Incomodados com a atuação de Francisco Cezário, que estaria interferindo na Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul (FFMS) "por debaixo dos panos", clubes e dirigentes que fazem parte do quadro associativo convocaram uma nova assembleia geral extraordinária para o julgamento administrativo de supostos atos irregulares praticados pelo gestor, afastado da entidade por corrupção.
A convocação foi realizada pelo gestor interino, Estevão Petrallas. A reunião está marcada para as 14h, na CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), localizada na Rua Antônio Corrêa, 417, Jardim Monte Líbano, em Campo Grande.
De acordo com a apuração da reportagem, os clubes estão revoltados com o comportamento de Francisco Cezário, que, mesmo usando tornozeleira eletrônica, estava interferindo na troca do gestor interino Estevão Petrallas por João Garcia Ferreira, ex-presidente do Aquidauanense e um dos vice-presidentes executivos da entidade, sem consultar os clubes.
De acordo com a visão de alguns dirigentes ao Correio do Estado, Cezário foi ousado ao querer interferir na FFMS, mesmo sabendo que o Ministério Público "estaria na sua cola", realizando reuniões em sua residência com presidentes de clubes e dirigentes esportivos, além de acompanhar "de perto" as reuniões que eram realizadas na entidade.
Seguindo o edital da FFMS, Cezário tem agora 30 dias para apresentar sua defesa. Caso os associados deem seguimento à destituição, será votada uma nova convocação e agendadas novas eleições na entidade.
Cartão Vermelho
Cezário foi preso na manhã do dia 21 de maio deste ano, como um dos alvos da Operação Cartão Vermelho, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), que investiga o desvio de mais de R$ 6 milhões da Federação de Futebol de MS, entre os anos de 2018 e 2023. Somente na casa de Cezário, foram apreendidos mais de R$ 800 mil.
Menos de uma semana após a Operação, ele pediu afastamento do cargo. No dia 6 de julho, teve liberdade concedida, com o uso de tornozeleira eletrônica por 90 dias, e proibição de contato com demais acusados e testemunhas.
A liberdade só foi concedida porque no dia 5 de junho, Cezário deixou o Presídio Militar com um princípio de infarto, e precisou fazer um cateterismo, procedimento que trata doenças cardíacas por meio da introdução de um tubo flexível, o cateter. O problema aconteceu logo após ele tomar conhecimento falecimento da irmã, Maria Rosa Cezário, de 81 anos, que morreu naquele mesmo dia, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Na manhã do dia 28 de agosto, o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) foi à residência de Francisco Cezário para cumprir um novo mandato de prisão, desta vez por descumprimento das medidas cautelares impostas na concessão de liberdade.
Segundo o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), o ex-dirigente continuava a participar, nos bastidores, dos rumos da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul.
Investigações apontaram que Cezário articulava com aliados e fazia reuniões em sua própria residência com presidentes de clubes e dirigentes esportivos, além de acompanhar "de perto" as reuniões que eram realizadas na FFMS.
No despacho que concedeu liberdade a Cezário, a desembargadora Elizabete Anache, da 1ª Câmara Criminal do TJMS, havia determinado que o ex-presidente estaria proibido de:
- manter contato com os demais acusados e testemunhas;
- participar de atividades na FFMS;
- comparecer à sede da FFMS;
- se ausentar da comarca por mais de oito dias sem o prévio conhecimento e anuência do juízo natural;
- e mudar de endereço sem autorização.
- Tais medidas foram descumpridas pelo investigado.
- Inclusive, a reportagem apurou que, pouco antes de ser preso novamente, Cezário estaria articulando, por meio de abaixo-assinado, a troca do atual presidente da FFMS, Estevão Petrallás, por João Garcia Ferreira, que é ex-presidente do Aquidauanense e um dos vice-presidentes executivos da entidade.
O documento seria enviado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). No entanto, a tentativa foi malsucedida, já que a entidade decidiu por prorrogar em mais 90 dias o mandato interino de Petrallás.
Histórico
Oficialmente, Cezário comandou a entidade futebolística pela primeira vez em 1987, 37 anos atrás.
Neste período, ele ficou, em tese, fora do do comando da associação por quatro anos, entre 2001 a 2004, quando assumiu a prefeitura de Rio Negro, cidade distante 150 quilômetros de Campo Grande. Mesmo assim, controlava a Federação.
Cezário tentou reeleger-se prefeito, mas não conseguiu. Ele voltou para a FFMS e não saiu mais. Normalmente, ele concorre sozinho, sem adversários.
Votam nas eleições da FFMS dirigentes de associações (clubes profissionais), associações (clubes praticantes do futebol amador da capital e do interior) e ligas municipais amadoras. Em torno de 35 pessoas participam do pleito.
Segunda vez
A operação Cartão Vermelho não chega a ser uma novidade no histórico de Francisco Cesário. Ele já havia sido condenado, em 2009 em primeira instância e em 2010 a 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) ratificou a decisão para que cumprisse pena de quatro anos e cinco meses, em regime semiaberto, por desviar algo em torno de R$ 56 mil Federação de Futebol.
De acordo com a assessoria de imprensa do TJ, à época Cezário foi denunciado pelo Ministério Público por ter supostamente transferido recursos da FFMS para a conta particular.
Dizia ainda a denúncia que parte do dinheiro o presidente investiu em campanha política, quando era candidato a prefeito da cidade de Rio Negro, no fim da década de 90.
Na época, a denúncia foi baseada em provas levantadas pela PF em meio a uma CPI que investigou as relações entre a CBF e a Nike.
Operação Cartão Vermelho
Na manhã de 21 de maio, o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, passou sete horas na Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul em ação para deflagrar a Operação Cartão Vermelho, que tinha como alvo não apenas o presidente da FFMS, Francisco Cezário, mas também demais integrantes de uma suposta organização criminosa envolvida em lavagem de dinheiro.
Segundo o balanço, divulgado pelo Gaeco, as investigações já aconteciam há 20 meses, e constataram que foi instalada na Federação uma organização criminosa que desviava valores recebidos do Governo do Estado (via convênio, subvenção ou termo de fomento) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A quantia desviada era utilizada para benefício dos envolvidos no grupo, e não chegava a ser investida no futebol estadual.
"Uma das formas de desvio era a realização de frequentes saques em espécie de contas bancárias da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul – FFMS, em valores não superiores a R$ 5.000,00, para não alertarem os órgãos de controle, que depois eram divididos entre os integrantes do esquema", diz nota do Gaeco.
Usando desse mecanismo, os integrantes da organização realizaram mais de 1.200 saques, que somados ultrapassaram o valor de R$ 3 milhões.
A investigação também aponta que os suspeitos também possuíam um esquema de desvio de diárias dos hotéis pagos pelo Estado de MS em jogos do Campeonato Estadual de Futebol.
"Esse esquema de peculato estendia-se a outros estabelecimentos, todos recebedores de altas quantias da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul. A prática consistia em devolver para os integrantes do esquema parte dos valores cobrados naquelas contratações (seja de serviços ou de produtos) efetuadas pela Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul", explicou o Gaeco.
De setembro de 2018 a fevereiro de 2023, foram desviados da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul mais de R$ 6 milhões.
A operação batizada como “Cartão Vermelho” cumpriu 7 mandados de prisão preventiva, além de 14 mandados de busca e apreensão, nos municípios de Campo Grande, Dourados e Três Lagoas. Somente nesta manhã, foram apreendidos mais de 800 mil reais.
Saiba: O nome da operação, Cartão Vermelho, é autoexplicativo e faz alusão ao instrumento utilizado pelos árbitros para expulsar os jogadores que cometem faltas graves durante as partidas de futebol.