Artigos e Opinião

ARTIGO

Rui de Oliveira Luiz:
"Solidariedade ou comprometimento?"

Delegado de Polícia aposentado

Redação

06/04/2015 - 00h00
Continue lendo...

O passado deve estar sempre presente na memória de um povo. Este é um princípio justo que revive o altruísmo e as atitudes daqueles que buscam o bem estar de todos. 

Algumas vezes o bem e o mal se misturam, invocando uma análise personalíssima, chegando até a um impiedoso sofisma.  Recordo, em rápida reminiscência, sem envolver-me no misticismo e no saudosismo de gestos e atitudes que revelaram a solidariedade humana, que não se confundem. Por isso, indaga-se: pode a prática de um bem afastar ou absolver quem praticou o mal?

Um fato real ocorrido no fluir de 1997 deve ser trazido ao espírito analítico do intérpetre, para uma profunda reflexão. Verdade. 

Um rapaz e uma moça, ambos de origens humildes, sem profissão sobreviviam de restos de comida que lhes eram dados por pessoas que entendiam aquela situação dramática de vidas humanas. Dia de muita chuva, se conheceram na Praça Dr. Ary Coelho. Aconteceu naquele momento a troca de olhares - seguidos de confissões de amor. Ele disse: sou pobre. Ela respondeu: eu também, tudo num só momento e, em expressões misturadas, disseram: VAMOS VIVER JUNTOS. 

Iniciou-se uma união estável. Sobreviviam de pequenas esmolas e restos de comida. Dormiam em um pedaço de papelão e tinham como utensílios domésticos, para refogar sem gordura o alimento do casal, duas latas de azeite (vazias), que houvera ganhado de pessoas de bom coração. 

Animados pelo analfabetismo, pela bebida e, principalmente pelo amor, começou a formar uma família, pois aquela moça engravidou. Com a gravidez, seus pais tentaram ajudá-la, mesmo sendo pobres também. 

Ao dar-lhes a notícia de que iria levá-la para casa, bateu-lhe o desespero.  Na iminência da separação, o casal consultou uma senhora amiga e muito conhecida na zona sul da Capital. Essa senhora, que se tornou consultora do casal, cuidava de seis crianças que foram encontradas abandonadas na rua e era também protetora de cinco cães. Essa consultora e conselheira fazia diariamente o uso de bebidas alcoólicas, mas era lutadora incansável, vendia frutas em um carrinho construído com rodas de bicicleta. O pouco dinheiro que ganhava somando as doações de ossos bovinos que recebia, alimentava as crianças com uma suculenta sopa.  

Sentados em um banco na praça discutiram e concluíram que a fuga era a única saída para o casal. Reuniram as peças de roupas esfarrapadas e encardidas, partiram sem norte. Foram pernoitar debaixo de uma árvore na rodovia Campo Grande - São Paulo, logo após o antigo posto da Polícia Federal, que na época ainda não existia. 

No dia seguinte, aquela moça deu à luz um menino, sem nenhuma experiência de parto. A criança nasceu inteiramente desassistida, sem cueiro e sem fralda, sem mamadeira, alimentando-se unicamente de leite materno, enfraquecido pela desnutrição da genitora. Diante daquela situação e do choro copioso do menino, o casal voltou a procurar a conselheira na Vila Jockey Club, onde chegou por volta das 16h. Pai, mãe e filho foram recebidos gentilmente. Chegando àquela tenda de lona, conheceram um senhor que se identificou como namorado da conselheira.  A alegria foi intensa iniciando-se a comemoração regada à bebida alcoólica “pinga tatuzinho”, quando então a conselheira conduziu o namorado a um cômodo, dividido por pedaços de cobertores velhos e, animados pelo efeito da bebida e da música sertaneja, tentavam manter relações íntimas, mas o choro da criança (bebê) que ainda tinha o cordão umbilical inteiro, tirava-lhes a libido. 

Nesse momento de tentativa frustrada, a conselheira gritava incessantemente: Mãe - faz essa criança parar de chorar. A criança estava sobre um pequeno colchão de mais ou menos 20 cm por 40 cm. Tinha ao seu lado uma lamparina de pavio de pano embebido em querosene. Besuntou-se também um trapo e colocou sobre a barriga do bebê, imaginando que a dor era umbilical. Como o choro e soluço continuaram a conselheira deu nova ordem, desta feita era para a parturiente cantar, preferencialmente a música “Dê amor pra quem te ama” (Milionário e José Rico)

O choro parou, a criança morreu, porque aquela lamparina caiu sobre seu corpo e incendiou o trapo que houvera sido colocado sobre o umbigo do menino. Flagrante desespero. Uma vida precocemente se foi. O que fazer?

No alvorecer da manhã seguinte, a conselheira e a parturiente levaram o corpinho do menino às escondidas e o sepultaram em um cemitério clandestino, situado à época numa estrada vicinal que dava acesso à zona rural, denominada Três Barras. A morte não foi planejada, mas a ocultação sim.

A imprevisão dos envolvidos aconteceu, a conselheira e a mãe da criança foram presas, porém, sérios problemas sociais surgiram, vez que seis crianças ficaram desamparadas e se aglomeravam na delegacia. Inocentemente corriam nas dependências da unidade policial na expectativa de ter de volta aquela mulher que exerceu, carinhosamente, o papel de mãe uterina. A liberdade da conselheira e da parturiente era, naquele momento, medida que se impunha.

Levadas a júri popular, a conselheira e a mãe da criança foram absolvidas, por decisão unânime dos jurados, prevalecendo, dessarte, a tese sustentada pelos criminalistas: dr. Luiz Carlos Saldanha e pelo saudoso e destacado tribuno dr. Gilberto Gonzales.

O que teria prevalecido; o bem se sobrepôs ao mal?

EDITORIAL

Propag: uma decisão que dura décadas

O secretário de Estado de Fazenda de Mato Grosso do Sul pode até decidir o que prefere destacar, o que não pode é decidir o que a sociedade tem o direito de conhecer

16/12/2025 07h15

Continue Lendo...

O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) foi desenhado para revisar termos das dívidas estaduais e permitir quitação em até 30 anos, com encargos menores, atrelando parte do alívio fiscal a investimentos e mecanismos de equalização federativa.

O prazo de adesão termina no dia 31. Trata-se, portanto, de uma decisão com efeitos fiscais, políticos e institucionais de longo prazo.

É justamente por isso que causa estranheza quando um movimento dessa magnitude parece avançar sem publicidade compatível com o tamanho do que está em discussão. Ainda que os ritos formais estejam cumpridos, e o Diário Oficial exista para isso, há decisões que não se esgotam no “publicou e pronto”.

A adesão ao Propag mexe com dívida e espaço fiscal, e isso exige mais do que um carimbo burocrático: exige explicação, justificativa e escrutínio.

Matéria publicada pelo Correio do Estado apontou que a adesão pode ser benéfica e abrir folga fiscal bilionária para os próximos anos. Se isso ocorrer na prática, melhor ainda.

Mas, justamente por ser uma oportunidade desse porte, não faz sentido que a sociedade seja informada por textos que parecem exigir esforço de “investigação”, recortes, vazamentos, boatos e notas lacônicas para compreender o básico. Decisão pública não pode depender de rumor para vir a conhecimento.

O secretário não é apenas o gestor do caixa, é, por definição, o guardião das chaves do cofre e da confiança do governador.

Seu dever não é somente buscar a melhor alternativa financeira, mas assegurar que a população, o Legislativo e os órgãos de controle entendam o que está sendo feito – por que, com quais condições, com quais impactos e com quais riscos.

Publicidade, aqui, não é uma peça de marketing nem release, muito menos demanda jornalística, quando se dão ao luxo de responder, é transparência, informação completa, tempestiva e verificável sobre atos que mexem com o dinheiro de todos.

Quando uma medida desse porte avança sem clareza por parte do secretário, o problema deixa de ser meramente jurídico e passa a ser de transparência. O silêncio produz um efeito inevitável: parece tentativa de fugir de perguntas. E perguntas são inevitáveis e legítimas.

Quais são os termos efetivos da adesão ao Propag? Há contrapartidas obrigatórias? Quais metas de investimento são exigidas e em quais prazos? Que impacto a adesão ao programa traz para a capacidade de investimento do Estado nos próximos anos? Há cláusulas que podem amarrar decisões futuras? Serão oferecidos ativos com lastro? Se sim, quais? Como foram avaliados? Quem avaliou? Esse tipo de compromisso atravessa mandatos e o que ficará para a próxima geração.

Boa governança começa pelo óbvio: se a decisão é boa, não há motivo para tratá-la sob reserva. Pelo contrário, quem tem convicção expõe os fundamentos, abre números, apresenta cenários e convida ao debate. Transparência não atrapalha, transparência protege a própria decisão.

Nada disso impede a adesão ao Propag, pelo contrário, torna a adesão mais legítima e menos vulnerável a ruídos. O que fragiliza não é a discussão, é o vazio de explicações.

O secretário precisa compreender que publicidade não é um favor à imprensa nem ao cidadão, é um dever institucional. É a materialização do princípio de que o erário não pertence a gabinete nenhum, pertence à sociedade.

Se o Propag é uma oportunidade, que seja tratado como tal: com informações completas. Se o secretário quer ser reconhecido como pilar de responsabilidade, não pode agir como se decisões fiscais estruturantes fossem assunto restrito a poucos. Confiança é ativo que não se negocia e, uma vez perdida, dificilmente se reconquista. 

ARTIGOS

Relaxa: você não precisa ter opinião sobre tudo

Estudo recente sobre comportamento em comunidades digitais revelou que quando alguém percebe que a opinião é minoritária, tende a manter o silêncio

15/12/2025 07h45

Continue Lendo...

Existe uma ansiedade silenciosa no ar: a sensação de que você deveria ter uma opinião pronta para cada assunto que aparece no feed. Um acontecimento político numa terça, um comentário de influencer numa quarta, uma treta musical na quinta.

E se você não fala nada, parece que está sendo omisso, alienado, cúmplice ou qualquer outra palavra grande que as redes adoram jogar. Mas a pergunta que vale mais do que todas as indignações do dia é simples: quem disse que você precisa opinar sobre tudo?

A verdade é que a internet criou uma espécie de olimpíada de opiniões. E a largada é dada a cada nova notificação. Só que, quando você olha os números, percebe que esse universo não é tão povoado quanto parece.

Uma pesquisa mostrou que 55% dos americanos já deixaram um comentário on-line em algum momento e 77,9% já leram comentários. Significa que tem muita gente olhando, mas só metade de fato escrevendo alguma coisa.

Quando se vai para os jovens, 55% dizem postar opiniões com frequência e 71% afirmam estar mais confiantes do que nunca para fazê-lo. De novo, parece muito, mas não é todo mundo. É só uma parte barulhenta.

Do outro lado tem um dado incômodo. Um estudo recente sobre comportamento em comunidades digitais mostra que, quando alguém percebe que a opinião dele é minoritária, 72,6% simplesmente ficam em silêncio.

A espiral do silêncio continua funcionando mesmo num ambiente que promete liberdade absoluta para falar o que quiser. Ou seja, o barulho das redes às vezes é menos democracia e mais repetição. A impressão de que “todo mundo está falando” pode ser só a repetição de um mesmo grupo de pessoas com muita disposição e pouco cansaço.

E vale lembrar que esse palco é enorme. O mundo tem 63,9% da população usando redes sociais. É muita gente. São horas diárias rolando tela, consumindo milhares de pequenos estímulos. Nesse ambiente, a opinião virou quase um gesto automático.

Às vezes você nem sabe exatamente o que pensa, mas já sente a pressão de ter que dizer alguma coisa. Ser rápido se tornou mais importante do que ser cuidadoso. E isso tem consequência.

Opinar o tempo todo transforma a discussão pública em uma competição permanente. Você não compartilha uma ideia, você disputa espaço. E existe um dado que mostra o quanto isso escalou: em uma pesquisa internacional, 20% das pessoas disseram que às vezes é necessário ser rude nas redes para que sua opinião seja ouvida.

Um quinto das pessoas já acredita que a forma de existir no debate é gritando. Não tem nada de saudável nisso. Só desgaste.

Talvez seja por isso que, silenciosamente, muita gente está cansada. Opinar sobre tudo virou um tipo de exaustão emocional. Até porque, para opinar sobre tudo, é preciso estar o tempo todo sabendo de tudo. E começar a falar menos pode não ser um gesto de covardia, mas de inteligência.

Você não precisa ser comentarista integral do mundo. Pode escolher onde sua voz realmente importa. Pode esperar. Pode investigar. Pode até mudar de ideia sem precisar explicar isso para ninguém.

Quando quase metade das pessoas não comenta e três quartos se calam quando acham que estão sozinhas, significa que o silêncio não é falta de interesse. É um pedido de pausa. É uma escolha. Não é uma desistência do debate, é só uma forma de não ser engolido por ele.

A ideia de que você precisa ter opinião sobre tudo é só mais uma pressão inventada pela lógica das plataformas. Você não é obrigado a entrar em todas as conversas. Nem deve. O valor da sua voz não está na frequência, está na relevância.

E, às vezes, a decisão mais lúcida é ficar quieto por alguns minutos, horas ou dias. Porque pensar é um processo mais lento do que postar. E tem coisas que não precisam de urgência. Precisam de reflexão. Aliás, a maioria delas.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).