A modificação proposta pela Câmara Municipal do projeto de lei Nº 11.274/24, que altera a lei nº 6.795 sobre o uso do solo na zona de expansão urbana (ZEU), se sancionada, pode causar um processo de insegurança jurídica na instalação de novos empreendimentos em Campo Grande.
Como já noticiado pelo Correio do Estado, a emenda aprovada pela Câmara Municipal, que corta do texto enviado pelo Executivo o termo “contíguas”, praticamente “rasgou” o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Campo Grande (PDDUA).
O termo ajudava a delimitar o loteamento na zona de expansão, estabelecendo que ele deveria ser próximo ao perímetro urbano.
A retirada da necessidade de novos empreendimentos serem construídos próximos do perímetro urbano, determinado no Plano Diretor, pode significar que construções habitacionais poderão ser feitas em qualquer área onde haja uma via oficial, ou seja, a emenda abre a possibilidade de novos bairros surgirem distantes da zona urbana.
Além dessa mudança, outro imbróglio que pode gerar a insegurança jurídica é a briga entre moradores de bairros nobres da Capital contra a verticalização em áreas onde o Plano Diretor permite a implantação de torres.
De acordo com o arquiteto e urbanista Ângelo Arruda, que fez parte da elaboração do Plano Diretor de Campo Grande, não há necessidade urbanística de se aumentar a delimitação da zona urbana da cidade.
“Não têm cabimento no ponto de vista urbanístico se fazer isso [expandir a zona urbana], porque não há necessidade, o Plano Diretor ainda têm cinco anos em vigor, e temos mais cinco para fazer a revisão. E no momento que existe a tentativa de regulamentar algo novo, dentro de um plano que está em processo de regulamentação, traz essa insegurança”, explica o arquiteto.
A criação de um conjunto habitacional no espaço rural, por exemplo, que vai além do perímetro da zona de expansão urbana, e passa a ser reconhecido como zona urbana através de pagamento de outorga onerosa, pode acarretar em novos bairros no entorno do empreendimento, que gerariam altos custos de investimento em infraestrutura para o município.
Problemas recorrentes da cidade, como o alto custo da tarifa do transporte coletivo, podem ser mais agravados com a expansão do perímetro urbano, e consequentemente, o aumento de linhas de ônibus.
“Urbanizar uma área muito longe do último estágio de ligação urbanística, com área de moradia, vai gerar processos de custos de bens de serviços que serão caros para todo mundo. Porque é preciso saber quantas pessoas vão morar lá, se terá ônibus, água, luz para o município prover”, disse Ângelo.
Outro ponto destacado pelo arquiteto, é que a zona urbana existente é mais que o suficiente para comportar os mais de 900 mil moradores da cidade.
Segundo o arquiteto, se comparado a quantidade populacional de moradores por hectares da cidade, existem 27 habitantes por hectare em Campo Grande, sendo que o Plano Diretor estipula que a zona urbana poder comportar uma média de 55 habitantes por hectare.
“Temos uma cidade pronta, que não precisa crescer o perímetro urbano, e que pode comportar até 1 milhão e 940 mil habitantes em até 78 anos de crescimento populacional”, destacou.
CASO MORENINHAS
Um dos exemplos das consequências que podem acarretar a urbanização com construção de habitações fora do perímetro urbano pode ser visto no processo de criação do bairro das Moreninhas, há 40 anos.
Segundo o Ângelo Arruda, quando a agência de habitação do Estado, em 1981, construiu 2 mil casas na zona rural de Campo Grande, não havia, por parte do poder público, a estrutura necessária para comportar em torno de 20 mil pessoas que passaram a morar na região, afastados da zona urbana, sem vias de acesso para a cidade.
Apenas ao longo dos anos, o bairro isolado das Moreninhas começou a receber rede de esgoto, pavimentação, vias de acesso ao bairro com a chegada de linhas de transporte público, entre outros recursos.
Segundo o Plano Diretor de Campo Grande a Zona de Expansão Urbana (ZEU) é constituída de áreas próximas ao perímetro urbano, dedicadas as atividades rurais e destinadas como reserva para a expansão urbana e implantação de grandes equipamentos urbanos e rurais.
VAZIOS URBANOS
O município de Campo Grande convive há décadas com o problema dos vazios urbanos existentes na cidade, que são terrenos sem nenhuma construção ou ocupação, tendo esta situação em bairros que estão diretamente ligados a zona de expansão urbana.
Segundo estudo realizado pela Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano (Planurb), sobre as diretrizes de ocupação para a zona de expansão urbana, “a combinação da existência dos vazios com a possibilidade de se ocupar a Zona de Expansão Urbana gerará a descontinuidade do tecido urbano, o que vai contra os princípios do plano diretor”.
Ou seja, propostas de medidas de ocupação fora da continuidade da zona de expansão urbana, podem multiplicar os vazios urbanos já existentes na cidade, o que causará novas pressões por ocupação e novas dificuldades de colocar em prática o planejamento urbano de Campo Grande.
“Ainda temos em torno de 34% de vazios urbanos em Campo Grande, estes vazios pioram a qualidade de vida, segurança pública e o saneamento básico. Eles só são necessários para que se faça o adensamento populacional no perímetro urbano, sem precisar que se retire as áreas verdes da cidade”, pontuou Ângelo Arruda.
SAIBA
O Plano de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Campo Grande foi discutido por mais de um ano e aprovado em agosto de 2019. O instrumento faz parte de processo de planejamento municipal.