Artigos e Opinião

OPINIÃO

Marçal Rogério Rizzo: "O livro
preto da escola"

Marçal Rogério Rizzo: "O livro
preto da escola"

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Existem muitos temores que, na infância, são aumentados para, de alguma forma, nos fazer “educar”.
Na escola em que estudei, tinha um livro temido pelos estudantes. Era conhecido por “livro preto”, que nada mais era do que um livro de ocorrências.

Os estudantes da época pareciam ter a estranha sensação de que esse livro era diabólico, de que, uma vez aberto perto da gente, poderia nos engolir. Não sabíamos o conteúdo do livro. Dava medo, dava pânico. Ele nos assustava de modo terrível. Era temido de todos e ninguém queria ter seu nome gravado nas páginas do livro preto. Reinava na escola que o ideal era evitar o contato com o livro preto.

Ainda falando da escola do meu tempo, quem conheceu uma escola estadual sabia que existiam os inspetores de alunos, que eram os que davam o “ar da graça” no quesito disciplina fora da sala de aula. Quando estávamos fazendo alguma algazarra, peraltice ou praticando ato desrespeitoso, bastava dizer que nos levaria para a diretoria para assinar o livro preto, que logo ficávamos quietos e nos portávamos bem.
Em paralelo, dentro da sala de aula, a autoridade era do professor.

O que ele dizia era regra, e tínhamos de obedecer. Ali, o professor nos passava conhecimento, disciplina e princípios para o bom funcionamento da escola e do processo de ensino e aprendizado. Ainda dentro de uma hierarquia, havia também a figura máxima na escola – o diretor –, que era temido e respeitado por todos, talvez porque, segundo rumores, o livro negro ficava na gaveta de sua mesa.

Nos dias atuais, certamente as opiniões sobre o livro preto se dividiriam: alguns dirão que o uso do livro preto para amedrontar as crianças poderia constrangê-las; outros já serão favoráveis, afirmando que pode ser uma forma de dar limites a quem não estiver enquadrado nas regras. Mas essa discussão fica pra outra hora e lugar...

O que venho recordar aqui foi o dia em que conheci o livro preto. Lembro-me muito bem: era um belo dia de sol; o calor estava forte e havia um amigo de sala que completava mais um ano de vida. Ora amado, ora odiado, ele era muito bem conhecido, pois morava a poucas quadras da escola. E conhecia muita gente. Sempre que alguém comemorava o aniversário, era ele quem buscava ovos em casa para quebrar na cabeça do aniversariante.

Contudo, naquele dia, era ele o alvo dos ovos e de uma meleca feita com todos os ingredientes que os colegas que um dia tomaram ovos na cabeça encontraram na cozinha. Logo ao portão da escola, mas ainda dentro do pátio, ele foi pego por uma chuva de ovos e de meleca. E, para azar de todos que ali estavam, parte dos ovos caiu em uma menina, que, sem pestanejar, chamou o inspetor de alunos, que logo levou um bloco de alunos para conhecer o livro preto.

Explico-me: num dado momento, eu estava participando da algazarra e, claro, o inspetor vendo a bagunça, decidiu levar todos que ali estavam. Fomos conduzidos até a sala do diretor. O trecho era curto, mas pareceu longo demais. Por sinal, parecia estar a caminho do “corredor da morte” ou para o campo de concentração de Auschwitz. Foi aí que senti um frio na boca do estômago, imaginando a possibilidade de meus pais serem chamados à escola. Se isso acontecesse, eu poderia ter sérios problemas, como uma surra ou um belo castigo.

Pois bem. Só conseguia pensar no momento trágico que estava vivendo. Que raio eu fazia ali no momento em que os ovos voaram? Por que almejei ver a bagunça de tão perto?

Nada mais me restou, a não ser encarar a situação. O diretor era uma daquelas pessoas cultas que sabiam como dar uma lição de moral sem ser agressivo. E foi o que fez. Deixou-nos muito sem graça e chateados com a situação de ter sujado a escola e as pessoas. Disse também que, se, por acaso, fizéssemos algo mais de errado, poderíamos tomar uma suspensão e até ser expulsos da escola. Depois disso, veio o livro preto – e ali ficou nosso nome registrado.

Olha. Realmente não fazia sentido ser expulso de um local de que tanto gostava. Em poucos minutos, talvez tenha descoberto que ali era meu “templo sagrado do saber” 
e que jamais gostaria de perder a oportunidade de continuar até o terceiro colegial. Resumindo: nunca mais fiz nada para ficar marcado no livro preto.

EDITORIAL

Propag: uma decisão que dura décadas

O secretário de Estado de Fazenda de Mato Grosso do Sul pode até decidir o que prefere destacar, o que não pode é decidir o que a sociedade tem o direito de conhecer

16/12/2025 07h15

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O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) foi desenhado para revisar termos das dívidas estaduais e permitir quitação em até 30 anos, com encargos menores, atrelando parte do alívio fiscal a investimentos e mecanismos de equalização federativa.

O prazo de adesão termina no dia 31. Trata-se, portanto, de uma decisão com efeitos fiscais, políticos e institucionais de longo prazo.

É justamente por isso que causa estranheza quando um movimento dessa magnitude parece avançar sem publicidade compatível com o tamanho do que está em discussão. Ainda que os ritos formais estejam cumpridos, e o Diário Oficial exista para isso, há decisões que não se esgotam no “publicou e pronto”.

A adesão ao Propag mexe com dívida e espaço fiscal, e isso exige mais do que um carimbo burocrático: exige explicação, justificativa e escrutínio.

Matéria publicada pelo Correio do Estado apontou que a adesão pode ser benéfica e abrir folga fiscal bilionária para os próximos anos. Se isso ocorrer na prática, melhor ainda.

Mas, justamente por ser uma oportunidade desse porte, não faz sentido que a sociedade seja informada por textos que parecem exigir esforço de “investigação”, recortes, vazamentos, boatos e notas lacônicas para compreender o básico. Decisão pública não pode depender de rumor para vir a conhecimento.

O secretário não é apenas o gestor do caixa, é, por definição, o guardião das chaves do cofre e da confiança do governador.

Seu dever não é somente buscar a melhor alternativa financeira, mas assegurar que a população, o Legislativo e os órgãos de controle entendam o que está sendo feito – por que, com quais condições, com quais impactos e com quais riscos.

Publicidade, aqui, não é uma peça de marketing nem release, muito menos demanda jornalística, quando se dão ao luxo de responder, é transparência, informação completa, tempestiva e verificável sobre atos que mexem com o dinheiro de todos.

Quando uma medida desse porte avança sem clareza por parte do secretário, o problema deixa de ser meramente jurídico e passa a ser de transparência. O silêncio produz um efeito inevitável: parece tentativa de fugir de perguntas. E perguntas são inevitáveis e legítimas.

Quais são os termos efetivos da adesão ao Propag? Há contrapartidas obrigatórias? Quais metas de investimento são exigidas e em quais prazos? Que impacto a adesão ao programa traz para a capacidade de investimento do Estado nos próximos anos? Há cláusulas que podem amarrar decisões futuras? Serão oferecidos ativos com lastro? Se sim, quais? Como foram avaliados? Quem avaliou? Esse tipo de compromisso atravessa mandatos e o que ficará para a próxima geração.

Boa governança começa pelo óbvio: se a decisão é boa, não há motivo para tratá-la sob reserva. Pelo contrário, quem tem convicção expõe os fundamentos, abre números, apresenta cenários e convida ao debate. Transparência não atrapalha, transparência protege a própria decisão.

Nada disso impede a adesão ao Propag, pelo contrário, torna a adesão mais legítima e menos vulnerável a ruídos. O que fragiliza não é a discussão, é o vazio de explicações.

O secretário precisa compreender que publicidade não é um favor à imprensa nem ao cidadão, é um dever institucional. É a materialização do princípio de que o erário não pertence a gabinete nenhum, pertence à sociedade.

Se o Propag é uma oportunidade, que seja tratado como tal: com informações completas. Se o secretário quer ser reconhecido como pilar de responsabilidade, não pode agir como se decisões fiscais estruturantes fossem assunto restrito a poucos. Confiança é ativo que não se negocia e, uma vez perdida, dificilmente se reconquista. 

ARTIGOS

Relaxa: você não precisa ter opinião sobre tudo

Estudo recente sobre comportamento em comunidades digitais revelou que quando alguém percebe que a opinião é minoritária, tende a manter o silêncio

15/12/2025 07h45

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Existe uma ansiedade silenciosa no ar: a sensação de que você deveria ter uma opinião pronta para cada assunto que aparece no feed. Um acontecimento político numa terça, um comentário de influencer numa quarta, uma treta musical na quinta.

E se você não fala nada, parece que está sendo omisso, alienado, cúmplice ou qualquer outra palavra grande que as redes adoram jogar. Mas a pergunta que vale mais do que todas as indignações do dia é simples: quem disse que você precisa opinar sobre tudo?

A verdade é que a internet criou uma espécie de olimpíada de opiniões. E a largada é dada a cada nova notificação. Só que, quando você olha os números, percebe que esse universo não é tão povoado quanto parece.

Uma pesquisa mostrou que 55% dos americanos já deixaram um comentário on-line em algum momento e 77,9% já leram comentários. Significa que tem muita gente olhando, mas só metade de fato escrevendo alguma coisa.

Quando se vai para os jovens, 55% dizem postar opiniões com frequência e 71% afirmam estar mais confiantes do que nunca para fazê-lo. De novo, parece muito, mas não é todo mundo. É só uma parte barulhenta.

Do outro lado tem um dado incômodo. Um estudo recente sobre comportamento em comunidades digitais mostra que, quando alguém percebe que a opinião dele é minoritária, 72,6% simplesmente ficam em silêncio.

A espiral do silêncio continua funcionando mesmo num ambiente que promete liberdade absoluta para falar o que quiser. Ou seja, o barulho das redes às vezes é menos democracia e mais repetição. A impressão de que “todo mundo está falando” pode ser só a repetição de um mesmo grupo de pessoas com muita disposição e pouco cansaço.

E vale lembrar que esse palco é enorme. O mundo tem 63,9% da população usando redes sociais. É muita gente. São horas diárias rolando tela, consumindo milhares de pequenos estímulos. Nesse ambiente, a opinião virou quase um gesto automático.

Às vezes você nem sabe exatamente o que pensa, mas já sente a pressão de ter que dizer alguma coisa. Ser rápido se tornou mais importante do que ser cuidadoso. E isso tem consequência.

Opinar o tempo todo transforma a discussão pública em uma competição permanente. Você não compartilha uma ideia, você disputa espaço. E existe um dado que mostra o quanto isso escalou: em uma pesquisa internacional, 20% das pessoas disseram que às vezes é necessário ser rude nas redes para que sua opinião seja ouvida.

Um quinto das pessoas já acredita que a forma de existir no debate é gritando. Não tem nada de saudável nisso. Só desgaste.

Talvez seja por isso que, silenciosamente, muita gente está cansada. Opinar sobre tudo virou um tipo de exaustão emocional. Até porque, para opinar sobre tudo, é preciso estar o tempo todo sabendo de tudo. E começar a falar menos pode não ser um gesto de covardia, mas de inteligência.

Você não precisa ser comentarista integral do mundo. Pode escolher onde sua voz realmente importa. Pode esperar. Pode investigar. Pode até mudar de ideia sem precisar explicar isso para ninguém.

Quando quase metade das pessoas não comenta e três quartos se calam quando acham que estão sozinhas, significa que o silêncio não é falta de interesse. É um pedido de pausa. É uma escolha. Não é uma desistência do debate, é só uma forma de não ser engolido por ele.

A ideia de que você precisa ter opinião sobre tudo é só mais uma pressão inventada pela lógica das plataformas. Você não é obrigado a entrar em todas as conversas. Nem deve. O valor da sua voz não está na frequência, está na relevância.

E, às vezes, a decisão mais lúcida é ficar quieto por alguns minutos, horas ou dias. Porque pensar é um processo mais lento do que postar. E tem coisas que não precisam de urgência. Precisam de reflexão. Aliás, a maioria delas.

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