Depois de uma série de questionamentos sugerindo que a licitação bilionária para exploração de loterias em Mato Grosso do sul é um jogo de cartas marcadas, o Governo do Estado suspendeu o pregão, previsto para ser realizado na manhã desta segunda-feira (17).
Com três concorrentes que tiveram as propostas aceitas, o pregão acabou menos de três minutos depois de ter iniciado. Isso ocorreu para atender a um pedido de “esclarecimento apresentado pelo Sr. Rafael Willian de Melo, recebido em 15 de março de 2025”, diz o texto do pregoeiro Bruno Pereira Coelho.
Na sequência, explica que a medida foi tomada por conta da “necessidade de assegurar a transparência do processo licitatório, bem como evitar futuros questionamentos sobre eventuais restrições indevidas à ampla concorrência”, escreveu a pessoa responsável pelo pregão.
“A suspensão é justificada para garantir a avaliação adequada das propostas e evitar prejuízos aos licitantes, uma vez que o prazo de entrega constitui critério essencial de análise, conforme disposto no artigo 22 do Decreto Estadual nº 16.118/2023. Diante do exposto, o certame encontra-se suspenso, e seu prosseguimento será divulgado no Diário Oficial Eletrônico – DOE/MS”.
Antes do dia 15 (sábado), o processo já havia recebido dois pedidos de impugnação e um terceiro, de explicações. Mesmo assim, o pregão continuou agendado para a manhã desta segunda-feira. Agora, segundo a Secretaria de Estado de Fazenda, a nova data para o pregão depende da Secretaria de Estado de Administração.
A disputa atraiu três empresas. Uma delas apresentou a proposta mínima, de repassar 16,17% do faturamento ao governo estadual. As outras duas ofereceram devolução maior, de 17,2% e de 21,57%.
No pedido de esclarecimentos, Rafael William alega que em uma parte o edital diz que "o licitante não poderá se identificar no preenchimento da proposta".
Em outro trecho, porém, exige-se que "no anexo da proposta consta o nome do proponente, assinatura e carimbo da empresa. Diante de tal disposição, questiona-se: a empresa deverá preencher todos os campos do anexo da proposta ou deixá-la em branco, sem identificação"?, questiona ele, que se identifica como engenheiro de São José dos Campos (SP)
NEGÓCIO BILIONÁRIO
Conforme estimativas, a empresa que vencer a licitação para comandar a Loteria Estadual de Mato Grosso do Sul (Lotesul) poderá ter um faturamento anual de até R$ 1,4 bilhão, segundo estimativa macro feito pelo próprio Governo do Estado.
Apesar de no edital de licitação constar que a “estimativa da receita média anual de remuneração da plataforma é de R$ 51.474.339,31”, no termo de referência feito pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), organizadora do certame, o valor que a ferramenta pode chegar é muito maior.
“O faturamento anual com a exploração das modalidades lotéricas pode alcançar até 0,85% do PIB [Produto Interno Bruto] estadual. Contudo, tal patamar depende de fatores que vão desde a assertividade do produto até o apetite do mercado consumidor ao longo do tempo”, diz trecho do documento.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB de Mato Grosso do Sul em 2022 foi de R$ 166,8 bilhões. A fatia de 0,85%, portanto, significa uma receita de R$ 1,417 bilhão.
Neste ano, a estimativa da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) é ainda mais animadora: de que o PIB chegue a R$ 227,8 bilhões. Se isso ocorrer, o ganho chegará perto dos R$ 2 bilhões ao ano.
Caso a receita da vencedora chegue a esse valor, o governo do Estado, que terá direito a, no mínimo, 16,17% da receita bruta, pode receber anualmente R$ 229 milhões com a exploração dos jogos.
Porém, levando em consideração que o PIB chegue ao patamar previsto neste ano e a melhor proposta (21,57%) seja aprovada, o retorno anual para o poder público estadual pode chegar aos R$ 430 milhões
IMPUGNAÇÃO
O edital de licitação recebeu dois pedidos de impugnação na semana passada, um sendo do empresário Jamil Name Filho, o Jamilzinho, que está preso na Penitenciária Federal de Mossoró (RN), e outro da empresa Criativa Technology, de Dourados.
Os dois pedidos, no entanto, foram rejeitados pela Sefaz na sexta-feira. Segundo a Pasta, entre as alegações para negar a impugnação de Jamilzinho, estava o fato de que ele não fazia parte desse certame, portanto, não seria afetado pelo edital.
No caso da empresa de Dourados, a Sefaz afirmou que as defesas feitas não teriam fundamento, uma vez que o texto estava “alinhado às diretrizes normativas federais”, negando que houvesse direcionamento na disputa.
Segundo a Criativa Technology em seu pedido, o edital estaria favorecendo uma empresa, e isso caracterizaria falta de competitividade no certame. No entanto, a Sefaz negou que houvesse direcionamento da licitação, em sua resposta.
“A alegação de que essa exigência limitaria a concorrência a empresas que já operam nos estados do Rio de Janeiro e do Paraná também não se sustenta, pois a União já autorizou a operação de 79 empresas, as quais estão aptas a atuar no mercado de apostas. O número de empresas autorizadas ainda pode crescer, demonstrando que a exigência de homologação no Bacen [Banco Central do Brasil] não restringe a concorrência, mas sim estabelece um critério essencial para a segurança do setor”, alega o Estado.
A briga, no entanto, pode ser elevada, pois a empresa douradense também enviou o mesmo pedido de impugnação para a análise do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS), que ainda não deu seu parecer sobre o tema.