A maior disputa jurídica da história de Mato Grosso do Sul, pelo menos em termos financeiros, terminou ontem quando, em uma vitória apertada, pelo placar de 5 a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que o Estado age de forma legítima ao cobrar da Petrobras o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o gás natural importado da Bolívia.
O processo, que levou 14 anos para tramitar, foi julgado em dois dias. O tempo transcorrido ajuda a simbolizar sua importância. A estimativa das procuradorias dos estados envolvidos é de que no período de litígio foram arrecadados quase R$ 20 bilhões por Mato Grosso do Sul, dinheiro que São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul queriam parte.
Somente no ano passado, o Estado arrecadou R$ 1,13 bilhão com o gás natural, e o período citado foi um dos piores em termos de volume na importação do produto.
O processo sempre foi tenso. Mato Grosso do Sul foi amparado nesses 14 anos por quatro liminares que sustentaram a cobrança do ICMS, e nesse período foram inúmeras as tentativas, principalmente do estado de São Paulo, de reverter as decisões.
“É a consolidação de um direito defendido por nós, pela PGE [Procuradoria-Geral do Estado de MS] há 14 anos”, afirmou a procuradora-geral do Estado, Fabíola Marquetti Sanches Rahim.
O governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), comemorou a decisão do Supremo. “Não é dinheiro novo, mas evitou quebradeira na arrecadação”, disse. “Ganha o Estado e ganha toda a população”, complementou Azambuja.
COBIÇA
As ações originárias julgadas ontem foram todas ajuizadas por Mato Grosso do Sul. A primeira delas, a 854, foi contra o estado de São Paulo e o motivo foi que o estado vizinho lançou uma cobrança tributária contra a Petrobras, tendo como fato gerador a importação do gás natural. Para não pagar duas vezes o ICMS, a estatal comunicou Mato Grosso do Sul, que não hesitou em ajuizar a primeira das ações civis originárias. “Isso ocorreu em 2006. No ano seguinte, Rio Grande do Sul e Santa Catarina fizeram lançamentos parecidos e ajuizamos as outras ações”, conta Ulisses Shwarz, procurador de MS que fez ontem a defesa oral no julgamento do STF.
“É uma vitória importante e estratégica para o Estado. Representa entre 13% e 14% da receita de Mato Grosso do Sul, o que implica em um contexto que envolve de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões no período”, explica Shwarz.
“O trabalho foi feito. Agora vamos esperar pela segunda etapa, que é a publicação do acórdão”, analisa. “Nós podemos ainda ter embargos de declaração, recursos em relação a esta decisão. Também há um forte viés político, subjacente à questão jurídica neste julgamento”, completa.
JULGAMENTO
O viés político citado pelo procurador do Estado Ulisses Shwarz pôde ser visto ontem por quem assistiu à sessão de julgamento no STF. O ministro Luiz Roberto Barroso, quarto a votar na sessão, ao comentar o pleito do estado de São Paulo, fez uma fala ambígua citando o ministro Alexandre de Moraes, que foi favorável ao pleito do estado vizinho que, por coincidência, também é seu estado de origem. Barroso disse que Moraes teria preocupação com a causa. “Não tenho preocupação e não represento o estado de São Paulo”, corrigiu o ministro.
Moraes abriu divergência do voto de Gilmar Mendes, que por sua vez endossou em seu voto as teses usadas por Mato Grosso do Sul e pela Petrobras no processo. A Procuradoria-Geral da República, que havia sido contra o pleito sul-mato-grossense no processo anteriormente, foi um aliado de última hora e ficou do lado de Mato Grosso do Sul.
Mendes, relator da matéria que abriu caminho para a vitória de MS, foi taxativo: “A internalização econômica e nacionalização do gás natural ocorre em Mato Grosso do Sul”. “A Petrobras não é mera prestadora de serviços”, complementou.
Os estados vizinhos queriam a cobrança do ICMS do gás no destino, e Alexandre de Moraes, que abriu divergência, chamou a tributação do gás em Mato Grosso do Sul de “ficção jurídica”.
Como as estatais de gás que atuam no gasoduto não importam o produto diretamente da Bolívia e compram da Petrobras depois que a nota fiscal de importação feita pela estatal é lançada na sua filial de Corumbá, prevaleceu, por 5 votos a 4, a tese de que o imposto é de Mato Grosso do Sul.
Votaram com Gilmar Mendes os ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
Dias Toffoli, Marco Aurélio e Rosa Weber acompanharam Alexandre de Moraes. Luiz Fux, que abriu a sessão, ausentou-se dela e não votou. Os procuradores de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul tentaram adiar o encerramento do julgamento, mas o procurador de Mato Grosso do Sul Ulisses Shwarz foi assertivo: não se tratava de matéria de controle de constitucionalidade concentrado (em que a decisão gera efeitos para toda a sociedade), como as ações diretas, por exemplo, e sim da aplicação da Constituição sobre um caso específico. O argumento foi aceito pelos ministros e a sessão encerrou-se.