O procurador-geral-adjunto de Justiça de Mato Grosso do Sul, Alexandre Magno Benites de Lacerda tem mais uma missão pela frente: a de ser um dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no biênio 2026-2027.
Com experiência acumulada no período em que foi procurador-geral de Justiça de MS por dois mandatos e quando esteve no Colégio Nacional de Procuradores, Lacerda fala ao Correio do Estado sobre seus desafios.
O maior deles será o de implementar a unidade institucional, que ele comemora ter feito em Mato Grosso do Sul, em âmbito nacional.
Alexandre Lacerda diz que pretende continuar valorizando a independência funcional do promotor de Justiça, mas que essa independência não dá o direito de ser irresponsável e abusar do poder que tem.
O procurador de Justiça também comenta os desafios do CNMP ao discutir políticas públicas, entre elas, a padronização do sistema de segurança pública e as audiências de custódia.
Como surgiu a indicação para o Conselho Nacional do Ministério Público?
O Conselho Nacional do Ministério Público é composto por 14 membros. É um órgão externo, e não um órgão do Ministério Público, que conta com representantes da sociedade civil, também tem representantes da advocacia, do Senado, da Câmara, e representantes de todos os ramos do Ministério Público brasileiro e, ao mesmo, há três representantes do Ministério Público dos estados. O conselho é presidido pelo procurador-geral da República.
É um órgão de controle externo, administrativo e de controle institucional também, quando há, por exemplo, faltas disciplinares. Ele dá o norte para a atuação do Ministério Público brasileiro.
Como disse, dentro do conselho temos três vagas para os Ministério Públicos estaduais, ou seja, todos os 13 mil integrantes do MP dos estados indicam, a cada dois anos, três nomes para o conselho.
Nesta votação mais recente tivemos duas reconduções, dos colegas Ivana Cei e Fernando Comin, e a minha aprovação, para a vaga do Paulo Passos. O Paulo, aliás, é o primeiro conselheiro de Mato Grosso do Sul.
Então temos um fato inédito? A manutenção de Mato Grosso do Sul no conselho?
Isso. E é fruto de um trabalho prestado à sociedade no Ministério Público nacionalmente.
E o que deu para aprender com este período em que o Paulo esteve no conselho por dois mandatos?
Eu tive a felicidade de, no período em que eu fui procurador-geral de Justiça, ter o Paulo como conselheiro. Isso nos abriu muitas portas, foi muito bom para todos nós de Mato Grosso do Sul.
E sobre os desafios no Conselho Nacional do Ministério Público, quais são?
Não apenas sobre o cargo, ser um conselheiro do Ministério Público, mas também estar em Brasília, ter contato direto com todas as instituições, como o Supremo Tribunal Federal [STF], com o Senado da República, por exemplo, com a Câmara dos Deputados e, assim, com as pautas da sociedade brasileira.
Há grandes demandas dos estados, que inclui o estado de Mato Grosso do Sul, e de toda a nação que passam necessariamente com um diálogo com o Ministério Público, via Conselho Nacional. É importante destacar que o Conselho Nacional é um norteador de políticas públicas de atuação da instituição que dialoga com o Poder Judiciário.
Claro, há um certo tempo atuo em Brasília em outras frentes. Fui secretário-executivo do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais [CNPG] por três vezes, o que é inédito no País.
Ao mesmo tempo, já presidi a Associação dos Promotores, fui secretário-geral da associação nacional, e, como procurador-geral, sempre fui muito ativo no colegiado, participando de comissões nacionais de relevância, como a dos Gaecos [Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado], na questão eleitoral, de patrimônio público, no STF e também na discussão da Lei de Improbidade.
E como foi garantir uma vaga para Mato Grosso do Sul em meio à disputa com outras unidades da Federação?
Aqui em Mato Grosso do Sul somos um time, porque o respeito que o Paulo tem, o Romão [Ávila Milham Júnior, atual procurador-geral de Justiça] e a história que eu tenho construído fizeram com que os procuradores reconhecessem meu nome e quebrassem a barreira de ser do mesmo estado. Acabou virando uma questão nacional.
E o que você deve levar para o conselho? Como você se preparou para ocupar esse cargo?
A preparação foi o próprio exercício do mandato na Procuradoria-Geral de Justiça. Isso me deu a experiência de ser um ordenador de despesas, porque chefiamos a instituição, temos a responsabilidade por ela, e a missão de termos um diálogo permanente.
O norte que eu vou levar para o Conselho Nacional do Ministério Público é seguir os caminhos que o Paulo Passos trilhou, no sentido de valorizar a unidade institucional, penso que não dá para ter diversos Ministérios Públicos.
É a mesma lógica que eu utilizei na pandemia, que foi nosso grande laboratório de experimento social, de se colocar no lugar do outro, de agir com uma palavra que as pessoas no pós-pandemia já se esqueceram, que é o amor ao próximo, de se preocupar com as pessoas.
Uma lógica de fugir do ego, da vaidade e tentar construir uma instituição que seja mais próxima da sociedade e responsável por suas ações.
Nisso, o Conselho Nacional tem um papel fundamental de tentar fazer não só o que fizemos aqui em Mato Grosso do Sul, mas de se fazer em nível nacional que o Ministério Público seja uno de verdade.
Também é importante valorizar o princípio da independência funcional, é um princípio da sociedade, não apenas do promotor.
Mas essa independência do promotor não lhe dá o direito de ser irresponsável e de abusar do poder que tem. E também não dá a ele o direito de não agir e de não se preocupar com os resultados efetivos que gera para a sociedade em sua atuação.
Em resumo: prezo pela unidade institucional, que valoriza a independência funcional, mas que sirva de instrumento para trazer resultados efetivos para a sociedade, para o cidadão comum, para quem está na fila do posto de saúde, para uma criança que precisa de um medicamento.
Também temos de mostrar o caminho ao punir corruptos, mas sem desestimular gestores que erram administrativamente e são tratados como se fossem bandidos. É separar o joio do trigo.
O CNMP aparece menos na mídia que o CNJ. Por que isso acontece?
De fato, chega muita demanda administrativa ao Conselho Nacional do Ministério Público. Não que ele tenha menos trabalho, mas sua atuação tem menor visibilidade em comparação ao Conselho Nacional de Justiça [CNJ]. Isso ocorre porque o CNJ, por estar ligado diretamente ao Poder Judiciário, acaba aparecendo mais na imprensa.
No entanto, o CNMP também tem papel relevante e vem aprendendo a lidar de forma mais profissional com a divulgação de informações. Antigamente, havia críticas de que o Ministério Público divulgava investigações antes de resultados concretos.
Hoje, há mais cautela: só se divulga quando existe sentença, decisão ou acordo efetivo. Afinal, uma divulgação precipitada pode arruinar a vida de uma pessoa.
E quanto ao aspecto disciplinar, há diferença entre CNJ e CNMP?
Sim. No Judiciário existe a aposentadoria compulsória como punição, o que gera muita repercussão. Na sociedade, há quem não concorde com esse tipo de penalidade, mas a mídia costuma dar bastante destaque.
Já no Ministério Público, a Constituição e a Lei Orgânica não permitem esse instituto. Quando um promotor comete abuso de autoridade, corrupção ou desvio funcional, ele responde a processo que pode levar à perda do cargo. As punições podem ser disponibilidade [afastamento sem remuneração] ou perda definitiva do cargo.
Em números, as estatísticas de processos e punições são equivalentes entre CNJ e CNMP, mas os mecanismos são diferentes.
Transparência salarial também é pauta recorrente, inclusive no Ministério Público. Qual é o desafio nesse tema?
A transparência é fundamental. A sociedade precisa saber o que seus agentes recebem. Os conselhos atuam em conjunto para garantir essa visibilidade, mas sempre em equilíbrio com a Lei Geral de Proteção de Dados, que também deve ser respeitada. Cabe aos conselhos cumprir e fiscalizar a lei, e qualquer mudança vinda do Congresso será igualmente implementada.
Quase 20 anos após a criação dos conselhos, qual balanço é possível fazer?
A criação do controle externo foi um grande acerto do parlamento. O CNMP não serve apenas para punir, mas também para fortalecer a unidade institucional e formular políticas nacionais. Há exemplos expressivos, como campanhas sobre acesso à água potável nas escolas, fiscalização da vacinação, acompanhamento do saneamento básico e políticas de educação. Assim, o conselho consegue unificar ações em todo o País, ampliando o alcance social do Ministério Público.
Qual deve ser o papel do CNMP na discussão da PEC da Segurança Pública?
O papel do conselho é central. Cada estado brasileiro lida de forma diferente com crimes e procedimentos, e a PEC busca padronizar esse processo.
O CNMP atua justamente para uniformizar regras, estabelecer diretrizes e dar efetividade às leis aprovadas pelo Congresso. Já houve casos, como o da Lei de Improbidade, em que o conselho organizou entendimentos nacionais para garantir aplicação uniforme. O mesmo ocorre com fiscalização de presídios, execução penal e temas como desencarceramento e saúde mental.
O senhor acredita que o parlamento pode avançar nesse ponto?
Sim. O Congresso é o espaço adequado para debater e aprovar mudanças na legislação penal e processual. A sociedade não aceita mais ver crimes graves sendo punidos de forma branda. Cabe ao Parlamento trazer soluções, e os conselhos – CNJ e CNMP – atuarão para dar efetividade a essas decisões em benefício da população.
Sobre as audiências de custódia, a eficácia delas tem sido questionada, mas, ao mesmo tempo, há muita gente que aponta ganhos e diz ser um caminho sem volta. É possível alguma correção de rota?
O Brasil é signatário de tratados internacionais de direitos humanos, e todos nós devemos defendê-los. Isso não significa estar “a favor de bandidos” ou “de mocinhos”, mas sim de garantir um direito fundamental: quando o Estado retira a liberdade de alguém, essa pessoa deve ser ouvida imediatamente. Não é uma faculdade, é um direito.
No início, houve distorções, com análises superficiais ou sem produção probatória adequada. Hoje, a audiência de custódia está mais focada na análise da liberdade. Mas acredito que o instituto pode e deve evoluir. Ele pode se tornar também um ato de defesa e contribuir para acelerar a justiça.
Países como França e Alemanha têm processos penais mais rápidos, e isso é essencial. A demora na ação penal também viola direitos fundamentais, porque todo cidadão tem direito de saber, o quanto antes, se é culpado ou inocente.
A audiência de custódia ajuda a separar quem realmente precisa permanecer preso daqueles que não precisam estar encarcerados. Nos casos em que o Ministério Público discorda da soltura, cabe recorrer, e é isso que fazemos.
Aqui em Mato Grosso do Sul, muitos promotores são extremamente combativos, recorrem sempre que consideram decisões absurdas e, muitas vezes, obtêm êxito em instâncias superiores, defendendo a sociedade.
PERFIL
Alexandre Magno Benites de Lacerda
Natural de Campo Grande, onde se formou em Direito, Alexandre Magno Benites de Lacerda ingressou no Ministério Público de Mato Grosso do Sul em 2003. Com mais de duas décadas de atuação, destacou-se em diversas funções de liderança institucional. Foi chefe de gabinete por cinco anos e exerceu dois mandatos como procurador-geral de Justiça, sendo o primeiro promotor de Justiça eleito para o cargo no Estado.


