Correio B

CINEMA

Aos 84 anos, Reynaldo Paes de Barros relembra como criou as imagens do clássico "Menino de Engenho"

Reynaldo Paes de Barros conta os desafios para criar as imagens do filme "Menino de Engenho", do diretor Walter Lima Jr., no Nordeste brasileiro

Continue lendo...

No verão de 1964/1965, Walter Lima Jr., que havia sido assistente de Glauber Rocha (1939-1981) em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, consegue levantar a produção do seu primeiro longa-metragem como diretor. 

Na equipe, seguindo do Rio de Janeiro para João Pessoa (PB), está o fotógrafo Reynaldo Paes de Barros, então com 26 anos, que tinha se formado em cinema em Los Angeles, na UCLA, e trouxera na bagagem a própria câmera.

Antes de voltar ao Brasil, em 1963, o filho de pecuarista, nascido em uma fazenda de 100 mil hectares cortada por dois rios, em Santo Antônio do Leverger (MT), fez uma escala na Alemanha e, com a Arriflex 2B de três chassis, para película de 35 milímetros, trouxe um carregador e três lentes Schneider – uma grande angular, uma focal média e uma teleobjetiva.

O equipamento que captaria as elogiadas imagens de “Menino de Engenho”, estreia de Lima Jr., baseada no primeiro romance de José Lins do Rego (1901-1957), ajudaria, e muito, o jovem Reynaldo a se estabelecer no mercado carioca.  

Graças a ele, o cameraman integra-se sem dificuldade ao circuito e chega a participar de algumas produções estrangeiras rodadas no Brasil, entre elas a série “Tarzan”, com o ator Ron Ely, e o filme sueco “Palmeiras Negras” (1968), de Lars-Magnus Lindgren, com Max von Sydow (1929-2020) e Bibi Andersson (1935-2019) no elenco, dois astros consagrados pelo diretor Ingmar Bergman (1918-2007).

Mas, por enquanto, estamos nos domínios do Cinema Novo brasileiro, que, entre outros pressupostos, valorizava o engajamento na interpretação da realidade nacional e uma fotografia de iluminação natural, muitas vezes estourada e de forte contraste, como em “Deus e o Diabo”. 

Agitador maior do movimento cinema-novista, era o próprio Glauber quem chefiava a produção, e Reynaldo estava preocupado com a missão que tinha pela frente.

Como filmar e obter os planos de bom acabamento plástico na intensa claridade do Nordeste, com uma produção de poucos recursos, orientada pela máxima de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”? 

Se hoje a pregação glauberiana guarda muito de um mito, funcionando mais como referência e inspiração para quem busca um rendimento criativo despojado do volumoso maquinário do cinemão, na época era uma verdade de peso

Últimas notícias

Sertão de luz

Grande parte das filmagens foi realizada em pleno sertão, várzea do Rio Paraíba, no mesmo engenho onde José Lins passou a infância e que o escritor apresenta como cenário das memórias narradas pelo garoto Carlinhos no romance lançado em 1932.  

O enredo tem motivação autobiográfica e trata, pelo viés da tragédia do personagem principal, ao enfrentar a morte da mãe, do ocaso de um modelo econômico, portanto de um modo de vida. 

Clássico definitivo do nosso cinema, o longa apresenta no elenco Geraldo Del Rey, Anecy Rocha, Maria Lúcia Dahl, Rodolfo Arena, Antonio Pitanga e revelou o intenso e brilhante Sávio Rolim no papel do menino. A montagem é de João Ramiro Mello. Na trilha, Villa-Lobos e Alberto Nepomuceno.

Por sua localização geográfica, a Paraíba registra as maiores médias de incidência solar do País. “A emulsão do filme era muito dura e a luz extremamente desfavorável para o rosto feminino”, conta Barros, de 84 anos, que, depois de passar quatro décadas em São Paulo, voltou a morar em Campo Grande em 2009.

A emulsão, com sais de prata sensíveis à luz, é o principal ingrediente de confecção da película cinematográfica.  

“Usei filtros de difusão, explorei as sombras e procurava convencer o Walter para rodar bem cedinho. A luz ideal é a que incide sobre o rosto a 45 graus. A solução, então, era rodar com angulação. A depender dos atrasos, eu sugeria que filmássemos um pouco mais tarde”, diz Barros. Tudo para evitar o sol cortante.

Sem Glauber

“Nós filmávamos e levávamos o material para João Pessoa em um Ford cabine dupla da prefeitura, que virou o carro da produção. De lá o material seguia para a Líder, no Rio, era revelado e retornava. Aí nós tínhamos que, mais uma vez, viajar do engenho para João Pessoa para poder assistir”, relembra o cineasta.

Ele ainda desanca da falta de domínio técnico dos colegas, inclusive do baiano Glauber, já em franca ascensão naquele momento e ainda hoje considerado o mais importante cineasta brasileiro.

“Eu tinha feito pequenas coisas com outros diretores que não ligavam para a fotografia, não tinham noção de eixo. O Walter era mais cartesiano. O Glauber não dava bola para isso e dizia ‘não parta para esse tipo de fotografia acadêmica, onde se filma o céu com as nuvens repolhudas", lembra.

Foi exatamente o que eu fiz. Ele não estava lá”, provoca Reynaldo Paes de Barros, que defende sem concessões a gramática do cinema clássico.

Embora reconhecessem o legado dos grandes diretores estrangeiros, os cinema-novistas defendiam que o terceiro mundo deveria descobrir uma forma própria de narrar suas histórias, sem repetir os padrões e, principalmente, a ideologia do cinema dominante.

Linguagem

“A linguagem está estabelecida desde o Griffith e não muda mais. A vale A, e não B. Quando foi montar ‘Deus e o Diabo’, o Didi [Rafael Valverde] viu que era material de neófito. O Glauber montou grande parte de uma sequência de duelo com os atores vindo da mesma direção. 

Ele quis fazer essa sequência usando elementos do suspense, mas, em vez de confronto, fica a sensação de que um personagem está acompanhando o outro. 

Depois disso, ele ficou mais atento, passou a tomar mais cuidado”, teoriza o ex-aluno de mestres de Hollywood, como Stanley Kramer (1913-2001), produtor de mão cheia e diretor de “Deu a Louca no Mundo” (1963) e “Adivinhe Quem Vem Para Jantar” (1967).

Embora tenha se estabelecido como um dos mais requisitados fotógrafos da pornochanchada e de filmes publicitários, Paes de Barros não obteve reconhecimento com os próprios longas-metragens – “Férias no Sul” (1967), “Agnaldo – Perigo à Vista” (1969), “Pantanal de Sangue” (1969) e “A Noite dos Imorais” (1978).  

Dirigiu, ainda, um punhado de curtas sem relevância, a exemplo de “Matem...Os Outros” (2014), que certamente chamou a atenção apenas em decorrência da ação judicial, ainda em fase de recurso, movida pelo Ministério Público Federal, que acusa o cineasta de, com o filme, ter manifestado discurso de ódio contra a comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Dourados.

Até agora, seu maior mérito, enquanto diretor, foi ter revelado David Cardoso no elenco dos seus dois primeiros longas. Além de parceiro de Barros em futuros projetos, o ator se tornaria, nos anos 70, o maior galã das pornochanchadas, que lotavam os cinemas no período.

O nome de Reynaldo sequer figura no “Dicionário de Cineastas”, de Rubens Ewald Filho (1945-2019), mais importante publicação do gênero. 

Já o “Dicionário de Diretores”, de Alfredo Sternheim (1942-2018), voltado para os realizadores que atuaram na chamada Boca do Lixo paulistana, reserva-lhe uma página, destacando, inclusive, “a bela fotografia em preto e branco” do filme de Lima Jr. 

Máximo Barro (1930-2020), montador de larga experiência, inclusive de vários dos irreverentes e apimentados – às vezes, bem mais que isso – filmes da pornochanchada, considera Menino de Engenho “sublimação” e “insuperável momento” do Cinema Novo.

Câmera na mão

Curiosamente, o diretor de fotografia escolhe um momento em que trabalhou com a câmera “na mão” como a sua cena preferida do filme. “É a visita dos cangaceiros ao engenho”, aponta Reynaldo Paes de Barros.  

“Gosto porque não é acadêmica. A câmera percorre na mão, subo e desço mostrando os cangaceiros. É uma cena que mostra bem o que é o Nordeste e o conluio com fazendeiros”, diz o cineasta.

Ele conta que precisou ser segurado por um de seus assistentes (José de Arimateia e Manuel Clemente) ao se deslocar, operando o equipamento apoiado no ombro, porque a tomada foi realizada em uma parte acidentada do terreno.

Um dos orgulhos do diretor é uma crítica elogiosa do jornalista Louis Wiznitzer (1925-1996) à fotografia de “Menino de Engenho”, correspondente de um diário carioca, depois de assistir ao filme em Paris. 

Barros conta que as filmagens se estenderiam de janeiro a abril de 1965. Com o tempo firme por quase toda a temporada, as cenas de chuva tiveram de ser feitas com um regador de jardim. Mas, nos últimos dias, o tempo virou, provocando a cheia do Rio Paraíba.

“Da última vez que fui à beira, até me assustei, tinha um caudal de água e mata verde. Era uma locação mais bonita que a maioria dos filmes que mostravam o Nordeste”, recorda Barros.  

“Quando voltei para o Rio, passei a ser recomendado. Até o [Paulo César] Saraceni entrou em contato comigo”. 

Mas por que não emplacou mais trabalhos com a turma do Cinema Novo? “Achavam que eu era americanófilo, um cara de direita. E eu era, sim. Acho que sim. Tinha acabado de sair dos EUA. Não podia ser um cara de esquerda”, declara o fotógrafo, antes de entabular mais uma querela:

“Menino de Engenho obedece à linguagem tradicional. É um filme escorreito, muito bem-feito. O Cinema Novo nunca fez um filme como ‘Menino de Engenho’. De maneira geral, teve uma importância inegável, inclusive com um olhar inédito para o que era o País. 

Os filmes feitos antes disso não mostravam. Veja ‘O Cangaceiro’ e ‘Deus e o Diabo’. Mas o Walter não estava preocupado em mostrar a realidade, e sim como aquele ambiente afetou o garoto”.

Seja como for, sua estreia foi premiada em diversos festivais de que participou pelo País. Dá uma vontade danada de rever. Uma nova matriz, com o filme restaurado, foi apresentada em 2003. Mas o “Menino” esteve apenas em sessões especiais desde então e, por enquanto, passa longe das plataformas de filmes.

Assine o Correio do Estado

CAMPO GRANDE

Associação promove corrida e caminhada para conscientizar sobre o autismo; saiba como se inscrever

3ª. Corrida e Caminhada da AMA será realizada no domingo, em comemoração do Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo

01/04/2025 16h15

Foto: Divulgação

Continue Lendo...

Nesta quarta-feira se comemora o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo; a data foi instituída pela ONU em 2007 para estimular o conhecimento sobre o assunto e é levantando essa bandeira que a Associação de Pais e Amigos do Autista de Campo Grande (AMA) convida a população da capital para participar da 3ª. Corrida e Caminhada da AMA no próximo domingo

“O Transtorno do Espectro Autismo (TEA) não é uma doença, é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório de interesses restritos que não têm cura.”

Quem informa é a assistente social Divina Oruê, que atua na Associação de Pais e Amigos do Autista de Campo Grande (AMA) e, ao lado de André Luiz de Oliveira, professor da instituição, é responsável pela organização da 3ª. Corrida e Caminhada da AMA, a ser realizada no próximo domingo, a partir das 6h30 da manhã, no estacionamento da Assembleia Legislativa (Parque dos Poderes), com início da prova às 7 horas.

EMPATIA E RESPEITO

A corrida é o principal evento realizado pela entidade para marcar o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, celebrado nesta quarta-feira, 02 de abril, e instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 2007 com o objetivo de estimular o conhecimento sobre o TEA, bem como a importância do diagnóstico precoce e do tratamento.

O tema escolhido pela ONU para mobilizar a população global em torno do assunto - “Informação gera empatia, empatia gera respeito” - reveste ainda de mais importância o depoimento acima da assistente social e a realização da corrida.

“O foco principal é a divulgação sobre o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, para diminuir o preconceito e abranger o conhecimento da população. Todo recurso arrecadado será destinado para manutenção da instituição”, afirma Divina, comentando a corrida, que deve reunir - entre atletas mais experimentados e a população em geral, incluindo autistas e seus familiares - em torno de 1.500 participantes. 

“A iniciativa da corrida surgiu da necessidade de criar um evento que fosse capaz de chamar a atenção para a causa do autismo, promovendo conscientização e inclusão. A ideia inicial era fazer algo diferente e impactante que alcançasse esse objetivo, visando o mês em que se comemora o Dia Mundial sobre a Conscientização do Autismo. Foi um desafio bastante grande os detalhes logísticos, a escolha do local, a definição do percurso, a organização da infraestrutura e a parceria dos serviços”, conta Divina.

As inscrições se encerram amanhã e podem ser realizadas pelo site https://www.kmaisclube.com.br/ ou pelo número 67 99267-4088, com valores de R$ 60 (doadores e 60+), R$ 80 (caminhada 3km) e R$ 100 (corrida 5km e 10km) para o terceiro lote.

São 11 categorias por idade entre 16 e 69 anos, além da categoria para participantes a partir dos 70 anos. A retirada dos kits, no próximo sábado, poderá ser feita das 9h às 17h na sede da AMA - Av. Bandeirantes, 215, bairro Amambai.

Os kits incluem camiseta, número de peito e chip individual para acompanhamento da performance, além de brindes.

“As inscrições foram abertas em dezembro e a equipe trabalhou bastante para promover a corrida e atrair participantes. A cada ano, a corrida tem alcançado sucesso, com um aumento no número de inscrições. Isso demonstra que a iniciativa está alcançando seu objetivo de promover conscientização e inclusão sobre o autismo”, avalia a assistente social.

A AMA

A Associação de Pais e Amigos do Autista de Campo Grande foi fundada em 1990 por um grupo de acadêmicos de Psicologia da FUCMAT e, após dois anos de estudos, foi apresentada à sociedade campo-grandense, no I Encontro Sul-Mato-Grossense de Autismo.

“A AMA oferece um espaço preparado e minuciosamente adaptado às necessidades do nosso público, o que colabora para a qualidade do atendimento prestado a todos”, apresenta Divina, que lista a série as várias frentes de atuação da entidade.

“Saúde, educação e assistência social, atendendo crianças, adolescentes, adultos e os seus familiares, e oferecendo às pessoas com autismo, atendimentos diferenciados: atendimento educacional especializado (AEE), educação física, dentista, nutricionista, psicologia, musicoterapia, fonoaudiologia, capoeira, oficinas de artes, teatro, mídias sociais e os grupos onde todos as pessoas com TEA podem participar e desenvolver suas habilidades e talentos.”

No total, a AMA atende regularmente 166 pessoas com autismo e seus familiares, contando para isso com uma equipe de 33 profissionais - entre médicos, professores, pessoal do administrativo, cozinha e serviços gerais.

O objetivo é “de promover e articular ações de defesa de direitos e prevenção, orientações, prestação de serviços, apoio à família, direcionadas à melhoria de qualidade de vida da pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e à construção de uma sociedade justa e solidária”, segundo a colaboradora da AMA.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Divina destaca o papel que as políticas públicas têm desempenhado no segmento. “A AMA reconhece os avanços significativos nas políticas públicas destinadas às pessoas com TEA em Campo Grande e no Mato Grosso do Sul. Iniciativas recentes refletem um compromisso crescente com a inclusão e o bem-estar dessa população”, afirma.

“Em 2024, por exemplo, Campo Grande se destacou ao anunciar a implementação de espaços sensoriais nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) dos bairros Coronel Antonino e Universitário. Esses ambientes foram projetados para oferecer um atendimento mais humanizado às pessoas com TEA, reduzindo estímulos sensoriais e proporcionando maior conforto durante o atendimento de urgência e emergência”, argumenta Divina.

Para fazer doações em dinheiro para a AMA: Caixa Econômica Federal, Ag: 1108, Conta Poupança: 52326-9, Operação: 013; ou por PIX: 26.824.425/0001-09.

Sinais comuns na criança com autismo

  • Brinca ou usa o brinquedo de forma incomum;
  • Choro ou risadas inapropriadas;
  • Dificuldade com a mudança de rotina;
  • Apego a objetos inusitados;
  • Hiperatividade;
  • Dificuldade em relacionar com pares da mesma idade;
  • Ausência da fala ou fala ecolálica;
  • Sensibilidade a alguns sons;
  • Ausência de consciência do perigo;
  • Baixa tolerância à frustração

MÚSICA REGIONAL

Márcio de Camillo canta músicas de Geraldo Rocca em seu novo trabalho

Os dois me levam de volta ao Litoral Central, definição cunhada por Geraldo Roca para traduzir um pedaço de Brasil onde a água doce domina uma vastidão de terra que, supõe-se, um dia foi mar

01/04/2025 10h00

"O punhal afiado da poesia de Geraldo Roca corta manso na voz de Márcio de Camillo, sem perder o fio, nem a capacidade aguda de ferir de morte o senso comum" Foto: Divulgação/Márcio de Camillo

Continue Lendo...

Recebo mensagem de Márcio de Camillo me avisando sobre seu novo trabalho. “Márcio de Camillo canta Geraldo Roca”. Um show ao vivo que virou disco e já está disponível nas plataformas digitais.

Aproveito a estrada entre a minha casa e o trabalho para ouvir o disco. Ouvir Roca na voz de Camillo é quase um delírio. Uma surpresa, uma saudade imensa, muitas lembranças. Os dois me levam de volta ao Litoral Central, definição cunhada por Geraldo Roca para traduzir um pedaço de Brasil onde a água doce domina uma vastidão de terra que, supõe-se, um dia foi mar.

A praia pantanal me serve de ponte para unir, em mar aberto imaginário, o Rio de Janeiro – lugar de nascimento – ao coração do Brasil, onde Geraldo Roca se fez e se desfez desse plano. Seu coração, irrigado por sangue pantaneiro, fazia dos campos alagados, das fronteiras paraguaia e boliviana seu berço metafísico. E foi assim sempre.

Talvez isso também sirva pra explicar por que a passagem meteórica dele por aqui tenha início figurado e fim real nestas plagas, onde aprendemos desde cedo a sonhar em Guarany e poemar em Manoelês.

Os carros passam por mim em alta velocidade. Eu ouço Camillo cantando Roca. E me transmuto. O punhal afiado da poesia de Geraldo Roca corta manso na voz de Márcio de Camillo, sem perder o fio, nem a capacidade aguda de ferir de morte o senso comum. Não, Geraldo não cabe em uma única caixinha. E Márcio sabe disso. 

Às vezes, ele encarna um bardo. Um Dylan pantaneiro em letras incomuns, longas e lisérgicas. Em outras, reúne numa só figura a essência folk de Crosby, Still, Nash & Young. Mas nesse universo BeatFolkPolkaRock há espaço para a mansidão de um Caymmi fronteiriço, para a sutileza urbana de um Jobim. Geraldo, como eu disse, não cabe numa caixinha.

E tudo isso se transforma em mais, muito mais, na homenagem à altura dos arranjos, das violas, da flauta, do celo reunidos por Márcio de Camillo nesse show que vira disco e que se torna eterno de agora em diante. Pra gente não se esquecer. Nunca. 

Quando Geraldo Roca decidiu sair de cena, fechar as portas desse mundo, que já lhe arreliara o suficiente, era muito cedo pra isso. Foi o que todos pensamos. Mas ele era dono de seus próprios rumos. Sua poesia e sua música seguem aqui. Pra nossa sorte, a desassossegar nossos ouvidos e almas. Agora, mais ainda, na voz também infinita de Márcio de Camillo. 

P.S.: Márcio. A foto da capa é uma obra de arte. É você nele... É ele em você. Uma fusão, uma incorporação. Cara... que disco!!!

Brasília, 25/3/2025

"Souber ler a música de fronteira"

O cantor, compositor e instrumentista Márcio de Camillo estreou o show “Do Litoral Central do Brasil: Márcio de Camillo Canta Geraldo Roca”, no Teatro Glauce Rocha, no dia 24 de setembro de 2024. Com direção de Luiz André Cherubini, o show é uma homenagem ao “cantautor” Geraldo Roca, falecido em 2015, considerado um dos principais compositores da música regional de Mato Grosso do Sul.

Roca é autor, em parceria com Paulo Simões, da música “Trem do Pantanal”, sucesso na voz de Almir Sater. Considerado maldito por seus pares, era chamado de príncipe por Arrigo Barnabé. Sua produção musical pode ser considerada pequena, se tomarmos como referência a quantidade de composições e discografia, mas analisada a fundo, perceberemos um artista de voz potente e marcante, com composições inspiradas e profundas.

São polcas, rocks, chamamés, guarânias e até baladas, e Márcio de Camilo, amigo e admirador de Roca, aprofundou-se na pesquisa para definir o repertório como “uma panorâmica deste artista reverenciado, cantado e gravado por amigos que, assim como ele, fizeram parte da ‘geração de ouro’ da música pantaneira sul-mato-grossense: Paulo Simões, Alzira E, Geraldo Espíndola, Tetê Espíndola, Almir Sater, entre muitos outros”, como afirma Camillo.

“Além de um músico que eu admirava muito, não só como compositor, mas como violonista, violeiro e cantor, Roca influenciou muito a música da minha geração”, conta o músico. “Além disso, ele era meu vizinho, morava em frente à minha casa. A gente saía para jantar, para conversar, éramos amigos. Conheço a obra dele e vejo a obra dele na minha, compusemos uma canção juntos, em parceria com outros compositores, chamada ‘Hermanos Irmãos’”, relembra Camillo.

“Também dividimos uma faixa no CD ‘Gerações MS’ chamada ‘Lá Vem Você de Novo’. Roca é referência e pedra fundamental na construção da moderna música sul-mato-grossense. Ele soube ler a música de fronteira, mesclando elementos do rock, do pop, do folk, criando um estilo único. Ele é um verdadeiro representante do folk brasileiro”, conta.

A arte visual do show, com fotos feitas por Lauro Medeiros, foi baseada no álbum “Veneno Light”, que Geraldo Roca lançou em 2006. A foto principal de divulgação do show faz referência direta à capa deste álbum, cuja foto original é assinada pelo cineasta Cândido Fonseca. (Da Redação)

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail marketing@correiodoestado.com.br na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).