Cidades

ENTREVISTA

"Sobrevivi. Achei que não conseguiria, mas tive forças"

Catarina Guató foi por anos vítima de agressões e por meio do artesanato conseguiu retomar o controle da sua vida e quebrar o ciclo de violência

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Em alusão ao mês da mulher, o Correio do Estado vai apresentar nas entrevistas da semana em março personalidades locais que atuam em diferentes seguimentos de impacto na vida das sul-mato-grossenses. Neste dia 8 de março, a reportagem entrevistou Catarina Ramos da Silva, de 72 anos, mais conhecida como Catarina Guató.  

Por meio do aguapé, vegetação aquática, encontrada em abundância no Pantanal de Mato Grosso do Sul, Catarina conseguiu dar a volta por cima e alcançou a sua independência, após passar anos em situação de violência doméstica.  

Nascida na ilha de Ínsua, região territorial do município de Corumbá e a 36 horas de barco da área urbana da cidade, Catarina casou jovem, teve sete filhos e se viu obrigada a mudar de vida após ser constantemente agredida pelo seu marido.  

A indígena explicou que por meio dos artesanatos com fibra de aguapé, como tapetes, bolsas, chapéus, enfeites, entre outros, um dia conseguiu colocar fim ao ciclo de violência que estava envolvida.  

“Aquela situação estava me matando, eu já não tinha mais expectativas, sonhos. Vivia para sofrer, meu marido me batia e perdi dois filhos. Chegou um dia que eu simplesmente fui embora e me refiz. Com a ajuda da minha sogra, comecei a fazer meus artesanatos de aguapé, e essa planta deu um novo significado para minha vida, criei minha família”, comentou.  

Catarina contou que foi difícil se libertar, tentou mais de três vezes até se ver livre da rotina de violência. “Sobrevivi, achei que não conseguiria, mas tive forças. Hoje, sou feliz, sou realizada, me sinto importante e amada”, desabafou.  

Com seu trabalho, Catarina se tornou um símbolo de inspiração para muitas mulheres sul-mato-grossenses. “O artesanato vai dar mais independência para as mulheres e ajudar na renda da família. Quero deixar meu conhecimento para elas”, salientou.  

A senhora se tornou uma referência na região pantaneira por seus trançados em aguapé. Quando esse trabalho com a vegetação começou? O que motivou a senhora a trabalhar com a planta?  

Quando eu e minha sogra saímos da aldeia no Pantanal e chegamos em Corumbá, eu não tinha muito o que fazer, foi em uma época muito difícil, sem trabalho e eu tinha que arrumar formas para criar meus filhos.  

Nós não sabíamos trabalhar com outras coisas, como ser empregado ou como cozinhar para outras pessoas. Minha sogra então disse que íamos dar um jeito e trabalhar com o aguapé, e ela me ensinou. Depois disso, começamos a fazer as peças e entregar na casa do artesão, quando eles podiam, eles já pagavam ou então ficava em consignação. E assim fomos nos virando.  

 

Qual era a aldeia em que a senhora morava?

Aldeia Uberaba, lá no Pantanal, terra dos Guató. Eu nasci na aldeia, ainda criança com uns oito anos, eu me mudei para outras partes do Pantanal. Quando comecei a remar canoa, já ajudava minha mãe pescando. Minha vida tem muita reviravolta.  

 

A senhora disse que sua vida tem muitas reviravoltas e muitas delas aconteceram durante seu casamento. O que houve?  

Me juntei muito jovem, com o meu amor de infância, ele é o pai dos meus filhos, tivemos sete crianças, três homens e quatro mulheres, mas nunca fomos casados.  

Eu perdi meu filho por causa desse marido ruim, pelo comportamento dele. Ele me batia muito, e quando nos mudamos para Corumbá, depois que ele me deu um tiro dentro de casa, eu enfrentei e resolvi me separar. Esse foi o momento de virada da minha vida, me tornei uma mulher independente.

A ruindade dele era tanta que ele não se preocupava com o bem-estar da família, saúde ou os nossos limites, ele me mandava em qualquer lugar, e eu tinha de ir, senão eu apanhava.  

Uma vez ele me mandou para Campo Grande, para receber um dinheiro do escritório para pagar os homens que trabalhavam com ele. Enquanto não resolvia a situação, fiquei tomando chuva, passei frio, com o meu filho junto que pegou até pneumonia.  

Quando voltamos para o Pantanal, ele já estava muito mal, não aguentou e morreu. Isso foi consequência da ruindade dele. Ele não se importava. Não gosto muito de lembrar desses momentos tão tristes, mas foi assim que eu perdi um filho.  

 

Como foi esse ciclo de violência que a senhora viveu e sobreviveu?

Além de me espancar, meu ex-companheiro também me traía. E um dia ele achou que eu descobriria que ele tinha outra mulher, então ele tentou me matar, atirando em mim para que eu não brigasse com ele quando descobrisse a traição.

Ele não acertou o tiro, porque o atual marido da minha filha me ajudou, mas naquela noite, ele me espancou até 1h da manhã.  

Depois de muito bater, ele ainda falou para eu fazer um café para ele, antes que ele me matasse. Até esse momento, eu nunca tinha dito nada a ele. Mas na hora eu entendi que não podia mais viver assim.  

Me virei para ele e disse: ou você me mata de uma vez ou eu vou embora, dos dois jeitos, você nunca mais vai me ver. Fui trabalhar na fábrica e de lá eu não voltei mais para casa.

Foi difícil o fim do casamento, ele dificultou minha vida em todos os aspectos possíveis, disse que eu tinha abandonado meus filhos, mas eu sempre estive presente, ia no almoço e levava comida para as crianças.  

Foi difícil, mas eu acordei, eu já tinha tentado essa separação três vezes, e finalmente consegui.

O delegado chegou a me falar que era para eu voltar com ele, porque ele era bonzinho. Mas uma pessoa boazinha não atira em outra.

 

O artesanato com o aguapé foi uma salvação para a senhora? 

Para mim foi, porque é dali que tirei o sustento para os meus filhos. Reconstruí minha família assim, vendia as peças, deixava em consignação.  

Comecei a dar curso para mulheres que precisavam de uma renda assim como eu um dia precisei, para que pudessem ter a mesma chance de recomeço que eu tive.  

Para mim, esse caminho do artesanato foi muito bom. Agradeço a Deus por minha sogra ter me dado apoio, ela sabia que meu casamento não era bom, me incentivou a sair dessa vida. Ela era uma mulher muito forte e sábia. Hoje, tenho uma neta que me ajuda e viaja comigo. Ela aprendeu a trançar e é meu braço direito.

 

Como funciona o processo de produção? A senhora passou todo esse conhecimento para frente?  

Hoje em dia, eu compro o aguapé, porque não estou conseguindo remar bem, mas antes era eu quem tirava, alugava uma canoa e saía em busca da planta.

Não se pode tirar o aguapé com a faca, senão você cortar o broto e ele morre. É necessário cuidado, por mais que tenha muito aguapé, quando somos descuidados, não preservamos a natureza, no futuro podemos ficar sem. Depois de tirar colocamos para secar e aí vai uns três, quatro dias.  

Em 2015, abrimos uma associação e ficamos dois anos ensinando os moradores da Barra de São Lourenço a trançar. E agora eles estão trabalhando por eles mesmo. Ensinei crianças, mulheres e minha família.  

 

É perigoso a retirada do aguapé, visto que está em rios?

Para pegar os talos é preciso suspender e tirar apenas três, e aí quando você ergue a planta até cobra sai do meio. Sucuri aparece do lado da canoa e você não escuta o som. Lontra vem em cima da gente também. Então, sim, é um trabalho bem arriscado.  

 

Para a senhora, o artesanato é valorizado no Estado?

Infelizmente, as pessoas de fora valorizam e compram muito mais o nosso trabalho e arte.  

Aqui no Estado, eles querem comprar, mas não valorizam o trabalho de quem fez, reclamam do preço, acham que o trançado é simples de fazer, que a mão de obra tem de ser barata e que aguapé se encontra em qualquer lugar, mas eles estão errados.

Pensam que não pagamos nada para fazer, e estão muito enganados. Por isso é bom falar sobre a planta, para que as pessoas tenham mais consciência de que isso é um trabalho manual e tem custos.  

 

A senhora acha importante passar essa cultura para frente, para que esse tipo de arte não morra?

Eu acho. Existe uma grande produção desse tipo de arte na aldeia que vivem os Guatós, isso é uma cultura indígena.  

Priorizamos ensinar os Guatós, porque isso é fonte de renda para os indígenas. E depois outras pessoas que têm interesse, mas é importante ensinar quem vai respeitar a cultura, e não se apropriar e fazer de qualquer forma.

Eu mesma dou cursos para essas pessoas que eu vejo que precisam de uma fonte de renda e não têm, que estão em busca de autonomia.  

 

Para terminar, qual é o sonho da senhora?  

Eu tenho um terreno em Corumbá, e sonho em fazer um instituto lá, para eu ensinar adolescentes a fazerem artesanatos com aguapé.

Os mais jovens têm tanta curiosidade, querem tanto aprender, e eles pegam tão rápido o ensinamento. Acredito que ainda vou realizar esse sonho. Mas assim, já consegui ensinar quem eu precisava ensinar, e eu ainda vou transmitir muito mais dessa técnica se Deus quiser. 

MEIO AMBIENTE

Governo admite possibilidade de pior cenário de incêndios da história no Pantanal

Bioma já registrou mais focos neste ano do que em 2020; governador afirmou que situação pode piorar nas próximas semanas

12/09/2024 09h30

Cidade de Corumbá ficou laranja em meio às fumaças dos incêndios florestais que atingem a região

Cidade de Corumbá ficou laranja em meio às fumaças dos incêndios florestais que atingem a região Foto: Rodolfo César

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O Pantanal vive um dos piores anos em relação aos incêndios florestais de sua história. Até agora, mais de 2,8 milhões de hectares, que representam cerca de 18% do bioma, foram consumidos pelo fogo. O diagnóstico do governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), é de que a situação pode piorar, fazendo com que 2024 seja o ano mais devastador da história.

Em entrevista para a GloboNews, Riedel afirmou que as condições climáticas deste ano estão piores que as de 2020, o que contribuiu para que o bioma tivesse um número de focos de incêndio maior do que no ano recorde em hectares queimados.

“O importante é que as condições climáticas no bioma deste ano, ela foi pior que a de 2020, e é aí que queria fazer a correlação. Estamos fazendo esses estudos, porque lá em 2020 nós tivemos 4.790 focos. Neste ano, já são mais de 6.700 focos no bioma, não queimamos mais por conta do combate”, afirmou na entrevista.

“É uma lógica de aumentar cada vez mais [os esforços para o combate], seja dos governos estaduais, seja do próprio governo federal, em investimentos permanentes para fazer frente a essas condições que são atípicas, mas que me parecem ser cada vez mais permanentes”, completou o governador.

Neste ano, conforme dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa/UFRJ), até agora, o Pantanal teve 2,8 milhões de hectares queimados, o que corresponde a 18% de sua extensão total. Em 2020, ano que ainda obtém o recorde de área queimada, foram 3,6 milhões de hectares devastados.

“A gente está passando de 2,7 milhões de hectares no bioma Pantanal, e com condições climáticas [piores]. E aí a notícia ruim é que, nas próximas duas semanas, ainda teremos condições climáticas desfavoráveis e nós vamos ter que continuar com todas as nossas forças no bioma, combatendo”, continuou Riedel.

Com essa realidade e com a projeção de manutenção de seca no bioma, o governador foi pessimista quanto ao futuro dos incêndios na região.

“Sem dúvida, acho que a gente pode atingir o mesmo número de 2020. Vai depender muito da extensão desse período nessa condição que estamos vivendo hoje. Estamos com umidade relativa de menos de 10%, ventos acima de 30 quilômetros por hora, um calor muito intenso. Hoje [quarta-feira] está previsto 39°C, 40°C. São condições em que a propagação de qualquer foco é muito rápida”, revelou o governador.

COMBATE

Para tentar uma resposta rápida aos incêndios, o Corpo de Bombeiros e brigadistas doPrevfogo seguem na região.

Segundo o governado do Estado, desde o começo da operação na região foram mobilizados mais de 1.688 pessoas, entre elas: 1.018 bombeiros do Estado; 264 da Força Nacional; e 52 do Conselho Nacional dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil (Ligabom).

Atualmente, são 164 bombeiros, 76 militares da Força Nacional e 13 militares do Corpo de Bombeiros Militar de Sergipe, além de militares da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro, da Força Aérea Brasileira, da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, agentes do Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), brigadistas do PrevFogo e Polícia Federal. 

As ações se concentram em 10 frentes, entre elas a região do Paiaguás, do Paraguai Mirim, do Nabileque, do Porto Índio, de Miranda, de Aquidauana e de Porto Murtinho.

QUALIDADE DO AR

Com tantos focos de incêndio, a qualidade do ar em Corumbá e Ladário tem sido um problema. O Prevfogo/Ibama mantém uma estação em Corumbá, na base dos brigadistas, no Parque Marina Gattass, para analisar a qualidade do ar.

A medição desta semana indicou altíssima concentração de poluentes, com níveis muito superiores aos de países cujo ar está entre os mais poluídos do mundo, conforme o World Air Quality. Na terça-feira o nível identificado para Corumbá foi de 448 PM 2.5. Ontem, a medição marcou 433.

Essa medição é de partículas sólidas com menos de 2.5 micrômetros de tamanho, suficientes para entrar na corrente sanguínea e causar uma série de problemas de saúde em médio e longo prazo, bem como aumento de alergias no curto prazo. (Colaborou Rodolfo César)

Saiba

A densa fumaça dos incêndios que está cobrindo o céu de Corumbá e Ladário foi agravada pelos incêndios na Bolívia.

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CURIOSIDADE

Fumaça que 'esconde' o sol faz o calor aumentar ou diminuir em MS?

Geralmente, quando o céu está nublado, o sol fica escondido e as temperaturas diminuem; saiba se a fumaça também faz as temperaturas diminuírem

12/09/2024 09h05

Sol está avermelhado por conta da fuligem dispersa no horizonte

Sol está avermelhado por conta da fuligem dispersa no horizonte GERSON OLIVEIRA

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Fumaça, que cobre o céu de Mato Grosso do Sul, esconde o sol e deixa o céu “nublado” e o horizonte acinzentado.

Geralmente, quando o céu está nublado, o sol fica escondido e as temperaturas diminuem.

Mas, a fumaça faz as temperaturas aumentarem ou diminuírem? Se não houvesse fumaça, estaria mais calor?

Em entrevista exclusiva ao Correio do Estado, o meteorologista Natálio Abrahão afirmou que, por mais que a fumaça barre os raios solares, o calor aumenta intensamente com a presença de fuligem no céu.

Ou seja, a temperatura diminui quando o céu está nublado (com nuvens) e aumenta quando está nublado (com fumaça).

“Você já colocou uma tampa em uma panela com água? Então. A tampa que me referi significa que não deixa o ar subir de jeito nenhum, empurrando o vapor de água para muito longe, para o Hemisfério Norte. Quando esse ar afunda de cima pra baixo, ele é como se fosse a tampa de uma panela, ele não deixa o ar subir e quando o ar quer subir, ele manda pra baixo. Então, por isso que eu falei que é como se fosse a tampa de uma panela, isso chama-se estabilidade. E o que está acontecendo agora é que essa panela, essa tampa dessa panela, que a gente está falando aí, que é o ar que tá pressionando pra baixo, ela é tão forte, tão forte que não deixa o ar nem sair do chão. Por isso que começa a formar poeira, a fumaça fica no ar. A comparação é para você saber a enorme estabilidade do ar no Centro-Oeste todo”, explicou o meteorologista ao Correio do Estado.

FUMAÇA

Mato Grosso do Sul está com céu encoberto por fumaça há aproximadamente 14 dias consecutivos. A fuligem é oriunda dos incêndios do Pantanal, Amazônia, São Paulo, Goiás e outros estados brasileiros que literalmente estão “pegando fogo”.

O tempo parece nublado, mas, na verdade se trata de fumaça e fuligem dispersas no ar, deixando o horizonte cinzento e com baixa visibilidade.

Em Campo Grande, o sol está avermelhado por conta da fuligem dispersa no horizonte.

Fumaça é a suspensão na atmosfera de produtos resultantes de uma combustão. Pode ser tóxica quando aspirada. Resulta de queimadas, fogueiras, brasas, motores de gasolina e gasóleo.

Névoa seca é formada quando há a condensação de vapor d'água em combinação com poeira, fumaça e outros poluentes, o que dá um aspecto acinzentado ao ar.

O meteorologista Natálio Abrahão afirmou que o fenômeno responsável por deslocar a fumaça, para longas distâncias, é o vento.

“São fluxos de ventas que se originam lá da região amazônica, e esse fluxo de vento vai agregando esses fatores aí. Se ventar uma manhã inteira, os ventos podem levar a fumaça de 100 a 150 quilômetros de distância em apenas uma manhã”, explicou Abrahão.

Confira imagens do céu encoberto por fumaça em Campo Grande:

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