A morte do indígena Vicente Fernandes Vilhalva, de 36 anos, e do funcionário de uma fazenda Lucas Fernando da Silva, de 23 anos, durante a retomada da área da Fazenda Cachoeira, na Terra Indígena (TI) Iguatemipeguá I, no município de Iguatemi, no domingo, tem se tornado uma briga de narrativas entre órgãos do governo do Estado e o governo federal.
A investigação dos crimes está a cargo da Polícia Federal (PF), no entanto, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) soltou uma nota sobre o acontecimento em que afirma que a morte teria sido causada por outro indígena guarani-kaiowá.
“A Polícia Militar identificou e deteve o indígena Valdecir Alonso Brites, suspeito do disparo que vitimou Vicente Fernandes. Após a detenção, ele foi imediatamente encaminhado à Polícia Federal, órgão responsável pela investigação e demais procedimentos relacionados ao caso”, informou a Sejusp.
No entanto, a Polícia Federal afirma que investigações apontaram dois suspeitos e que um deles teria sido identificado por um dos indígenas que foi ferido na ação, o que indica que essa pessoa não seja da comunidade.
“Com base nos levantamentos, dois suspeitos foram identificados; um deles foi reconhecido por um indígena ferido e foi conduzido à] DPF/NVI/MS [Delegacia de Polícia Federal em Naviraí] para lavratura de prisão em flagrante”, afirmou a PF, em nota.
Ainda segundo a Polícia Federal, durante o trabalho de perícia feito na área, foram coletados “cápsulas, material biológico e depoimentos de indígenas. Duas espingardas calibre 12, utilizadas por segurança privada da fazenda, foram apreendidas para perícia”.
Além dos dois mortos, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) afirma que outros quatro indígenas teriam ficado feridos na ação, descrita por eles como um cerco feito por pistoleiros armados.
Já a Sejusp confirma apenas dois feridos, Eliéber Riquelme Ramires, que, após ser atendido em Iguatemi, foi transferido para Dourados “em razão da gravidade”, e um adolescente de 14 anos, “ferido por tiro no braço, deu entrada no Hospital de Iguatemi, porém, fugiu da unidade antes da conclusão do atendimento médico”. Ambos os feridos são indígenas.
A Sejusp afirmou que a morte do funcionário da fazenda não foi causada por disparo de arma de fogo nem por arma branca e limitou-se a dizer que ele morreu “por ruptura hepática e choque hemorrágico”. O indígena Vicente Fernandes foi morto com um tiro na nuca.
ESCLARECIMENTO
Após a morte do indígena, órgãos ligados à luta indigenista chegaram a divulgar que entre os chamados por eles de pistoleiros estariam membros da segurança pública de Mato Grosso do Sul.
O fato chegou até o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que ainda no domingo solicitou esclarecimento da Sejusp sobre as alegações.
De acordo com ofício enviado ao secretário de Estado de Segurança Pública, Antônio Carlos Videira, assinado pelo secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, o governo federal pede que a Sejusp informe se, de fato, houve ou não a participação de agentes do Estado no conflito que resultou nas mortes.
“Ainda sem confirmação, recebemos notícias de que na situação descrita teria havido participação de agentes de segurança do estado de Mato Grosso do Sul, o que certamente representa uma grande preocupação, tendo em vista a gravidade do caso. Assim, com objetivo de instruir e qualificar as informações, solicito informação sobre se havia, na ocasião, o emprego de efetivo das forças de segurança do Estado na região”, trouxe o ofício.
À imprensa, a Sejusp afirmou que não participou da ação, apenas atuou “em apoio à Polícia Federal”.
“A Sejusp reforça que no momento do confronto nenhuma força estadual de segurança atuava na região. As forças estaduais de segurança seguem atuando em apoio à Polícia Federal, que conduz as investigações”, garantiu a secretaria, em nota.
DISPUTA PELA TERRA
A briga pela terra que terminou na morte dessas duas pessoas é antiga e já dura décadas.
A demarcação da área estava parada desde 2013, mas teve andamento no início deste mês, após o MPI e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) concluírem os estudos de identificação e delimitação da área.
O processo foi remetido para o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e aguarda a publicação para finalização o processo.
Após a morte, o MPI enviou ofício para o MJSP solicitando que essa homologação seja publicada, no entanto, para o professor doutor em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Sandro Oliveira, a questão da demarcação poderá não ser, ainda, o motivo de finalização da disputa, já que é possível que a matéria seja judicializada.
“Mesmo com a demarcação concluída, a judicialização pode seguir, porque o sistema jurídico brasileiro permite e até certo ponto exige que o Judiciário seja acionado sempre que houver incertezas, conflitos ou alegações de irregularidades no processo. É uma forma de garantir que todos os lados envolvidos sejam ouvidos e que o procedimento cumpra plenamente a Constituição”, declarou.
*SAIBA
A Terra Indígena Iguatemipeguá I foi delimitada pelo governo federal em 41,5 mil hectares, que devem ser divididos entre os quase 2 mil indígenas que residem na região. Ela foi delimitada em 2013, porém, até hoje sua demarcação não foi homologada.


