Artigos e Opinião

Editorial

Crime digital exige polícia do futuro

Se o dinheiro mudou de forma, as instituições de segurança e Justiça devem mudar também. A proteção ao cidadão e ao sistema financeiro depende desta adaptação

Continue lendo...

O recente furto de centenas de milhões de reais de contas de reserva mantidas por fintechs no Brasil reacende um sinal de alerta grave: nossa estrutura de segurança pública ainda não está preparada para lidar com o novo perfil do crime financeiro. Se antes assaltos cinematográficos envolviam túneis, explosivos e carros-fortes, hoje, com apenas algumas linhas de código e brechas digitais, criminosos conseguem provocar prejuízos bilionários sem dar um único tiro. Pelo volume envolvido, esse caso já entra para a história como um dos maiores crimes contra o sistema financeiro do País, rivalizando com episódios como o roubo ao Banco Central de Fortaleza, em 2005.

Vivemos a era do dinheiro invisível. O papel-moeda dá lugar às transações instantâneas via Pix, às carteiras digitais e às plataformas bancárias em nuvem. Com essa mudança de paradigma, cresce a responsabilidade do poder público em criar mecanismos de prevenção e rastreamento de golpes digitais. Não se trata apenas de proteger sistemas, mas de transformar radicalmente a forma como investigamos crimes. 

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas autoridades é o rastro que desaparece. Golpes desse tipo, frequentemente, envolvem o uso de criptomoedas e outras tecnologias deliberadamente opacas, criadas para evitar rastreamento. Quando o dinheiro é convertido em ativos digitais descentralizados, a possibilidade de reaver valores se torna mínima e a identificação dos criminosos, mais difícil. O resultado é um jogo de gato e rato em que o crime corre com fibra ótica e a polícia, com prancheta e papel.

É nesse cenário que se escancara uma das maiores omissões do Estado: a falta de investimento em capacitação para o combate ao crime cibernético. Polícias Civis e a Polícia Federal deveriam liderar um processo de especialização digital, com equipes altamente treinadas em rastreamento de blockchain, engenharia reversa de software, técnicas de invasão e contraespionagem digital. Mas não é isso que temos visto. O discurso recorrente continua preso à retórica da bala: armas, viaturas, força bruta. Enquanto isso, hackers riem em frente a telas iluminadas por linhas de código criptografado.

Não basta atualizar sistemas de segurança digital. É preciso, sobretudo, investir em cérebros. Investir em pessoal técnico, em recrutamento de especialistas em tecnologia e em integração com organismos internacionais de investigação. Os crimes financeiros de hoje cruzam fronteiras em segundos. Sem cooperação global, ficamos reféns de estruturas rudimentares, incapazes de reagir à velocidade dos golpistas.

Se o dinheiro mudou de forma, as instituições de segurança e Justiça devem mudar também. A proteção ao cidadão e ao sistema financeiro – base da confiança no Estado – depende dessa adaptação. O prejuízo sofrido pelas fintechs deve servir de alerta definitivo: enquanto o crime se reinventa todos os dias, não podemos manter uma polícia presa ao século passado.

Adaptar-se ao novo cenário é obrigação do Estado. Mas também é, agora, questão de sobrevivência do próprio sistema financeiro brasileiro.

Assine o Correio do Estado

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

Continue Lendo...

A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).