Ao contrário do que foi anunciado em maio, quando da concessão da licença de instalação, os milhares de trabalhadores que vão atuar na construção da megafábrica de celulose da Arauco não serão mais alojados nas imediações do canteiro de obras, mas a 40 quilômetros de distância.
Porém, também não ficarão na cidade mais próxima, que é Inocência. Segundo o comando da multinacional Arauco, um alojamento será construído a cerca de 10 quilômetros da cidade. Ou seja, serão instalados longe da cidade e mais longe ainda da fábrica, no “meio do nada”.
A fábrica, que demandará investimentos da ordem 4,6 bilhões de dólares, ou mais 25 bilhões de reais, começa a ser instalada a partir de maio do próximo ano às margens da MS-377 e próximo ao Rio Sucuriú, a 50 quilômetros da área urbana de Inocência, na região leste de Mato Grosso do Sul. Para viabilizar o projeto, 400 mil hectares de terras estão sendo plantados com eucaliptos.
Desde junho está sendo feita a terraplanagem no local onde será instalada a indústria, que terá capacidade para produzir 3,5 milhões de toneladas de celulose por ano e será a maior do mundo depois que estiver em pleno funcionamento. A previsão é de que entre em operação no segundo semestre de 2027.
Até lá, porém, milhares de trabalhadores temporários passarão pelo canteiro de obras. No pico, conforme o diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da Arauco, Theófilo Militão, serão até 14 mil trabalhadores ao mesmo tempo na região. Depois que estiver concluída, a fábrica deve empregar em torno de três mil pessoas.
Desde o início dos estudos para implantação do projeto já ficou definido que os operários não ficariam alojados na área urbana de Inocência, segundo informou em maio o prefeito Antônio Ângelo Garcia dos Santos, mais conhecido como Toninho da Cofap. À época, porém, ele informou que este alojamento seria próximo ao canteiro de obras.
Nesta quarta-feira (11), porém, Theófilo Militão informou que os alojamentos serão instalados a 40 quilômetros do canteiro de obras. Nestes alojamentos, afirmou ele, serão instaladas áreas de lazer e até posto de saúde para atender a eventuais necessidades dos operários.
Em maio, quando da entrega da licença de instalação, tanto o governador Eduardo Riedel, quanto o CEO da Arauco no Brasil, Carlos Altimiris, e o prefeito de Inocência foram unânimes em afirmar que durante o período de construção a cidade vai enfrentar uma série de contratempos nas áreas de saúde, educação, segurança pública, lazer e até habitação. Porém, deixaram claro, não tem como "fazer omelete sem quebrar os ovos".
DE OLHO EM RIBAS
E para tentar reduzir estes transtornos, a Arauco se baseou no caso de Ribas do Rio Pardo e justamente por isso optou em abrigar os trabalhadores fora da cidade. Mas, o prefeito foi cuidadoso com o uso das palavras para evitar a terceirização das responsabilidades para os trabalhadores e isentar o poder público e a própria multinacional destes encargos.
“Os trabalhadores não vão trazer problemas para a cidade. Eles vão ter lá suas demandas. Nós vamos fazer um trabalho conjunto com a Arauco para que não venham a ter qualquer tipo de problema. Mas esse pessoal ficando na fábrica, é muito melhor para cidade”, afirmou Toninho da Cofap no dia 10 de maio após evento na Governadoria, em Campo Grande.
Porém, se a cidade de Inocência quer distância dos trabalhadores temporários, faz questão de abrigar os funcionários fixos da futura fábrica. O município criou até mecanismos legais para obrigar os cerca de três mil funcionários da Arauco a morarem na área urbana do município. Uma leio municipal proíbe construção de moradias próximo da fábrica.
E para tentar reduzir a especulação imobiliária que normalmente acompanha projetos desta magnitude, a Arauco promete construir em torno de 700 casas para abrigar boa parcela de seus futuros funcionários. Terreno para isso já foi cedido pelo poder público. A Suzano construiu 954 casas em Ribas do Rio Pardo.
Sendo assim, os funcionários da futura indústria terão de percorrer em torno de cem quilômetros diariamente para ir e voltar do trabalho. Segundo o prefeito Toninho da Cofap, Inocência criou esta norma temendo ser "engolida" por uma nova cidade que poderia surgir no entorno da fábrica.
VANTAGENS E DESVANTAGENS
O presidente da FETRICOM-MS (Federação dos Trabalhadores na Construção Civil e no Mobiliário de Mato Grosso do Sul), José Abelha Neto, que nesta semana esteve em Inocência, vê duas possíveis explicações para a instalação dos alojamentos longe da cidade e ainda mais longe da fábrica.
Primeiro, acredita ele, a distância de 10 quilômetros da área urbana ainda permite que estes operários tenham um certo acesso às necessidades que precisam ser atendidas na cidade. “Inocência criou uma lei proibindo os alojamentos na cidade, mas nesta distância eles não chegam a ficar totalmente isolados”, opina.
Em segundo lugar, ele acredita que a Arauco também não queira os alojamentos muito próximo do canteiro de obras por causa do risco de greves, piquetes e até motins. “Serão milhares de pessoas no mesmo lugar ao mesmo tempo e sempre existem aqueles que conseguem mobilizar a massa. Deixando eles mais afastados, não conseguem tomar o canteiro de obras em caso de alguma insatisfação mais generalizada”, opina o sindicalista.
Em meados do ano passado, segundo ele, em torno de 4 mil trabalhadores paralisaram os trabalhos durante cerca de uma semana na fábrica da Suzano em Ribas do Rio Pardo. Apesar disso, parte dos trabalhos foi mantida normalmente, lembra Abelha.
E, para melhorar as acomodações dos operários, afirma Abelha, a própria Arauco se comprometeu a construir os alojamentos e toda a estrutura necessária no entorno. Normalmente, explica ele, estas estruturas são instaladas por empresas terceirizadas e arrendadas para as empresas que contratam os trabalhadores. Por conta disso, explica ele, em muitos casos estes abrigos acabam sendo inadequados.
VALE DA CELULOSE
Em Mato Grosso do Sul já estão em funcionamento outras três grandes fábricas de Celulose, sendo duas em Três Lagoas e uma em Ribas do Rio Pardo. A primeira, da Suzano, funciona desde 2009. A segunda, controlada pelo grupo J&F, entrou em operação em 2012. A terceira funciona desde julho de 2024, em Ribas do Rio Pardo.
E, além da unidade de Inocência, existe previsão para construção de uma quinta fábrica em Água Clara, num projeto da Bracell que prevê investimentos da ordem de R$ 25 bilhões.