Está em andamento em Mato Grosso do Sul o programa Família Acolhedora. Ele prevê que uma família pode acolher a criança ou o adolescente afastado da convivência com pais ou responsáveis em sua residência, mediante o recebimento de uma ajuda de custo, até que estes menores sejam reinseridos em sua família ou devidamente adotados.
A proposta de acolhimento familiar tem obtido expressivo resultado em benefício da criança e do adolescente, pois evita que eles sejam encaminhados para abrigos ou entidade similares, que possuem uma dinâmica de trabalho muito distante do ambiente familiar.
De um modo amplo, o direito à convivência familiar está assegurado na Constituição Federal de 1998 e no artigo 32 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), como um dos direitos fundamentais a ser assegurado a todas as crianças e adolescentes com a mais absoluta prioridade, tendo a família acolhedora preferência sobre instituições ou entidades de acolhimento. O programa tem recebido importantes avanços ao longo dos anos.
O Correio do Estado ouviu a juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância e Juventude de Campo Grande, que falou sobre o assunto.
CORREIO DO ESTADO – o que vem a ser o programa Família Acolhedora?
KATY BRAUN DO PRADO – é um serviço oferecido pelo Município de Campo Grande que organiza o acolhimento de crianças e adolescentes afastados da família por medida de proteção em residência de famílias acolhedoras cadastradas.
O serviço é responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar as famílias acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento da criança e/ou do adolescente acolhido e sua família até que possam retornar à família de origem, serem encaminhados para família extensa ou inseridos em família adotiva.
Qual a origem e desde quando está funcionando em Mato Grosso do Sul e Campo Grande?
Há tempos este modelo é utilizado em países como Inglaterra, França, Espanha, Estados Unidos e Canadá, entre outros, baseado na premissa de que toda criança tem direito à convivência familiar e comunitária, além de ter assegurado o respeito à sua individualidade.
No Brasil, o serviço de família acolhedora está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que a inclusão da criança ou do adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional.
Em Mato Grosso do Sul, Camapuã foi o primeiro município a formalizar o programa de acolhimento familiar e o executa com sucesso há mais de 19 anos. Naquele município não há mais abrigos institucionais, pois todas as crianças recebem cuidados em famílias acolhedoras. Em Campo Grande, o serviço foi instituído em agosto de 2018.
Quais as vantagens do acolhimento familiar em relação ao institucional?
As vantagens são o desenvolvimento e a socialização da criança – sobretudo na primeira infância –, em relação ao acolhimento institucional.
A criança ou o adolescente recebe um atendimento individualizado e tem a possibilidade de viver em um ambiente estruturado, harmônico, o que muito provavelmente não tem na sua família de origem.
Tem a oportunidade de criar vínculos afetivos estáveis, o que raramente é possível nas unidades de acolhimento, onde as separações são constantes, não só dos cuidadores, mas também dos próprios colegas.
Desde o seu início, quantas crianças já foram atendidas pelo projeto na Capital?
Cerca de 25 crianças foram atendidas em famílias acolhedoras desde a implantação do serviço. Infelizmente, um número muito pequeno, pois temos apenas 10 famílias cadastradas no programa.
Há algum tipo de remuneração para quem adere ao programa para tornar-se família acolhedora?
Sim, o município fornece uma bolsa auxílio mensal no valor de um salário mínimo por criança ou adolescente acolhido.
Então não se trata de filantropia?
Acolher uma criança ou adolescente na própria residência é muito mais do que um ato de generosidade e amor ao próximo. Trata-se de um serviço público relevante, prestado de acordo com normas técnicas, mediante supervisão contínua e contrapartida financeira para custear as despesas do acolhido.
Quais são as exigências para quem tem interesse em ser família acolhedora?
Segundo o artigo 8º do Decreto nº 13.305, de 16 de outubro de 2017, são requisitos para que as famílias participem do Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora:
1 – residir no perímetro urbano do Município de Campo Grande pelo período de no mínimo de cinco anos, sendo vedada a mudança de domicílio sem prévia comunicação à equipe técnica do serviço;
2 – não ter cadastro de intenção de adoção na Vara da Infância e Juventude;
3 – possuir idade entre 21 e 60 anos, sem restrição de gênero ou estado civil;
4 – possuir Ensino Fundamental completo pelo menos um dos integrantes da família acolhedora;
5 – exercer atividade laborativa remunerada, pelo menos um dos integrantes da família acolhedora, ou possuir meio de prover suas despesas;
6 – apresentar atestado de capacidade física e mental, com data não superior a um mês, todos os integrantes da família;
7 – não fazer uso de substâncias psicoativas e não fazer uso abusivo de álcool ou tabagismo;
8 – existir comum acordo entre todos os membros da família sobre a acolhida da criança ou do adolescente;
9 – possuir estabilidade financeira;
10 – possuir residência em boas condições de acessibilidade.
Que tipo de ambiente se espera oferecer às crianças acolhidas?
A família acolhedora deve ser amorosa e apta a oferecer uma rotina de cuidados adequados, para que a criança sinta-se protegida e segura durante aquele período de afastamento do seu lar.
De alguma forma, para sua implantação e funcionamento, o projeto depende do interesse da prefeitura?
Sim. Em Campo Grande, o programa Família Acolhedora é gerenciado pela Secretaria de Assistência Social do município, que tem cadastrado e treinado as famílias. Os excelentes resultados levaram a prefeitura a manter abertas as inscrições para o serviço, de modo que a qualquer tempo os interessados podem procurar informações [pelo telefone 3314-4482, ramais 6153 ou 6154].
Quais são as maiores dificuldades atualmente enfrentadas na execução do projeto?
A maior dificuldade tem sido a de encontrar famílias que queiram participar do programa. As pessoas pensam que vai ser muito difícil cuidar de uma criança, apegar-se e depois se despedir dela. Pensam nos próprios sentimentos e perdem a chance de desenvolver um lindo relacionamento com uma criança ou um adolescente em situação de vulnerabilidade.
As famílias que estão participando do programa superaram esse medo e descobriram que, após o encerramento do acolhimento, podem continuar convivendo com a criança e sua família, não mais como guardiões, mas como amigos.
Recentemente, um bebê que estava em acolhimento familiar foi adotado, e acompanho com alegria a convivência entre as duas famílias e a felicidade da criança por ser tão amada.
Existem parcerias com organizações religiosas?
A Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça, reconhecendo a vocação para a hospitalidade, pediu auxílio para a comunidade cristã e obteve apoio da Arquidiocese de Campo Grande e do Conselho de Pastores da Capital, que têm divulgado e incentivado a participação no programa.
A pandemia de alguma forma atrapalhou o projeto?
Não. A pandemia serviu para demonstrar as vantagens do acolhimento familiar para as crianças e adolescentes, que, inclusive, ficaram menos expostos ao contágio pela Covid-19 no ambiente familiar, em comparação com o ambiente institucional.
Quais são as metas ainda a serem alcançadas pelo projeto em Campo Grande?
Nossa principal meta é aumentar o número de famílias acolhedoras. Hoje temos 170 vagas nos serviços de acolhimento institucional e apenas 10 no serviço de acolhimento familiar.
Não há a pretensão de fechar os abrigos institucionais e as casas-lares, mas ampliar o número de famílias aptas ao acolhimento familiar, para podermos escolher a melhor alternativa, de acordo com as características da criança ou do adolescente que precisa de cuidados temporários.
Por isso, desafiamos as pessoas que ficaram interessadas a buscarem mais informações junto à prefeitura, a fim de fazerem parte do grupo de pessoas que protegem as crianças e os adolescentes.




