Mesmo desejando diariamente a maternidade, e tendo se preparado para engravidar por um ano, Michele Gomes de Almeida, 30 anos, faz parte da estatística de mulheres que interromperam a gestação no Brasil.
Ela teve de lidar com toda a problemática do aborto aos cinco meses de gravidez, depois de descobrir que em seu ventre crescia um bebê sem cérebro – condição chamada pela medicina de anencefalia.
No mesmo dia em que revelou que seu primeiro filho seria um menino, o ultrassom também mostrou que havia nele uma anomalia congênita grave.
“Vi que ele não tinha a parte de cima da cabeça. Foi uma dor que eu não sei descrever”.
A não sobrevivência do feto, neste e em outros inúmeros casos atendidos por ginecologistas do mundo inteiro, é uma certeza da obstetrícia: crianças anencéfalas sobrevivem muito pouco tempo fora do útero.
No Brasil, diferentemente de muitos países europeus, da Argentina e até do Irã, a decisão de antecipar ou não o parto nestas circunstâncias cabe à Justiça e não à mulher que recebe este diagnóstico.
Atualmente, se a grávida opta por não dar continuidade à gestação de um feto anencéfalo ela precisa iniciar um processo jurídico cujo desfecho, favorável ou não à interrupção, depende da decisão individual de um juiz.
A legislação vigente autoriza o aborto só em caso de estupro ou risco de morte à mãe. Não é falado claramente sobre a anencefalia, apesar da condição aumentar o risco de complicações físicas e psicológicas para a gestante, como explica o professor emérito de ginecologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Aníbal Fauntes: “além de todas as ‘feridas psicológicas’ que geram, os bebês anencéfalos são maiores e há maior incidência de deslocamento de placenta e complicações cardiovasculares importantes na mulher”.
Há sete anos, o assunto entra e sai da pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). A discussão ficou em suspenso até agora e não há uma diretriz uniforme para acolher as mulheres que chegam com fetos anencéfalos aos juizados. Após o parecer favorável dos ministros à legalização de outro tema polêmico – a união homoafetiva – tudo indica que o aborto em caso de anencefalia deve ser o próximo julgado pelo STF.
O aguardo pelo posicionamento do STF é vivenciado com expectativa e receio. De um lado, especialistas defendem a antecipação do parto. Do outro, entidades civis e religiosas que não concordam com a interrupção do que acreditam ser o início da vida.