Enquanto não há definição a respeito da Lei das Polícias Penais, esses servidores sul-mato-grossenses que atuam no Estabelecimento Penal “Jair Ferreira de Carvalho” - popularmente conhecido como Máxima - alegam uma sobrecarga de funções que prejudicam as condições de trabalho, enquanto a própria superlotação da penitenciária contribui para que as facções se consolidem e atuem onde o Estado não se faz presente.
Durante protesto que reivindica melhores condições de trabalho e segurança, o presidente do Sindicato dos Servidores da Administração Penitenciária de Mato Grosso do Sul (Sinsap-MS), André Santiago, indicou que as escalas de plantão que se acumulam tem deixado esses profissionais doentes.
Cabe ressaltar, como aponta o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que há a necessidade de um agente para cada cinco presos, sendo que, atualmente, 11 policiais penais monitoram cerca de 2,4 mil presos na Máxima de Campo Grande, quando aproximadamente 500 deveriam estar fazendo esse serviço.
Conforme André Santiago, a solução mais rápida e imediata seria reduzir as rotinas internas e priorizar a segurança desses agentes, porém, a própria superlotação do sistema impede que isso seja feito, o que abre brecha para que as facções criminosas prestem assistências a novos presos, o que é conhecido internamente como "alistamento".
“Temos um discurso que precisa ser discutido, a famosa ressocialização. Ela é possível desde que tenhamos a capacidade de isolar os presos pelo grau de criminalidade. Hoje, a superlotação impede que isso seja feito e as facções acabam tendo influência direta em todo detento que entra no sistema, ele atende o preso antes mesmo do Estado. A parte jurídica temos dados que ela é assistida pela facção que dá suporte para o preso que adentra”, afirma André Santiago
André Santiago comenta que a defensoria pública e o Estado agem muito tempo depois com a devida assistência para esse preso, que acaba devendo favores à quadrilha, tendo que fazer novos crimes ou terminar se alistando na facção criminosa de maneira definitiva. Para ele, há necessidade de presídios específicos no MS, que isolem as lideranças criminosas em regime diferenciado.
“Porque a ressocialização para um nicho de detentos é uma utopia, aqueles de altíssima periculosidade e faccionados que a sociedade sabe dos crimes atrozes. Quando ele entra no sistema, é feito um perfil criminológico e orientado para qual presídio e regime ele tem que fazer parte, dependendo do crime que comete. Temos capacidade para fazer isso, mas a falta de estrutura predial, de ter uma unidade para fazer esse isolamento que não temos", completa ele.
Situação atual
Dias atrás o Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho registrou, por volta de 03h40 da madrugada, a fuga de dois internos, que usaram uma "teresa" (espécie de corda formada por lençóis torcidos e entrelaçados) para pular o muro da penitenciária.
Diante disso, a torre de vigilância mais próxima do pavilhão seis, de onde fugiram os dois detentos, foi ativada, o que segundo André Santiago não reprime as tentativas de fuga e sobrecarrega o servidor, uma vez que se desativa um posto interno de segurança para cumprir o efetivo da torre, que ele considera “uma resposta para a mídia”.
“Assumimos a função de 1000 policiais militares, mas esses agentes que se transformaram em policiais penais, não houve a disponibilização de curso de capacitação para todos; não tem armamento para todos os policiais penais, nós não temos nem fardamento… uma polícia que nem farda tem. Essa roupa é o servidor que está comprando e que adotou ela como uniforme”.
Para André Santiago, diante de uma crise no sistema como essa, é fácil achar “um boi de piranha”, alguém a ser responsabilizado que, segundo o presidente do Sinsap, “muitas vezes é a ponta mais falha da corda”.
Ele frisa que a responsabilidade recai sobre o colo do secretário-executivo de Justiça do Estado de MS, Rafael Garcia Ribeiro, ressaltando a necessidade da devida regulamentação para o cargo do policial penal - criado há cerca de dois anos -, pedindo ainda um aumento do quadro, além da inclusão das atribuições de forma legal, para que o servidor tenha subsídio para atuar.
“Na prática, ele [servidor] fez um curso de capacitação. A gestão simplesmente fala para ele, 'sobe na torre'. Mas não existem procedimentos reais e legais dizendo para ele o que deve adotar, que é o chamado POP: se ele vai atirar; se tem amparo do Estado para isso; se precisa fazer um tiro de aviso, não existe essa orientação”, comenta.
André comenta que o servidor, diante da responsabilidade pela escolta e custódia hospitalar, abandona o posto na Penitenciária após 12 horas em pé, caminhando cerca de 14 km enquanto cuida do presídio, e vai para o hospital para mais doze horas no local.
“Ele não está em condições de ter uma eficiência na custódia, volta para cá e ainda faz hora extra porque não tem efetivo, ele tem que ajudar o companheiro. Faz mais 60 horas aqui no dia seguinte e muitos ainda estão sendo convocados. Um plantão de 24 horas, mais 60 em seguida e mais uma convocação, aí ele vem para o próximo plantão mais 60 horas e outra convocação”.
Ele conclui ressaltando que, diante de uma crise no sistema prisional do Estado, a gestão prioriza políticas de ressocialização - consideradas por ele ineficientes -, enquanto a segurança tem fica para segundo e terceiro plano.
“E nós, servidores, policiais penais, cuja responsabilidade tem que constar em nossas regras, é somente a responsabilidade da segurança da unidade. Não somos mais ressocializadores. Existe uma confusão de ainda sermos agentes penitenciários, coisa que não somos mais. A lei vai distinguir isso definitivamente e dizer que sou responsável só pela custódia; escolta; segurança interna do presídio e pelas muralhas e tão somente isso”, finaliza.