O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado na semana passada pelo governo federal, chegou trazendo investimentos para Mato Grosso do Sul. Entre eles está o contorno rodoviário na BR-158 e na BR-262, em Três Lagoas, e a confirmação pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, da retomada da construção da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN3).
Com a conclusão dessa fábrica, empresários e especialistas do agronegócio no Estado já vislumbram um impacto positivo para o setor, principalmente na redução dos custos de produção e na autossuficiência em adubos nitrogenados.
“Poderá impactar nos preços dos fertilizantes e reduzir os custos de produção. Além disso, a produção nacional trará redução nos custos de frete, pois não haverá necessidade da importação”, destaca Lenon Henrique Lover, consultor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Sistema Famasul).
Como adiantou o Correio do Estado na edição de 2 de fevereiro, a fábrica tem capacidade para produzir 30,4% do total de fertilizantes nitrogenados utilizados no País em 2022.
De acordo com os dados da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), no ano passado foram importadas 7,2 milhões de toneladas de ureia.
A produção anual da UFN3, quando estiver em pleno funcionamento, será de 1,3 milhão de toneladas de ureia, ou seja, 18,3% do total importado pelo País na época.
Ao se levar em conta outro fertilizante que será produzido na indústria de Três Lagoas, a amônia, foram importadas 6,6 milhões de toneladas desse item em 2022. A produção anual da fábrica será de 0,8 milhão de toneladas de amônia ou 12,1% do total. Portanto, considerando os dois fertilizantes citados, são 30,4% desses insumos que deixariam de ser comprados no exterior.
Economista do Sindicato Rural de Campo Grande, Staney Barbosa Melo analisa a finalização da indústria como uma medida necessária para atender o agronegócio, uma vez que, atualmente, o País importa mais de 80% dos fertilizantes que utiliza.
“Estamos falando de uma profunda dependência externa em um dos agronegócios mais competitivos do mundo, que concentra sozinho mais de 8% do consumo global de fertilizantes. Quando chega a safra, o produtor rural fica refém das cotações internacionais e não consegue ter previsibilidade de receita”, avalia.
Melo aponta ainda que, no ano passado, o Brasil importou aproximadamente 41,1 milhões de toneladas de fertilizantes e produziu internamente outras 7,45 milhões de toneladas.
“Ainda assim, a iniciativa é importante para a industrialização de nosso estado e certamente terá impactos positivos na futura emancipação do nosso agronegócio, levando em conta que o problema da dependência de fertilizantes importados só encontrará solução no longo prazo”, conclui.
O doutor em Economia Michel Constantino salienta que há um grande caminho a ser percorrido para que a fábrica comece a produzir insumos, mas que a médio prazo os resultados serão positivos para a agricultura de todo o País.
“Com um padrão de fertilizantes competitivos, ou seja, tendo preços acessíveis aos produtores rurais, o reflexo será favorável, porque teríamos uma empresa nacional concorrendo com preços internacionais, proporcionando produtos mais alcançáveis”, reflete.
REDEFINIÇÃO
Ao contrário do esperado, os recursos para a conclusão da planta de Três Lagoas ficaram de fora do PAC. Contudo, as obras no entorno foram vistas como um aviso ao que está por vir para a fábrica, conforme detalha o secretário da Semadesc, Jaime Verruck.
“Nós tivemos reuniões com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, com o ministro [da Agricultura e Pecuária, Carlos] Fávaro e com o vice-presidente, [Geraldo] Alckmin, para apresentar a situação da UFN3. Na oportunidade, o ministro Fávaro destacou o Plano Nacional de Fertilizantes, que visa a redução da dependência do produto”, confirma o responsável pela Pasta em MS.
Verruck também detalhou a situação em Mato Grosso do Sul diante da mobilização envolvendo a ação do governo estadual, da ministra Simone Tebet e da redefinição da Petrobras, que em março sinalizou que estaria retomando a obra.
“Todo esse conjunto de fatores motivou a decisão da estatal de finalização da fábrica”, reitera. Durante o anúncio das obras do novo PAC, Jean Paul Prates chegou até a mencionar a conclusão da UFN3 pela petrolífera, porém, sem dar mais detalhes.
No início da semana passada, houve um encontro de uma comitiva brasileira com o presidente da Bolívia, Luis Arce, para demonstrar que o governo brasileiro está interessado em retomar parceiras com a gestão boliviana. Um dos assuntos foi a ampliação do fornecimento de gás boliviano para o Brasil.
“Nessa ocasião, a ministra [Simone Tebet] apresentou à cúpula boliviana que precisamos ampliar o contato de gás e que precisamos ter também a disponibilidade de gás natural”, informa Verruck.
O gás natural é a matéria-prima para a produção de fertilizantes. Por conta disso, há tratativas de aumentar o fornecimento do combustível. Durante a reunião, ficou acertada uma visita de Prates e da comitiva brasileira ao presidente boliviano nos próximos meses.
HISTÓRICO
A UFN3 começou a ser construída em 2011. A fábrica integrava um consórcio composto por Galvão Engenharia, Sinopec (estatal chinesa) e Petrobras. Quando foi lançada, a planta estava orçada em
R$ 3,9 bilhões.
Os responsáveis pela Galvão Engenharia foram envolvidos em denúncias de corrupção, e as obras foram paralisadas.
A Petrobras absorveu todo o empreendimento desde então. Na época, a estrutura da indústria estava quase 81% concluída.
O processo de venda da UFN3 teve início em 2018 e incluía a subsidiária Araucária Nitrogenados (Ansa), fábrica localizada em Curitiba (PR). A comercialização em conjunto inviabilizou a concretização do negócio.
No ano seguinte, a gigante russa de fertilizantes Acron havia fechado um acordo para a compra da unidade.
O principal motivo para que o contrato não fosse firmado na época foi a crise boliviana, que culminou na queda do ex-presidente Evo Morales.
Em fevereiro de 2020, a Petrobras lançou uma nova oportunidade de venda da UFN3.
As tratativas só foram retomadas no início do ano passado com o mesmo grupo russo.
No dia 28 de abril de 2022, em comunicado ao mercado, a petrolífera anunciou que a transação de venda da fábrica para o grupo Acron não tinha sido concluída.
Ainda no mesmo ano, em junho, a Petrobras relançou a venda da fábrica ao mercado. Neste ano, em 24 de janeiro, a estatal anunciou o fim do processo de comercialização da indústria.
A fábrica está quase 81% concluída e deve receber aporte de R$ 5 bilhões (US$ 1 bilhão) para sua conclusão. Conforme representantes da gestão estadual, a estrutura tem sido conservada pela Petrobras e os recursos servirão para concluir as obras a partir do ponto em que foram paralisadas. (Colaborou Súzan Benites)