Em alusão ao mês da mulher, o Correio do Estado está apresentando nas entrevistas semanais deste mês personalidades femininas locais que atuam em diferentes segmentos de impacto na vida das sul-mato-grossenses.
Neste fim de semana, a entrevistada é a empreendedora, mãe e sobrevivente da Covid-19, a campo-grandense Graziele Crepaldi de Sousa.
Grávida de 8 meses, em março de 2021, Graziele e seu marido, Leandro Vieira Cavalcante Nobre, 33 anos, contraíram a Covid-19. Com um quadro delicado, a empreendedora precisou passar por parto antecipado e logo em seguida ela e o marido foram intubados.
Ela conta que Leandro não resistiu e faleceu em abril do ano passado. “Descobrimos que estávamos com Covid-19 e logo o nosso quadro de saúde ficou bem debilitado, fomos internados. Eu estava grávida de oito meses, precisei dar à luz a minha filha Leandra, e um dia depois estávamos sendo intubados. Meu marido só conheceu a nossa pequena por fotos e um vídeo”, conta.
Emocionada, ela revela que o último contato que teve com o marido foi por meio do vídeo que ele deixou se despedindo.
“O último contato que tive com o Leandro foi pelo vídeo que ele nos deixou antes de ser intubado. É tão difícil, dói muito. Eu estou me refazendo, por mais impossível que seja, tiro minha força dos meus filhos, de Deus, eles me movem. Agora eu sou mãe e pai, preciso ser forte, por mim, pelo Leandro, pelos nossos filhos”.
Após vencer algumas das barreiras deixadas pela Covid-19 e pelo trauma da perda que viveu, Graziele e sua sócia agora trabalham focadas no objetivo de abrir uma cafeteria.
“Passei por muita coisa nesses meses depois de sair do hospital, tive depressão pós-parto, perdi meus movimentos e a memória em decorrência da Covid-19, mas me recuperei sozinha e agora estou trabalhando pesado para conseguir abrir uma cafeteria com a minha amiga, vai ser meu novo ganha-pão, falta pouco para conseguirmos. Já estamos atendendo por delivery”, contou à reportagem.
Graziele Crepaldi de Sousa - Perfil
Natural de Araçatuba (SP), Graziele mudou-se para Campo Grande há 20 anos, onde concluiu o Ensino Médio.
Trabalhou com vendas durante toda a vida e empreendeu em uma loja de roupas, mas teve de fechar o negócio para cuidar de seu filho.
Anos depois, voltou a empreender com o marido, com quem foi casada por 13 anos. Hoje, é mãe de duas crianças e está prestes a inaugurar sua cafeteria.
Como a pandemia de Covid-19 impactou nas mudanças da sua vida?
Eu era casada com o Leandrinho Multimarcas, pegamos Covid-19 juntos, fomos os dois internados ao mesmo tempo. Eu estava grávida de 8 meses da Leandra. Por conta da doença, minha filha nasceu prematura e foi direto para a incubadora.
Logo depois do nascimento da Leandra, nosso quadro de saúde piorou muito rápido e fomos intubados. Meu marido não resistiu e faleceu.
Fiquei com várias sequelas, saí do hospital na cadeira de rodas, fui diagnosticada com depressão pós-parto. Além disso, meu filho Miguel, de 4 anos, tem espectro autista, ele não fica longe de mim, então não estava dormindo nem comendo.
Meu esposo tinha uma loja de roupas masculinas e uma barbearia. Aí eu tive que me desfazer das empresas, porque elas estavam com dois aluguéis atrasados, eu queria muito ter continuado com a barbearia, mas o barbeiro disse que queria abrir uma para ele.
Comecei a andar sem fisioterapia, comecei a falar sem fonoaudiólogo, tive uma amiga que cuidou muito de mim, ela trocava minha fralda, dava banho. E isso foi a minha vida durante a pandemia. Nos últimos meses, eu estava sem eira nem beira, e agora estou tentando me reconstruir.
Havia medo da parte de vocês em relação à pandemia? Como está a sua situação agora?
O Leandro sempre teve medo de pegar, me falava que tinha medo de morrer e dizia que se pegasse Covid-19 morreria. Ele não era como muita gente que nega a doença, não, ele acreditava, nós sempre acreditamos. Quando ele fez o exame, me ligou e falou que ia morrer, ele sofria de ansiedade e estava acima do peso, eu acredito que a ansiedade agravou muito o estado dele.
Meu marido estava ansioso para poder se vacinar, eu tenho certeza que se ele estivesse vacinado ele estaria aqui hoje, faltou a vacina, o governo não foi rápido e nós sofremos com isso hoje. Quando tomei a vacina, depois de meses, eu fiquei tão emocionada, chorei muito, queria que ele tivesse tido essa oportunidade. Eu ainda tenho sequelas da doença, tenho uma perda de memória muito grande e cansaço, conforme faço alguma atividade física.
Durante a sua recuperação da Covid-19, você disse que enfrentou um momento desafiador da maternidade, que foi a depressão pós-parto, como foi esse período?
Eu tive depressão pós-parto quando a Leandra nasceu, não queria ver ela, fui buscar minha filha na casa da minha tia com três meses de vida, não conseguia escutar o choro dela e eu não aceitava a morte do meu marido, eu e ele tínhamos tantos planos, ele só tinha 33 anos e estava tão feliz com a vinda da Leandra.
Deus foi minha fortaleza nesse momento, eu não fiz acompanhamento psicológico porque não tenho tempo de me tratar, não tenho como ir para o psicólogo, meu filho não fica com ninguém, minha filha é uma bebê de colo, eu chorava todos os dias, pedia muito perdão, porque eu julgava muitas mães que diziam ter passado pela depressão pós-parto, porque eu não entendia como uma mãe não ia querer ver seu filho, ficar pertinho. E eu me vi passando por aquilo, eu falava para as minhas amigas, “essa doença realmente existe, e nós mulheres criticamos em muitos momentos as que estão passando por isso”, eu vivi na pele, é horrível.
Eu chorava desesperadamente todos os dias, porque sentia amor pelo meu filho e não conseguia sentir pela minha bebê. Não conseguia olhar para ela. Foi um processo, um dia após o outro, minha família não me julgou, mas, quando busquei ela, ficaram com medo, meu tio até sugeriu eu esperar até ela completar um ano, e eu insisti porque sabia que ela estava começando a reconhecer, e ela não ia me identificar como mãe dela, não queria perder isso, meu filho já não me chamava de mãe, isso era muito doloroso. Aí eu trouxe e deu tudo certo, me recuperei e as coisas fluíram, sempre eu e os dois.
De onde você tirou forças e como você lida sendo agora uma figura imprescindível na vida dos seus filhos? Você conta com uma rede de apoio?
Tiro força dos meus filhos, eles me movem. Agora eu sou mãe e pai, preciso ser forte. Eu senti que precisava ser mais forte do que nunca, por eles, somos nós três agora, é lógico que eu tenho apoio tanto da família do meu marido quanto da minha, eles me ajudam muito, mas, mesmo assim, sinto que agora preciso me superar. Mas é difícil, vivo um dia de cada vez.
No velório do meu marido, passaram 300 pessoas por lá, todas bateram no meu ombro e me ofereceram ajuda, hoje não posso contar com essas pessoas. Sou eu e Deus, e eu estou aprendendo a lidar com tudo e ser o suporte que eles precisam, ser a melhor versão de mim. É uma fase, vai passar.
Como surgiu a necessidade de empreender e quais os desafios?
Minha amiga me fez essa proposta de juntas reabrirmos a cafeteria que ela teve de fechar na pandemia. Ela me disse que seria difícil arrumar um emprego de carteira assinada tendo de dar atenção para os meus filhos, nessa minha rotina.
Então, ela falou que podíamos revezar turnos, e a gente vai levando. Eu entrei só com o trabalho, sem nenhum dinheiro no bolso. Foi de Deus a proposta dela e há um mês embarcamos nessa jornada, prevemos que em dois meses vamos inaugurar a cafeteria. Mas já estamos atendendo por delivery.
Eu amo empreender, eu conheço muita gente em Campo Grande, trabalhei muito tempo no comércio, já tive loja de roupas, meu marido e eu empreendemos por 10 anos em casa para depois ter um comércio na rua. Agora estou em busca da cafeteria e me inspiro em muitas mulheres empreendedoras aqui da Capital. Sinto que muitas mulheres estão conquistando o seu espaço, todas focadas na sua independência financeira.
Quais os principais obstáculos que você precisou enfrentar ao assumir por completo a responsabilidade de prover e cuidar dos seus filhos?
São tantos obstáculos, mas, para mim, o pior obstáculo que estou enfrentando é o preconceito das pessoas com o meu filho diagnosticado com o espectro autista. Hoje, é difícil alguém me convidar para ir em casa, tomar um chá, conversar, lido com o preconceito dentro da própria família. Os obstáculos financeiros também, mas recebo ajuda de ambas as famílias, a do meu marido e a minha, eles me ajudam a pagar uma luz, internet, comprar o leite da Leandra.
Você sente a ausência de programas que atendam famílias de pessoas com o espectro autista?
Eu acredito que os governos federal, estadual e municipal até prestam apoio para o tratamento de quem é avaliado com o espectro autista. Mas não prestam apoio para os pais, responsáveis por aquela pessoa com autismo, a gente não tem um tratamento, uma palestra. É algo difícil e não somos orientados. Então, acho que é preciso um suporte.




