AGÊNCIA ESTADO, GENEBRA
O Vaticano divulgou ontem novo manual que endurece suas leis contra atos de pedofilia por padres. O documento estabelece procedimentos sobre como devem ser julgados e punidos os sacerdotes envolvidos. Mas não lida com os casos passados, não obriga padres a informar a polícia sobre abusos que tenham conhecimento e nem prevê a expulsão imediata de um suspeito, reivindicações de grupos de vítimas. O documento ainda aproveita para classificar a ordenação de mulheres como “crime grave”.
O documento foi divulgado pela Congregação para a Doutrina da Fé e assinado pelo seu prefeito William Levada, arcebispo americano e que sucedeu ao alemão Joseph Ratzinger, que deixou o cargo para se tornar Papa.
Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, explicou que as medidas aceleram os procedimentos para “afrontar com eficiência as situações mais graves e urgentes, abre as portas para que laicos participem de tribunais eclesiásticos, eleva a prescrição do delito de abusos de 10 para 20 anos e introduz o delito de pedopornografia”.
Na prática, essa introdução permite que se puna a aquisição, posse e divulgação “por parte de um membro do clero, em qualquer modo e com qualquer meio”, de imagens pornográficas. Mas o maior prazo de prescrição é considerado como a principal inovação, já que permitiria que jovens esperassem até ser adultos para decidir abrir um caso contra um padre que os tenha abusado anos antes. Hoje, com apenas dez anos de prazo, muitos dos casos acabam sendo decididos pelas famílias.
A nova prescrição permitirá que muitos padres, cujas ações foram ilegais, possam ser julgados, mesmo que por anos as vítimas tenham sido silenciadas. Abusos sexuais contra adultos com deficiência mental passa a ser um crime com penas equivalentes a pedofilia.
A denúncia à polícia não teria sido tratada porque tal assunto não poderia ser alvo de um texto canônico. Mas Lombardi insiste que as leis civis de um país devem ser seguidas sempre.
Grupos de ativistas e de familiares de vítimas insistiam que a obrigação da denúncia fosse adotada pelo Vaticano como forma de acabar com a prática de bispos que fecham os olhos para os crimes e apenas transferem padres de uma igreja a outra. O novo pacote de medidas não fala da possibilidade de expulsão imediata de um religioso acusado de abusos sexuais, outra reivindicação dos grupos de ativistas.
O Vaticano também anunciou modificações para garantir a confidencialidade dos processos e defender a intimidade das vítimas, além da dignidade “de todas as pessoas implicadas”. Na prática, isso permite um maior sigilo em relação ao acusado.
Mulheres
No mesmo texto, o Vaticano classifica a ordenação de mulheres como “crime grave” e aumenta a punição sobre o padre que tentar ordenar uma mulher. O crime teria como pena até mesmo a expulsão do padre que teria violado as regras da Santa Sé em relação ao sexo feminino.
Ao colocar a ordenação de mulheres como crime no mesmo documento que trata da pedofilia, o Vaticano acena que os dois atos seriam da mesma gravidade. Há três anos, a Santa Sé decretou que ordenar mulheres geraria a excomunhão imediata tanto do padre que liderou o processo como da mulher ordenada.
O monsenhor Charles Scicluna, que atua como promotor do Vaticano para casos de abuso sexual, alegou que o tratamento do crime da ordenação de mulheres no mesmo texto relativo aos abusos sexuais não significava que ambos são equivalentes. O texto, segundo ele, serve para atualizar as normas canônicas e estabelecer os crimes mais graves, seja contra o sacramento e a moral. A violação do segredo da confissão também aparece como um crime grave, além da heresia, cisma e apostasia.