O juiz Deyvis Ecco, da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, negou o desbloqueio do valor de R$ 42.415,52 das contas do ex-coordenador da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Paulo Henrique Muleta Andrade, acusado de envolvimento em desvio de cerca de R$ 8 milhões da entidade.
O acusado formulou pedido de restituição de coisas apreendidas, objetivando o levantamento da medida de sequestro sobre o valor, depositado em uma conta bancária de sua titularidade.
Ele alegou que a quantia bloqueada corresponde a aplicação financeira inferior a 40 salários mínimos e estaria destinada ao custeio das necessidades básicas de seu núcleo familiar e que, dessa forma, se trataria de verba de natureza alimentar.
Além disso, alegou também que, em virtude da decretação da prisão preventiva, o Hospital Universitário teria suspendido o pagamento do seu salário mensal, o que teria resultado na privação da única fonte de renda familiar.
Na decisão, o juiz afirmou que o pedido não merece acolhimento, salientando que o requerimento apresentado é idêntico a um outro formulado e que já foi indeferido pela Justiça.
"Com efeito, verifica-se que a presente postulação não foi instruída com qualquer elemento novo, fático ou jurídico, que justifique a reavaliação da decisão anteriormente proferida", diz o magistrado na decisão.
Ainda segundo o juiz, há indícios de que os valores bloqueados possuem origem ilícita. Isso porque parte dos recursos, em tese desviados do erário, teriam sido direcionados precisamente à conta bancária indicada para o levantamento.
"Ademais, embora a defesa sustente a impenhorabilidade de valores depositados em conta poupança até o limite de 40 salários mínimos, nos termos do artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, é entendimento que, tratando-se de crimes contra a Administração Pública, a constrição patrimonial pode atingir todos os bens e valores do investigado, inclusive aqueles de origem presumidamente lícita, com vistas à integral reparação do dano causado ao erário", ressalta Ecco.
Assim, o magistrado acrescenta que mesmo que os valores bloqueados fossem de origem lícita, a medida de sequestro é necessária para garantir o eventual ressarcimento ao erário.
Com relação à alegação de privação da renda familiar, o juiz disse que "tal alegação não prospera", pois a esposa do acusado exerce cargo público junto ao Tribunal de Justiça, o que afasta a tese de carência absoluta de recursos.
"Eventual alteração no padrão de vida familiar não autoriza, por si só, o levantamento da medida assecuratória, sobretudo se houver indícios de que tal padrão era sustentado com recursos de origem ilícita", considerou o magistrado.
Desta forma, ele indeferiu o pedido, mantendo o bloqueio dos bens.
O caso
Paulo Henrique Muleta Andrade é ex-coordenador da Apae e relacionado em investigação, junto de terceiros, pelo uso de empresas de fachadas para simular vendas de produtos para a rede pública de saúde.
A investigação do MPMS aponta que o grupo desviou o total de R$ 8.066.745,25 de dinheiro público, repassado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) de Mato Grosso do Sul, e que serviria para tratamento de ostomizados.
Ele está preso desde o dia 10 de março deste ano, quando foi cumprido um segundo mandado de prisão preventiva. Na ocasião, o fato novo que levou o MPMS a pedir a prisão preventiva do ex-coordenador da Apae, que já havia preso em 2023, mas foi solto com a imposição de medidas cautelares, foi o saque e transferência de R$ 411 mil feita pelo ex-coordenador a sua esposa.
Essa movimentação foi interpretada como obstrução de justiça e lavagem de dinheiro, pois em 2023 houve o sequestro de bens e valores de R$ 8,9 milhões das contas do acusado.
Conforme reportagem do Correio do Estado, este valor estava em um investimento, na modalidade LCI, que não foi bloqueado por "falha sistêmica" da Caixa Econômica Federal, e, valendo-se dessa falha, o acusado sacou o montante e o depositou em outra conta, em nome de outra pessoa.
A defesa chegou a impetrar habeas corpus pedindo a liberdade, mas o ministro Antônio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou, afirmando que a prisão preventiva está devidamente motivada devido à gravidade da conduta do acusado.
Isto porque ele já cumpria medidas cautelares, fixadas em substituição à prisão preventiva inicialmente, pois o saque de uma conta e depósito em outra no nome de uma terceira pessoa, "demonstra inequívoca intenção de impedir ou de qualquer forma, embaraçar a investigação e a ação penal e de ocultação de patrimônio desviado do erário público".
Esquema
Em 29 de novembro de 2023, oito pessoas foram presas por suspeita de corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraudes em licitações e contratos públicos.
Depois disso, cerca de 2,6 mil pessoas ostomizadas chegaram a ficar sem as bolsas coletoras de urina ou fezes.
Nesse suposto esquema investigado, as fornecedoras desses materiais eram privilegiadas em troca de propina, o que levou ao afastamento de Paulo Muleta da coordenação técnica do Centro Especializado em Reabilitação (CER) da Apae.
Descoberto o esquema de corrupção, houve descontinuação dos contratos suspeitos e novo processo de compras com outras três empresas, o que gerou um hiato no fornecimento e, consequentemente, fez com que muitos ostomizados pagassem até R$ 1,5 mil mensalmente para comprar as bolsas.




