Seis meses depois de a Rodar ter sido “expulsa” do aeroporto de Campo Grande, uma nova empresa começou a operar no transporte individual de passageiros nesta sexta-feira, o que provocou protesto de taxistas, que no começo da noite chegaram a interromper o tráfego em frente o terminal de embarque e desembarque
Além de alegaram que não existe previsão na legislação municipal para que esse tipo de empresa opere no transporte individual de passageiros, taxistas travaram o trânsito sob o argumento de que os motoristas da nova empresa, CGR Campo Grande Transportes Personalizados, estava estacionando em local inadequado, reservado pela Agetran para taxistas.
De acordo com Flávio Panissa, presidente do sindicato dos taxistas, a empresa foi registrada na Agetran como se fosse empresa de aplicativo. Porém, não utiliza aplicativo nenhum e os motoristas ficam no portão de desembarque oferecendo serviço de transporte, segundo ele.
“Isso faz com que virem ilegais e clandestinos, pois não utilizam aplicativo e muito menos taxímetro para calcular o preço das corridas. Empresa de transporte privado, para estar enquadrada na legislação, precisa usar aplicativo, e eles não se enquadram em nada disso”, alega o presidente do sindicato dos taxistas, que promete levar adiante a disputa pelo que ele classifica como cumprimento da legislação no setor de transporte individual de passageiros.
Por conta da manifestação, a Aena, que contratou a empresa, informou que “as autoridades públicas foram acionadas para desobstruir as vias de acesso” e o tráfego voltou a fluir. Antes disso, porém os agentes da Guarda Municipal obrigaram os motoritas da empresa retirarem os veículos do local, sob pena de serem multados por estacionamento irregular em faixa amarela.
De acordo com Flávio Panissa, a Aena não pode simplesmente colocar sinalização de trânsito de acordo com o que lhe convém. "Eles não estão acima da lei. Fui síndico de um condomínio e qualquer rua, mesmo que esteja em área privada, pricisa seguir a legislação municipal e do código de trânsito. Eles simplesmente foram lá e trocaram uma placa indicando que o espaço era reservado para taxistas".
Além disso, Panissa argumenta que o retorno do serviço privado vai trazer de volta "aquele verdadeiro assédio de oferta de transporte que existia no portão de desembarque na época da Rodar. As pessoas são abordadas cinco, dez vezes logo após o desembarque. Isso é muito feio para a cidade", entende.
EMPRESA NOVA
A assessoria da concessionária informou ainda que “a Aena e a empresa de transporte de passageiros CGR Campo Grande firmaram recentemente acordo para prestação de serviço” e que “ empresa atende a todos os requisitos necessários para exercer essa atividade”.
Indagada se os proprietários têm alguma relação com os antigos donos da Rodar, a Aena informou apenas que “a empresa mencionada é a CGR Campo Grande, não a Rodar”.
Criada oficialmente em dezembro 2021, a CGR tem como sede um imóvel residencial no número 750 da Rua Tokio, na Vila Palmira. Seu proprietário informou ao Correio do Estado que começou a operar na tarde desta sexta-feira com 27 motoristas cadastrados e que, por enquanto, não está recebendo novas inscrições.
O proprietário oficial da CGR, Rudnei Assis Henrique, informou que “a CGR participou do processo aberto pela AENA e saímos vencedores de um dos dois espaços para transporte de passageiros, e após assinatura do contrato e respectivo credenciamento emitido pela AENA, começamos a operar. O outro espaço saiu vencedora a Aerocop, cooperativa de táxi”.
Taxistas do aeroporto, porém, dizem que os motoristas que estão atuando nos veículos e abordando clientes no portão de desembarque são os mesmos que atuavam pela Rodar, o que os leva a acreditar que seja a mesma empresa, mas com outro nome.
NA MIRA DA PF
Esta Rodar apareceu na investigação da Polícia Federal Ultima Ratio, desencadeada em outubro do ano passado e que resultou no afastamento de cinco desembargadores e de um juiz de primeira instância do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Somente um dos desembargadores voltou ao seu cargo.
A suspeita da PF é de que esta empresa tivesse sido usada para repassar o pagamento de sentenças judicias supostamente compradas no TJ. A investigação da PF apontou que a Rodar repassou ao menos R$ 147.594,00 para Ana Carolina e Marcos Abreu, filhos do desembargador Vladimir Abreu, um dos quatro desembargadores que seguem afastados do TJMS.
De acordo com a investigação da PF, o principal sócio da Rodar era o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, apontado como um dos principais operadores do suposto esquema de venda de sentenças envolvendo magistrados e seus filhos no TJMS.
No caso da Rodar, os repasses aos filhos de Vladimir de Abreu eram feitos por uma terceira pessoa, identificada como Flávio de Moraes. Ele era o proprietário original da Rodar e em outubro de 2022 vendeu 80% da empresa para Mirella Thomaz da Silva Cunha, esposa do advogado Félix Jayme. No ano passado, quando da conclusão da investigação, o dono da empresa era o próprio advogado.
Segundo informações obtidas no COAF relativas a 22 de outubro de 2022 a 12 de outubro de 2023, “a principal remetente de valores para a conta de FLÁVIO DE MORAIS é MIRELLA THOMAZ DA SILVA CUNHA, esposa do investigado FELIX JAYME DA CUNHA, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em 3 lançamentos”.
E, no mesmo período em que recebia o dinheiro de Mirella, Flávio fazia os repasses aos filhos do magistrado, aponta o relatório da Polícia Federal, que tem mais de 800 páginas descrevendo o que os investigadores apontam como esquema de venda de sentenças judiciais.
A investigação aponta que Flávio de Moraes e Marcos Abreu (filho do desembargador) são muito próximos. Entre os dias 25 de abril e 10 de maio do ano passado, período em que seus telefones foram grampeados pela Polícia Federal, trocaram 71 mensagens por aplicativo e 21 ligações telefônicas.
Em seu relatório, a PF deixa claro que não conseguiu identificar o motivo das transferências de Flávio para os filhos do magistrado. Porém, deixa claro que a suspeita principal é de que a empresa de transporte fosse utilizada como uma espécie de tabela para fazer o pagamento de supostas decisões judiciais vendidas pelo desembargador Vladimir Abreu.
Indagado neste sábado (26) se tinha alguma relação com Felix Jaime, Mirella ou Flávio, o proprietário legal da CGR, que ora se identificou em diálogos pelo whatsapp com a grafia de Rodnei e ora como Rudnei, garantiu que “não temos qualquer relação com as pessoas mencionadas”.


