No Brasil, a maioria dos casos de câncer de cabeça e pescoço ainda é diagnosticada em estágios avançados. Isso acontece porque os sinais precoces da doença, como alterações na voz, dificuldade para engolir, feridas que não cicatrizam ou rouquidão persistente são, muitas vezes, ignorados, subestimados ou confundidos com problemas menos graves. O resultado? Quando finalmente se chega ao diagnóstico, o tratamento é mais agressivo, o impacto funcional é maior e as chances de cura diminuem.
Neste Julho Verde, mês nacional de prevenção do câncer de cabeça e pescoço, é urgente reforçar que diagnosticar cedo salva vozes, rostos e vidas. É preciso olhar com mais atenção para os sintomas persistentes, especialmente quando vêm de pessoas que não se encaixam no perfil típico da doença. A prevenção começa com a escuta qualificada, a informação e a suspeita clínica, mesmo quando o paciente é jovem, mulher ou nunca fumou.
Eu tinha 38 anos quando minha voz começou a falhar. Era uma sensação de queimação na garganta, tosses noturnas, um incômodo constante para falar e engolir. Trabalhando com marketing, eventos e treinamentos, a voz sempre foi meu principal instrumento. Mas, de repente, ela sumia. Eu acordava sem saber se conseguiria falar.
Procurei ajuda. Mas, apesar de ser ex-tabagista há cinco anos, os sintomas persistiram, e nenhum dos profissionais que me atenderam cogitou a possibilidade de ser câncer. Fiz fonoterapia por um ano para melhorar a voz, mas a leucoplasia (lesão na mucosa) permanecia ali, aumentando e tornando-se maligna. O tempo passou e, com ele, perdi a chance de um diagnóstico precoce, de uma ressecção rápida e pequena.
Cansada de não ser ouvida, insisti por um exame mais específico. Em menos de 24 horas, o resultado: câncer de laringe em estágio de dois para três.
Esse caminho difícil, de não ser levada a sério, é mais comum do que se imagina. Jovens, mulheres, pessoas sem o perfil típico de determinados tumores frequentemente enfrentam a mesma barreira: o câncer sequer é considerado. Isso custa tempo. E, muitas vezes, a chance de cura.
Essa experiência transformou a minha vida. Primeiro veio a revolta, depois, a pergunta: quantas outras pessoas passam por isso? Quantas vozes estão sendo caladas por falta de escuta e de informação?
Foi desse incômodo, e da vontade de mudar, que nasceu a Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço Brasil (ACBG), organização que fundei para que histórias como a minha tenham finais diferentes. Neste ano, completamos 10 anos de atuação, levando informação, apoio e acolhimento a pacientes em todo o País.
Trabalhamos para que o câncer seja, sim, cogitado. E, principalmente, para que o paciente tenha voz desde o início e receba cuidado.



