Desde a década de 90 acompanho o trabalho do Amir, e sempre fui uma grande admiradora. Quando comecei a cobrir as semanas de moda, tive a oportunidade de fazer muitas entrevistas e assistir aos desfiles dele, na minha opinião, sempre incríveis, cheios de histórias, consistência, informação, beleza e claro, castings impecáveis.
A trajetória desse profissional formado em História dentro da moda sempre foi aplaudida de pé, com críticas positivas em sua maioria e peças desejadas e esperadas pós desfiles, sejam dentro ou fora do país.
Como eu mencionei, Amir é formado em História, e criou a famosa marca brasileira de moda praia, a Rosa Chá. O estilista sempre figurou entre os grandes nomes no segmento e apresentou coleções em sucessivos desfiles no Brasil e também na semana de moda de Nova York, e tem sua moda vendida nos quatro cantos do mundo.
As coleções Amir Slama têm seu ingrediente cultural - um toque da ousadia e da brasilidade de Carmen Miranda à geometria de Hélio Oiticica. No início de 2000, a imprensa americana saudou Amir como "Rei Sol". As roupas de praia não só encontravam seu lugar ao sol, Amir também encontrava. Ele elevou a praia a categoria de moda, fazendo com que as roupas de praia passassem a invadir também a cidade.
“Eu sempre acreditei que a praia era um universo e um local onde realmente existia uma brasilidade, porque era o lugar mais democrático onde o branco, o preto, o amarelo, o verde, o azul, todo mundo se juntava e era igual de uma certa forma e isso gerava uma moda muito própria. E era uma moda muito desconstruída e muito relaxada que não perdia a sofisticação. Então, ela saia da praia, entrava a cidade e voltava para a praia, e era uma coisa brasileira, não era privilégio só do Rio de Janeiro, ou só da Bahia, era uma síntese muito brasileira. E esse primeiro desfile que eu fiz lá fora, eu tive esse reconhecimento muito rápido, assim”, relembra Amir.

Slama se desligou da marca que criou, a Rosa Chá em 2010, e passou a assinar suas coleções com seu nome em 2011, com loja própria em São Paulo. Além das coleções regulares, assina parcerias com a Phebo/Granado, Tok Stok e faz collabs com esportistas e outras marcas, no Brasil e no exterior.
Nesta Capa especial do Correio B+ falando de moda, e que antecede algumas semanas da maior semana de moda da América Latina, Amir Slama conversa com exclusividade com o nosso Caderno e fala sobre sua nova coleção, a morte da mãe, novas parcerias e que não participará desta edição do São Paulo Fashion Week e explica o porquê.
CE – Amir como foi para você a pandemia e hoje, no pós pandemia?
AS - Olha, eu vou te falar uma coisa bem sincera, se não fosse essa parte de COVID-19, de ter perdido a minha mãe... Foi boa! O que me pegou demais foi essa perda...A minha mãe morava com a gente há 10 anos, ela faleceu faz pouco com 91 e de COVID-19, então, isso mexeu muito comigo e eu acabei presenciando toda aquela história de hospitais lotados muito maluco, que parece que a gente já esqueceu isso hoje. Nesse sentido, foi muito ruim. Por outro lado, em relação a trabalho, a gente conseguiu se organizar melhor. A gente estava até comentando antes, que hoje eu faço coisas que eu não fazia há 20 anos, mas tudo isso é bacana, porque eu acho que a gente que trabalha com moda, a gente vibra com o tecido, com a criação, com a estampa... Então, é muito gostoso, de uma certa forma, até recuperar algumas coisas que não ficavam para trás.
CE - As pessoas falam: “É muito clichê dizer que na pandemia eu cresci, eu refleti, eu mudei...”
AS - Eu trabalhei muito! Por mais que a gente não tenha trabalhado fisicamente com a equipe como um todo, a gente fez rodízio, então, assim, um dia vinha trabalhar duas costureiras, no outro dia vinha trabalhar outras duas, mas a gente não parou. A gente tem um trabalho muito bacana on-line, continuamos atendendo pessoas no mundo inteiro, continuamos fazendo, produzindo, reciclando muito material... Porque tinha falta de produtos, e isso está acontecendo até hoje. Mas foi muito bom para repensar na reciclagem, reaproveitar retalhos, tecidos e aviamentos, então, nesse sentido, a gente teve um repensar de tudo.

CE - Qual a diferença de você apresentar a sua coleção no Brasil e fora dele?
AS - Eu fiz o meu primeiro desfile fora do Brasil em 2000, foi uma coleção que eu tinha a Carmen Miranda como referência. Eu nunca trabalhei os brasileiros de uma forma caricata, mas pela minha formação, pois sou formado em História, eu sempre gostei muito da história do Brasil, Brasil Colonial, Brasil nos anos 50, e essa coleção que eu apresentei lá, foi realmente uma coisa muito chocante para mim, porque é tudo que eu queria mostrar aqui no Brasil e as pessoas da imprensa na época não entendiam, lá foi uma coisa tão assim rápida e imediata, que era elevar a praia à moda, então, desde que eu comecei a trabalhar com isso, eu percebia que a moda praia realmente era uma moda. E não era assim até lá atrás, lá atrás as pessoas enxergavam um maiô e um biquíni como uma calcinha e um sutiã e só. E a gente, não. Eu sempre acreditei que a praia era um universo e um local onde realmente existia uma brasilidade, porque era o lugar mais democrático onde o branco, o preto, o amarelo, o verde, o azul, todo mundo se juntava e era igual de uma certa forma e isso gerava uma moda muito própria. E era uma moda muito desconstruída e muito relaxada que não perdia a sofisticação. Então, ela saia da praia, entrava a cidade e voltava para a praia, e era uma coisa brasileira, não era privilégio só do Rio de Janeiro, ou só da Bahia, era uma síntese muito brasileira. E esse primeiro desfile que eu fiz lá fora, eu tive esse reconhecimento muito rápido, assim. Eu tive jornais e matérias falando que era uma noite histórica, para ficar na história, e, realmente, foi. Foi uma resposta muito bacana e positiva e me deu mais segurança para continuar a trabalhar, porque aqui eu ficava brigando, brigando, para tentar mostrar uma coisa que as pessoas não entendiam (risos).

CE - Mas isso acontece muito... E eu acho que é totalmente cultural...
AS - Então, a gente tem um problema cultural, pois somos um país colonizado, então a gente tem muito aquela coisa que o que vem de fora é melhor. Hoje em dia me incomoda demais a gente não ter muito espaço. Eu sei que os veículos também hoje precisam se pagar, enfim. E as marcas internacionais elas têm uma força financeira muito grande para poder anunciar, para poder ter matérias maiores, mas, eu acho que a gente tem esse complexo de inferioridade, que o que vem de fora é melhor, tem mais qualidade...
CE - Mas eu acho que também é de lugar para lugar, dentro do próprio país...
AS - Sim, eu percebo que a gente tem essa de internacional ser melhor, ter mais acabamento, mais qualidade... Eu acho que em muitos momentos, sim, mas se tem muita coisa boa aqui no Brasil. Você tem trabalhos de estilistas incríveis. A gente precisa ter mais espaço, mais conhecimento, mais possibilidade de se comunicar.

CE - A gente sabe que o próprio São Paulo Fashion Week se “transformou”, como você vê isso?
AS - Eu acho que a grandiosidade ainda existe. O acabamento é muito bom, o formato... A Semana de Moda em São Paulo não deixa a desejar em nenhuma semana lá de fora em termos de organização, de estruturação... Agora, o que acontece? Eu acho que mudou o sentido. E eu acho que a forma de se comunicar também. Eu fazia um desfile, a primeira fila, você tinha os lugares das editoras de moda, das jornalistas de moda. Hoje, quem escreve sobre moda? A gente conta nos dedos. Então mudou muito. E eu vejo isso lá fora também, lá fora você pega a primeira fila e estão as influencers (risos). Então, eu acho que mudou muito o sentido e a forma de se comunicar. Eu acho que a gente está tentando ainda decifrar um pouco como é isso.

CE - E a sua coleção...
AS - Então, quando eu comecei a trabalhar, a minha mãe praticamente veio trabalhar comigo. Ela sempre entendeu de costura, então, ela sempre ficou nessa parte de produção, da costura, do corte... E ela era uma pessoa superativa, de manhã ela ligava para a minha casa e falava: “São 7h, vambora”. E ela participou muito de todo o meu processo de trabalho, depois o meu pai faleceu e ela veio morar com a gente, e eu cuidava dela tecnicamente, porque ela começou a ter um pouquinho de Alzheimer, isso com uns 85 anos, e eu cuidava dela. Chegava em casa eu que jantava com ela, depois colocava para dormir, então, eu tinha uma relação muito apegada. E foi um trauma enorme tudo isso. Foi maluco pra mim! E foi legal quando eu voltei a trabalhar depois de sete dias, eu cheguei numa mesa de vidro e tinham trinta desenhos de margaridas no quais cada uma das pessoas que trabalham aqui fizeram. E aquilo foi muito emocionante também de ver e de sentir. E disso acabou virando uma história. Eu olhei aquilo tudo e falei: “Nossa, é uma coisa tão bacana”. E aí a gente fez uma junção de alguns elementos e acabamos criando uma estampa com essas margaridas e que virou a primeira parte da nossa coleção.
CE - Você fez em homenagem a sua mãe?
AS - É. Não foi nada muito pensado, mas acabou sendo, não tem como não ser. Ela é uma referência de vida para mim. As pessoas me falam: “Ah, você tem saudade”, mas eu não tenho saudades, eu tenho tristeza. Porque eu acho que saudades a gente sente depois de muito tempo. E quando a gente está muito perto, é bem complicada essa sensação. Quando a gente perde mãe, ou perde pai, você cresce na porrada. A COVID-19 é uma doença maluca que veio, tudo bem, mas faltou no país da gente um pouco de cuidado. Se tivéssemos a vacina 40 ou 50 dias antes, teríamos muito menos gente morta do que a gente teve.
CE – E sobre a coleção?
AS – Fora essa questão da estampa, que virou um ponto forte e de destaque, pois sem querer os desenhos eram todos coloridos, porém, eles viraram preto e branco, e com uns toques de vermelho, que é a cor do amor. Mas foi tudo muito inconsciente mesmo, não é uma coisa que foi muito programada. E as proposta de formas, eu procurei muito trabalhar as simetrias, eu acho que agora eu vou fazendo paralelos, eu vou vendo que são coisas que acabam tendo a ver mesmo. Simetrias são coisas que a gente gosta, são mais regulares, paralelas, geométricas. Eu acho que é um pouco da ordem que a gente quer que exista, então, a gente acaba transferindo isso para a roupa que a gente está fazendo.

CE – O fato de você fazer moda praia, depois a tua praia se transformou naquilo que a gente pode usar em qualquer lugar...
Eu sempre pensava: “Por que o Almir não faz fitness?”
AS - Hoje em dia o maiô ele é uma roupa que você usa numa festa, com uma saia, como um vestido... Na verdade, os meus clientes sempre me pediram isso e eu tinha muita coisa desenhada, já pré-moldada, mas eu não tinha espaço para produzir e não tinha muito onde fazer. E aí, no ano passado, graças a Deus, depois de um tempo, eu consegui produzir. E foi incrível, porque são modelagens muito pensadas em termos de visibilidade, de compressão, de conforto, e são atemporais. Por mais que a gente trabalhe o fitness em coleção, é totalmente atemporal. É uma mistura de telas com texturas. Os clientes sempre me cobravam porque tem tudo a ver com o que eu faço, próximo ao corpo, e eu, também, pessoalmente, de uns seis anos para cá, me liguei muito para o esporte também. E senti essa necessidade de poder expressar isso na roupa.
CE - Você fez em uma parceria?
AS - Então, essa primeira coleção eu fiz com um pessoal do Sul. Eles tinham uma fábrica, eu montei os protótipos e eles fizeram a produção. A ideia é lançar a cada dois meses algo novo.
CE - Você havia falado que não vai participar da próxima edição do SPFW...
AS - Eu acredito muito na imagem da moda. É uma coisa que a gente não abre mão. Então, a gente sempre faz ou a fotografia, ou o desfile, não necessariamente dentro da semana de moda, mas apresentamos isso em um conceito. E eu acho que é importante você ter essa coisa com o modelo masculino ou feminino, porque a gente trabalha tanto aquilo que a gente quer passar e quando você vê materializado uma maquiagem, um cabelo, um sapato, aquilo te dá uma síntese do seu trabalho.