza na casa. Depois, passei a ser cuidadora e quando ela se mudou para Campo Grande, eu vim com toda a minha família junto”, relembra Ana Paula.
Ao lado de Lúcia, a cuidadora aprendeu a usar uma placa de comunicação, que contêm letras, números e outras pontuações necessárias para formar as frases. Duas piscadas de Lúcia significam “sim” e uma “não”. Os dedos de Ana Paula passam sistematicamente pela placa, em cada coluna e linha, até formar a frase desejada por Lúcia.
Essa destreza das duas surgiu com o tempo, por meio de muito treino, e, principalmente, pela necessidade de Lúcia de continuar conversando com quem amava. Tanto, que as primeiras cartas tiveram um destino certo: cada um dos seis filhos recebeu uma mensagem única, com informações, conselhos e as palavras de carinho e devoção da mãe. “São cartas de amor e gratidão”, diz Lúcia, com os olhos.
Gratidão, inclusive, é a palavra que ela mais usa para descrever a sua trajetória e a oportunidade de continuar ao lado de quem ama, sempre com muita bagunça e alegria, uma cortesia dos 17 netos que ela faz questão de manter por perto, apaixonada pelo som das vozes e da beleza de cada um.
MEMÓRIAS
As cartas ficam reunidas em um caderno simples na casa de Lúcia e mostram toda a lucidez de uma mulher que é completamente apaixonada pela família que construiu. Do sonho de ter dez filhos, apenas seis foram possíveis, devido à saúde, mas cada momento da maternidade, ela fez questão de viver intensamente.
As memórias agora descritas no papel falam sobre os partos de cada um, as personalidades diferentes das crianças e a necessidade de conciliar no passado os estudos com a carreira e as funções de mãe.
É um dos trechos do caderno que Lúcia mostra suas duas paixões profissionais, as artes plásticas, há vasos de cerâmica feitos por ela e o marido até hoje pela casa, e psicologia, que Lúcia confessa ser sua grande inspiração na vida.
O desejo de ajudar quem precisa continuou firme mesmo após o avançar da doença e, como na época do trabalho, ela mantém a comunicação com os amigos, conhecidos e filhos sobre a beleza da vida e a oportunidade que os homens têm de crescer a todo instante.
Nem mesmo a fragilidade da mãe, que tem alzheimer em estado avançado, fizeram Lúcia desistir de ter a autonomia para decidir o seu destino e o desejo de permanecer ao lado da mãe.
“Se tivesse alguém para ficar com minha mãe a maior parte do tempo ela estaria bem melhor, pois, conversaria e não sofreria tanto”.
Todo esse carinho com todos é motivo até de ciúmes entre quem convive com Lúcia. Simone Melo, técnica de enfermagem, afirma que viver ao lado de Lúcia é um privilégio. “Ela é maravilhosa, tudo que ela escreve e essa alegria de viver dela é incrível”, diz.
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