Em reportagem veiculada por investigação do Intercept Brasil, nesta semana, foi revelado que o consultório médico de um otorrinolaringologista de Campo Grande era base de empresa de espionagem de um funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
A prática é considerada ilegal, considerando o que está previsto na Lei 8.112/90, que define que o funcionário público está proibido de “participar de gerência ou administração de sociedade privada”.
O então agente da Abin, Bruno Bruno Carneiro de Albuquerque, é um dos agentes de inteligência que ocupou o alto escalão da Agência, durante o governo de Jair Bolsonaro.
Mesmo diante do que é previsto em Lei, Bruno escapa das sanções legais pois está registrado como “sócio”, não sendo permitido ele ser apenas “sócio-administrador”.
Entretanto, a prática reflete em um conflito de interesses, considerando que o servidor deveria atuar com inteligência no serviço público e não privado.
As práticas da empresa de espionagem privada sob o nome de Isciber Produtos e Serviços em Tecnologia da Informação tornaram-se públicas após denúncias de membros da própria Abin, conforme aponta a apuração do Intercept, confirmada com dados disponíveis nos sistemas da Receita Federal.
Os servidores da Abin afirmam que Bruno é um dos operadores das ilegalidades cometidas pelo governo Bolsonaro no comando da Abin, por meio de softwares espiões como o First Mile e o Augury.
Ele não está, no entanto, na lista dos agentes presos na última sexta-feira, 20 de outubro.
Ainda conforme informações da reportagem, questionado sobre um possível conflito de interesses na Isciber e sobre a falta de relação do pai com o tema da segurança cibernética, o agente respondeu: “Um médico não pode ter um McDonald’s?”.
Bruno ainda admitiu que o caso chegou a ser apurado internamente na agência: “Não virou nem processo administrativo. Arquivaram por falta de indícios, obviamente”. A corregedoria da agência é chefiada por uma indicada da gestão bolsonarista.
Apesar de estar sediada no escritório médico do pai do espião, em Campo Grande, os dados de contato do site da empresa tinham o DDD 61, de Brasília, local onde Bruno reside e trabalha.
No canto superior direito do site, havia um ícone do WhatsApp. Foi clicando nele que a reportagem conseguiu o número pessoal do servidor. Ouça, abaixo, o áudio da ligação entre o repórter do Intercept e o agente Bruno.
Correio foi ao local
O Correio do Estado procurou o endereço que seria o consultório do pai de Bruno, até então localizado na Rua Rui Barbosa. Pessoas que trabalham no endereço, com um outro negócio, informaram que o consultório não funciona mais neste endereço há cerca de três anos.
Agentes da Abin já foram exonerados e presos por prática ilegal
A Polícia Federal (PF) deflagrou, no dia de 20 de outubro, uma operação para investigar o uso do sistema de geolocalização de dispositivos móveis por servidores da Abin, sem a autorização judicial.
Nesta operação, chamada Última Milha, a PF cumpriu 25 mandados de busca e apreensão e dois mandados de prisão preventiva, além de medidas cautelares diversas da prisão, nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás e no Distrito Federal. As medidas judiciais foram expedidas pelo Supremo Tribunal Federal.
De acordo com as investigações, o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos.
Além do uso indevido do sistema, apura-se a atuação de dois servidores da Agência que, em razão da possibilidade de demissão em processo administrativo disciplinar, teriam utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão.
Os investigados podem responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Posteriormente, a Abin publicou, na terça-feira (24), a exoneração do secretário de Planejamento e Gestão, um dos investigados pela Polícia Federal (PF) na Operação Última Milha.
O órgão também exonerou dois diretores que não tiveram os nomes divulgados em função da proteção exigida por lei a agentes de inteligência.
O ex-secretário da Abin já estava afastado do cargo desde sexta (20), quando a operação foi deflagrada, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da investigação.
Outro lado
Após a veiculação do material, a defesa de Bruno contatou a reportagem para desmentir as acusações até então realizadas. Veja a nota na íntegra:
1 – O Sr. Bruno não trabalha na ABIN;
2 – O Sr. Bruno nunca ocupou qualquer cargo de alto escalão na ABIN, mas tão somente cargos baixos e técnicos de suporte em tecnologia da informação – e não cargos de “espionagem”, como a reportagem faz crer. Nunca ocupou, portanto, gerência, diretoria ou posições altas de comando;
3 - O pai do Sr. Bruno nunca foi investigado, nunca respondeu a nenhum tipo de processo e sua empresa nunca foi investigada ou acusada por qualquer tipo de ato ilícito ou imoral. Em hipótese alguma, nunca teve seu pai como "laranja", e a empresa nunca realizou nenhum tipo de "espionagem" ou até levantamento de informações. Esta acusação, além de falsa e leviana, não foi acompanhada de qualquer embasamento, e configura ofensa à honra e à integridade do Sr. Bruno e de seu pai;
4 – Não existe e nunca existiu qualquer investigação que aponte o Sr. Bruno como integrante do grupo que “cometia ilegalidades” e que “investigava políticos, jornalistas, magistrados e até membros do STF”. Ao contrário, o Sr. Bruno participou de espécie de sindicância no âmbito da ABIN, a qual concluiu que o mesmo não possui e nunca possuiu qualquer envolvimento com estas atividades. Por isso e por várias outras razões é que o Sr. Bruno não consta em nenhuma lista de envolvidos;
5 – A empresa, repita-se, não está e nunca esteve sob suspeita qualquer, e o Sr. Bruno sequer figura como sócio da mesma. Ainda que figurasse, consoante exposto em resposta da própria ABIN, em procedimento interno, e em atenção à legislação, o Sr. Bruno poderia sim ser sócio de empresas, contanto que não fosse sócio administrador. Ressalta-se que o mesmo nunca desenvolveu qualquer atividade de direção ou comando da empresa, o que sempre ficou a cargo de seu pai, apenas apoiando e tomando decisões técnicas, em horários e de forma que não convergisse com as atividades que desenvolvia na ABIN;
6 - Nem o Sr. Bruno, nem a empresa Isciber, nunca atuaram com serviços de inteligência e muito menos "espionagem", mas sim, como o nome já diz, com serviços de tecnologia da informação, exatamente o que muitos "técnicos de internet" oferecem em todas as residências e escritórios do Brasil;
7 – O Sr. Bruno nunca utilizou e nunca teve acesso ao software First Mile, o que já foi e pode ser novamente confirmado pela ABIN. Ainda, nunca “espionou” nenhum indivíduo, não sendo esta sua atribuição. O Sr. Bruno foi apenas consultor técnico da ABIN, realizando serviços de suporte tecnológico e não de coleta de informação;
8 – O Sr. Bruno está de licença não remunerada desde fevereiro e não possui qualquer relação com os envolvidos em supostas atividades ilegais, nunca tendo respondido nenhum processo administrativo ou judicial;
9 - O Sr. Bruno levou todas as questões ao Conselho de Ética da ABIN – tanto relacionado à possibilidade de ser sócio de empresa neste ramo, quanto relacionada à possibilidade de trabalhar enquanto estivesse de licença não remunerada – sendo positivas as respostas, e sempre atuou dentro da ética, honra e integridade, nunca contratando com a Administração Pública, nunca agindo com conflito de interesses, e em hipótese alguma desrespeitando qualquer opositor de ideias ou opiniões.
*Matéria alterada às 10h37 de 28 de outubro para acréscimo de informação.




