A família Constantino, dona das viações Cidade Morena, São Francisco, Jaguar e Campo Grande, que formam o Consórcio Guaicurus, responsável pelo serviço de transporte coletivo de Campo Grande, também opera o transporte público em pelo menos outras duas cidades.
Elas também instauraram Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) para fiscalizar o serviço, conforme levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
De acordo com a pesquisa do Idec, entre março de 2020 e julho de 2021, ao menos 14 CPIs foram abertas em Câmaras Municipais pelo Brasil para investigar ilegalidades nos sistemas de transporte público, das quais pelo menos duas têm relação com o grupo que executa o serviço em Campo Grande.
Em Blumenau (SC), a CPI foi instaurada no dia 2 de julho deste ano. Os parlamentares da Casa de Leis vão investigar possíveis irregularidades no contrato de concessão entre a prefeitura e a empresa Blumob, que é operada pela família Constantino.
Na cidade catarinense, o pedido para instalação da CPI foi protocolado e recebeu parecer favorável da Procuradoria Jurídica da Câmara, que já deu início aos trabalhos e definiu os membros da comissão responsável.
Já em São José do Rio Preto (SP), um grupo de vereadores protocolou o pedido para investigar a empresa de transporte em junho deste ano. Entre as denúncias apuradas está a superlotação dos ônibus, o que, segundo parlamentares, aumentaria o risco de transmissão da Covid-19.
Além disso, a CPI analisará as denúncias de que estariam faltando equipamentos de proteção individual (EPIs) e álcool para utilização dos usuários e dos funcionários das empresas, assim como a limpeza interna dos veículos entre viagens não estaria sendo realizada.
O transporte coletivo de São José do Rio Preto é operado pelo Consórcio RioPretrans, formado majoritariamente pela empresa Santa Luzia e em menor proporção pela Expresso Itamarati, que tem ligação com o mesmo grupo que opera o serviço em Campo Grande.
Enquanto nas duas cidades citadas a investigação teve aval necessário para ser executada, em Campo Grande, o pedido foi arquivado pela Câmara Municipal no dia 10.
A justificativa usada para o arquivamento é que a Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal de Campo Grande não aprovou a abertura da CPI porque o requerimento apresentado era amplo e não preenchia requisitos legais e formais, como a falta de um “fato certo e determinado” e “prazo determinado” no documento.
Em razão disso, diferentemente das cidades apontadas, na capital de MS a investigação não prosperou.
PESQUISA
De acordo com o coordenador do Programa de Mobilidade do Idec, Rafael Calabria, a pandemia da Covid-19 aprofundou problemas já existentes em contratos de concessão de serviço de transporte.
“O atual serviço prestado hoje no País tem vários problemas, desde o conforto do veículo até a questão da frequência que circula".
"As empresas de transporte há alguns anos já haviam perdido passageiros, pela crise ou aumento de desemprego. Com a pandemia, a crise do serviço se escancara, além das diversas greves que já acontecem em todo o Brasil”, apontou Calabria.
O consórcio responsável pelo transporte público da Capital foi contratado por R$ 3,4 bilhões em 2012. O contrato de concessão tem validade de 20 anos, podendo ser prorrogado por mais 10.
Após a CPI não ter avançado, os parlamentares da Casa de Leis defendem a efetividade da Comissão Permanente de Transporte e Trânsito para solucionar os problemas do setor, mas Calabria destaca a efetividade da CPI para solucionar a defasagem do serviço, que é muito criticado pelos usuários.
“O que foi identificado é que algumas CPIs têm sido importantes, levantado ferramentas interessantes para solucionar problemas do transporte coletivo. Não podemos ignorar a quantidade de CPIs abertas, sendo essa uma crise estrutural no Brasil".
"Temos um padrão de serviço de transporte muito ruim, o setor é muito menosprezado pelas prefeituras, e, com isso, as empresas privadas acabam dominando muito e temos contratos fracos de gestão”, afirmou.
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Calabria disse que, em geral, os principais fatos que motivaram a abertura de CPIs em diversas cidades do Brasil foram a falta de transparência e irregularidades sobre o cálculo das tarifas, além do descumprimento de itens do contrato de concessão.
Com a chegada da pandemia, esses problemas se aprofundaram.
“A pandemia levou a uma queda acentuada de passageiros, diminuindo a arrecadação das empresas. Houve também uma onda de greves, visto que as empresas tampouco cumpriram suas obrigações trabalhistas”, explicou.
Entre as 14 CPIs analisadas pela pesquisa, algumas já foram concluídas e encontraram irregularidades, mas, até o momento, não foram implementadas medidas pelo poder Executivo para resolver os problemas.
O Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) firmou um acordo com as partes envolvidas no serviço de transporte coletivo da Capital, o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG), assinado em 2020, com o objetivo de solucionar problemas envolvendo o serviço.
A reportagem entrou em contato com o relator do documento e a assessoria do órgão para saber o andamento e o cumprimento do acordo, mas não teve retorno até o fechamento desta edição.
SOLUÇÕES
Entre as medidas apontadas como solução para aliviar os impactos causados pela pandemia da Covid-19 e também a redução do número de passageiros em Campo Grande, a Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos (Agereg) defende a alteração das gratuidades do serviço.
Com isso, cada esfera assumiria uma parte da demanda: o Estado assumiria os alunos estaduais; a Capital, a rede municipal; e a União, os idosos.
Mas o coordenador do Programa de Mobilidade do Idec aponta que a medida não deverá aliviar os impactos financeiros causados pela pandemia em Capo Grande.
“A gratuidade não é um custo para o serviço de ônibus, os custos dele são o veículo, o diesel, a manutenção, o quadro de funcionários, ou seja, os custos para operar um ônibus não dependem da quantidade de passageiros. A ideia da gratuidade é um formato errado para termos soluções para o serviço”, destacou.
Calabria destaca que o problema central do transporte no Brasil está na forma de financiamento do sistema, baseada apenas na tarifa paga pelo usuário.
Segundo ele, a remuneração das empresas é calculada sobre o número de passageiros transportados, e não sobre o custo real da operação.
Para o coordenador, o ideal seria rever esses contratos de concessão, contemplando outras fontes de financiamento e refazendo a fórmula de cálculo da tarifa, com maior transparência e prevalecendo o interesse público.
“Esse é um problema nacional e estrutural, que não pode mais ser pensado pelas cidades separadamente, mas, sim, por uma política nacional de transportes”, apontou.
A reportagem tentou contato com o titular da Agereg, Odilon Júnior, para comentar o assunto, mas não obteve retorno até o fechamento da edição.




