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A recente publicação da “Strategic Defence Review 2025” pelo governo do Reino Unido não é apenas mais um documento de planejamento militar. Trata-se de um alerta contundente: a era do pós-Guerra Fria deu lugar a um novo ciclo de tensão global, no qual guerras interestatais, retórica nuclear e competição tecnológica voltam a ocupar o centro das estratégias de segurança das grandes potências. E o Brasil é citado, com destaque, nesse reposicionamento.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, representou um divisor de águas para a segurança europeia. Demonstrou que o uso da força para a mudança de fronteiras, considerado anacrônico, voltou a ser uma ferramenta geopolítica. Para o Reino Unido, isso exige um realinhamento completo de suas Forças Armadas, com foco em prontidão, dissuasão e capacidade de resposta em conflitos de alta intensidade.
O documento afirma que o país estará pronto para uma guerra de larga escala em até 10 anos. Mais do que retórica, a promessa vem acompanhada de investimentos concretos: aumento dos gastos em defesa para 2,5% do PIB até 2027, construção de novos submarinos, reforço na ciberdefesa e reorganização completa da estrutura de comando militar.
Em paralelo, os Estados Unidos, tradicional garantidor da segurança europeia, estão redirecionando suas atenções para o Indo-Pacífico, especialmente diante da ascensão da China. Washington segue como principal aliado de Londres, mas não é mais o escudo exclusivo da Europa. Esse vácuo parcial de liderança obriga aliados europeus, como o Reino Unido, a França e a Alemanha, a assumirem maior protagonismo. A doutrina Nato First, destacada na revisão, não significa “somente Nato”. Londres reconhece que a segurança é cada vez mais global e interconectada, com o ciberespaço, o ártico, o espaço e o ambiente informacional como novos domínios de disputa. E é nesse contexto que o Brasil aparece.
Em um gesto simbólico e estratégico, o documento britânico menciona o Brasil como parceiro prioritário na América Latina. É uma distinção rara, ainda mais considerando que a Argentina – rival histórica do Reino Unido na questão das Malvinas – não é sequer citada.
Trata-se de uma aposta no Brasil como país com estabilidade relativa, capacidade regional e perfil democrático. Em um continente marcado por desafios de governança, insegurança urbana e crescente influência chinesa, o Brasil surge como possível elo entre a América do Sul e os interesses euro-atlânticos.
No entanto, essa posição implica responsabilidades. A tradição brasileira de autonomia pela diversidade, que busca não se alinhar rigidamente a nenhum bloco, será colocada à prova. Estará o Brasil disposto a se engajar em uma ordem internacional cada vez mais bipolarizada entre o Ocidente e a China? E como preservar sua soberania decisória diante dessa pressão por alinhamento?
O documento britânico traça um retrato preocupante do mundo atual: ataques diários abaixo do limiar da guerra, avanço de tecnologias letais, militarização do ciberespaço, e erosão das normas que evitavam conflitos entre potências. A estabilidade estratégica, sustentada por décadas de acordos multilaterais, está sendo minada.
Nesse ambiente, o Reino Unido aposta na inovação, na digitalização e em alianças flexíveis. Os britânicos reconhecem que não serão capazes de proteger seus interesses sozinhos e que alianças globais serão decisivas para a segurança compartilhada. A menção ao Brasil, portanto, não é apenas um gesto diplomático, é uma convocação.
Para o Brasil, o desafio é claro: ignorar esse novo tabuleiro pode significar irrelevância. Mas aderir a ele de forma ingênua pode custar caro em termos de autonomia. É preciso um debate nacional qualificado sobre o papel do País nesse novo ciclo geopolítico. O Itamaraty, o Ministério da Defesa, a sociedade civil e a comunidade acadêmica precisam estar no centro dessa reflexão.
O Reino Unido se prepara para a guerra. E chama o Brasil para conversar. A pergunta que fica é: estamos preparados para responder à altura?




