A Lei 13.467/2017 – a reforma trabalhista – está completando quatro anos de sancionada hoje. Polêmica em seu início, ela promoveu profundas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
De um modo geral, alterou dezenas de artigos da CLT.
Com as mudanças, alguns dos temas modificados tratam de contribuição sindical dos empregados, banco de horas, validade do combinado entre trabalhador e empregador, férias fracionadas em três períodos, flexibilidade na jornada diária, trabalho remoto (home office), rescisão contratual na empresa, tempo real à disposição do empregador, entre outros.
Para profissionais da área, do ponto de vista do trabalhador, a reforma não veio para suprimir direitos conquistados, mas, sim, para adequá-los à atual realidade trabalhista das empresas.
Já para as empresas, veio para flexibilizar as relações de trabalho, trazer segurança para algumas práticas e, principalmente, dar um pouco mais de liberdade ao empresário, inclusive, de pactuar formas de contratos individuais com características diferentes.
O novo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Amaury Rodrigues Pinto Júnior, já sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e aprovado pelo Plenário, faz uma avaliação dos quatro anos da lei.
Segundo ele (que está deixando o cargo de desembargador-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul – 24ª Região e aguarda a posse no TST, em Brasília), a reforma trouxe várias modificações significativas. E, pelo menos até agora, também está ajudando a derrubar o volume de ações na Justiça do Trabalho.
Somente no primeiro semestre de 2017, antes da lei, o número de processos novos no Estado chegou a 16.873. No primeiro semestre deste ano, atingiu 7.899 processos – uma queda de 53%.
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CORREIO DO ESTADO – a Lei 13.467/2017 está completando quatro anos de sanção. Qual a sua avaliação desse período?
AMAURY RODRIGUES – mudança de legislação é necessária de tempos em tempos. A reforma trabalhista foi uma mudança radical na CLT. Ela trouxe algumas coisas difíceis, mas trouxe também algumas boas.
Eu avalio, por exemplo, que a questão da sucumbência, em que a parte vencida paga os honorários da parte vencedora, foi positiva. Isso trouxe grandes benefícios, na minha opinião, para a Justiça do Trabalho e para o ajuizamento das ações.
Porque, primeiro, se o empregado vence a questão, não precisa arcar com os honorários do advogado dele, já que a parte contrária é quem paga. Por outro lado, se ele corre o risco de pagar honorários se perder, não vai abusar do seu direito de pedir.
As ações trabalhistas passaram a ser mais enxutas. Com a reforma, o trabalhador pede aquilo que realmente acha que tem direito. Antes, como não corria risco de pagar honorários se perdesse, pedia qualquer coisa – se ganhasse era lucro. Com isso, a Justiça do Trabalho abarrotava de pretensões de menor confiabilidade. A sucumbência foi uma coisa boa que a reforma trouxe.
Trazer a negociação coletiva também foi uma coisa interessante. Agora as classes trabalhadora e empresarial já estão mais adequadas à nova interpretação da lei, o que tem facilitado.
E o que dizer dessa interpretação da lei?
Veio a reforma trabalhista, mas a reforma é interpretada pelo juiz. A lei diz, mas é o juiz quem dá o “colorido” da lei. Para a segurança jurídica de empregado e empregadores é preciso que saibam a que realmente têm direito, quais os riscos de se tomar este ou aquele caminho.
O empregado, por exemplo, já sabe o que tem de direito, e o empregador também já sabe os riscos que corre. Hoje a reforma já está consolidada e isso é um fato muito importante.
Falando novamente em benefícios, quais são os principais trazidos pela reforma para o sistema judicial trabalhista?
Como disse, o estímulo à negociação coletiva é uma coisa muito relevante. É claro que os sindicatos precisam estar mais fortes para poderem negociar bem. A reforma trouxe ainda a conciliação extrajudicial [fora do juízo].
A possibilidade de se conciliar antes do processo, desde que não seja fraudulenta, oferece muitos benefícios. Havia muito, por exemplo, a prática de demissões fraudulentas. Hoje, pode-se encerrar um contrato de trabalho por acordo.
Antes ocorriam muito as falsas demissões, que permitiam ao trabalhador sacar o FGTS [Fundo de Garantia por Tempo de Serviço], mas com devolução da multa de 40% do Fundo. Com a reforma, pode-se fazer por acordo.
Quando a demissão é feita de comum acordo, é possível o pagamento de metade da multa de 40% e o trabalhador ainda poderá movimentar até 80% do valor depositado na conta do FGTS. Só não terá direito ao seguro-desemprego.
Não há necessidade de fraudes. Algo que antes era feito de forma fraudulenta, pode-se fazer [agora] por conciliação.
Um dos propósitos da reforma era reduzir o volume de reclamações trabalhistas tanto no 1º grau de jurisdição (varas) quanto no 2º grau (tribunais). Isso de fato está acontecendo?
Em um primeiro momento, houve, sim, a redução. Em 2017, por exemplo, quando a lei foi sancionada, o Estado registrou 32.519 reclamações.
No ano seguinte, enquanto os pontos da reforma ainda estavam sendo assimilados, o volume caiu para 19.950.
Em 2019 foi para 21.243, caindo no ano passado para 18.262. E neste ano mantém-se a tendência de redução, registrando em seis meses 7.899 ações recebidas.
Se a reforma também objetivou a redução, isso se verifica. Não voltou ao nível de 32 mil. Contudo, muito mais importante é diminuir o número de pedidos aleatórios, ou seja, o pedir por pedir – e isso realmente reduziu. Não se faz pedidos que, em vez de ganhar, podem perder.
A reforma promoveu o fortalecimento do acordado sobre o legislado. É possível realmente falar em acordo válido entre um hipossuficiente (trabalhador) e um hiperssuficiente (empregador)?
Veja só: a Justiça do Trabalho dá o devido colorido para isso. E isso é importante. Como validar um acordo de um “hipo” [mais fraco da relação] com um “hiper” (mais forte)? Essa é uma carinha [sentido].
Agora, a outra carinha, é você interpretar um acordo entre um “hiper” e outro “hiper”, no caso, um trabalhador em melhores condições. E quando a CLT anulava algum tipo de acordo ela estava certa, pois estava protegendo realmente um hipossuficiente.
A mesma lei valia tanto para o jogador de um time pequeno, que ganhava um salário mínimo, como valia também para um jogador de um time grande – um Neymar.
Hoje, o juiz pode diferenciar um “hipo” de um “hiper”. Se um trabalhador tem diploma de curso superior e ganho de 10 vezes o maior valor do Regime Geral da Previdência Social [RGPS] não seria considerado um hipossuficiente.
Porém, tem trabalhador que ganha mais, mas também é “hipo”. Ganha alto salário, mas se perder o emprego vai ter R$ 20 mil por mês? Enquanto continuar precisando de emprego, continuará sendo um hipossuficiente. Mas é um colorido que o juiz vai dar na interpretação.
O magistrado deve dar uma interpretação que não desproteja o “hipo” e que também não superproteja o “hiper”. A reforma, apesar de ter sido radical em um primeiro momento, não está causando a desproteção, porque o Poder Judiciário dá a devida interpretação.
Na sua análise, com a chamada validação jurisprudencial que veio a seguir, pela interpretação da lei no caso concreto por juízes e tribunais, alguns pontos da reforma acabaram perdendo a força?
Posso dizer que o legislador pode ter a vontade dele, mas, depois que a lei é aprovada, a vontade dele já não importa tanto, porque a lei ganha vida própria. Ela ganha, por assim dizer, a sua autonomia, e ela [autonomia] é desenvolvida pelo juiz.
Claro que o juiz não vai dizer que o preto é branco, jamais poderá contrariar o que a norma diretamente diz.
Ele interpreta, e não pode ser um criminoso ao interpretá-la. As súmulas vinculantes [decisão do Tribunal Superior que produz efeito vinculante em relação aos demais órgãos do segmento judicial] dão um direcionamento à interpretação da lei e uniformizam a jurisprudência, para que haja segurança jurídica, para que cada um saiba qual é o seu direito naquilo que diz a lei.
A interpretação, essa segurança jurídica na interpretação, é muito importante.
Em todo esse processo, de alguma forma os sindicatos perderam um pouco do seu espaço?
Na verdade, a reforma pretendeu até dar mais força para a ação coletiva. Contudo, ela não deu essa força também para os sindicatos. Não é que os sindicatos perderam espaço com a reforma, faz tempo que eles não têm essa força toda.
Há tempos que estão enfraquecidos. A reforma piorou no sentido econômico, porque, depois dela, os sindicatos não têm mais como arrecadar livremente contribuições obrigatórias dos empregados, o valor com que eles vão se sustentar, então a manutenção dos sindicatos ficou difícil.
Aí nós podemos até falar de uma contradição da reforma, porque, ao mesmo tempo em que estimulou a negociação coletiva, ela não fortaleceu aquele que faz a negociação coletiva [o sindicato] e economicamente o enfraqueceu. É um contrassenso!
Um sindicato é forte quando o trabalhador acha que ele pode defendê-lo e contribui para que ele se torne mais forte. Acho que vai demandar a categoria perceber que precisa se unir de verdade, ter representantes verdadeiros e que possam bem representá-los perante o empregador.
É aquela história do “unidos venceremos”. Essa é proposta da reforma. Infelizmente, os sindicatos não têm hoje a representatividade que faz com que os trabalhadores sejam beneficiados com a negociação coletiva.
De um modo geral, os objetivos da reforma estão sendo impactados pela pandemia?
A pandemia mudou tudo. Complicou tudo. Aquele empresário que, com raras exceções, investiu para trazer uma atividade produtiva perdeu. O trabalhador perdeu. Muitos perderam o emprego, e a reforma trabalhista que buscava trazer mais emprego..
Eu não sei se ela traria mais empregos, porque o que gera mais empregos não é a mudança de legislação, o que traz mais empregos é o crescimento econômico. Se o País cresce, os empregados aumentam.
E a pandemia reverteu isso. Mas estamos crescendo de novo. Os números mostram que estamos retomando a economia. E a esperança é que isso aumente os empregos.


Mato Grosso do Sul está em alerta para tempestades (Reprodução / Inmet)


