Há quem conheça Ivan Parente da televisão, na pele de Lindomar, da novela “As Aventuras de Poliana”, ou reconheça sua voz de dublagens da Disney, como o Lumiére, do live-action “A Bela e a Fera” ou como o Timão, do live-action “O Rei Leão”; há também quem o conheça pelo rosto maquiado, como integrante da trupe O Teatro Mágico, ou na forma de dezenas de outros personagens, que fazem dele um dos principais nomes do teatro musical brasileiro.
Entre tantos trabalhos, ao longo de uma década Ivan mergulhou na ludicidade de diversos contos que habitam o imaginário, entre eles "O Mágico de Oz", obra em que já atuou algumas vezes e que marca seu primeiro grande papel nos palcos, sob a direção de Billy Bond, com quem se apresentou dentro e fora do Brasil durante anos, e se reencontrou em 2022, sendo o convidado especial da celebração de 20 anos da produtora Black & Red, que remontou justamente “O Mágico de Oz”, sua primeira produção, estrelando Ivan como o Mágico.
“Voltar para esse espetáculo sempre é muito emocionante. Foi contando essa história em diversas fases e versões, que eu tive a oportunidade de me testar como ator, como diretor e até como diretor musical. Em 2003, quando me deparei com esse universo pela primeira vez, tive a oportunidade de criar uma personagem do zero, o que foi determinante para o que aconteceu no resto da minha carreira. Eu segui meu coração. Desde então, sempre busquei contar histórias que transformam a vida das pessoas e que, principalmente, conversam com a minha alma e o meu coração”, diz ele, que considera o Homem de Lata seu primeiro grande papel, interpretado em 2002.
Com mais de 30 anos de carreira, especialmente reconhecidos por importantes espetáculos como “A Madrinha Embriagada”, “O Homem de La Mancha”, “Les Misérables”, que o consagrou melhor Ator Coadjuvante nos principais prêmios do gênero, e, mais recentemente “Silvio Santos Vem Aí”, onde reforçou sua veia cômica como o caricato jurado Pedro de Lara, e "Ney Matogrosso - Homem com H", onde se dividiu entre vários papéis, inclusive o produtor Moracy do Val - dois personagens que poderão ser revistos em breve, em novas temporadas simultâneas em São Paulo e, pela primeira vez, Rio de Janeiro - o artista multifacetado, que transita sempre entre perfis e personagens variados, abraça forte o universo infanto-juvenil que permeia sua história, tanto nas telas, quanto nos palcos.
“Sempre amei trabalhar com crianças. Isso fez com que eu nunca me desconectasse da minha, e também com que eu aumentasse as possibilidades das minhas personagens. Nunca tive filtro. As crianças serão os próximos adultos, ou seja, elas serão o nosso próximo público. Acho importante educar e fazer com que elas se interessem por cultura, histórias e sonhos”, finaliza.
Ivan é a nossa Capa exclusiva do Correio desta semana, e em conversa com o Caderno ele fala sobre escolhas, carreira e retornos.
O ator Ivan Parente é a Capa exclusiva do Correio B+ desta semana - Foto: Osmar Lucas - Diagramação - Denis Felipe e Denise NevesCE - A arte sempre esteve presente na sua vida? Como foram os primeiros contatos?
IP - Sim. Eu cresci numa casa onde um dia houve uma orquestra: Orquestra Parente. Bandoneon, violão, percussão e piano. Tinha quem também cantava.
É impossível não se apaixonar por arte com uma família tão passional. Cantavam e choravam. Em sua maioria, música italiana e música popular brasileira. Um pouco de samba. A minha mãe gostava dos Beatles e da Jovem Guarda. Meu pai gostava de Vinicius de Moraes.
Vivia escrevendo poesia. Eu peguei gosto pela poesia e pela música. Comecei a aprender violão e depois o canto. Eu passava horas brincando sozinho e inventando histórias. Nunca achei, de verdade, que um dia essa seria a minha profissão.
CE - Sua grande estreia na televisão foi na novela “As Aventuras de Poliana”, do SBT. Como foi essa experiência e de que forma ela impactou sua vida e carreira?
IP - Eu já tinha uma carreira consolidada no Teatro Musical quando o teste para a novela aconteceu. Foi apenas um teste e uma espera gigante até o sim. Eu nunca tinha almejado fazer testes para TV porque sempre achei minha atuação espalhafatosa.
Mas a televisão entrou na minha vida na hora certa. Eu conhecia melhor o meu material artístico e acho que por ser de Teatro Musical, me ajudou com as marcações de cena. No teatro quando me marcam num lugar eu nunca estarei em outro lugar senão na minha marca.
Na televisão é assim. Tem esse rigor. E quando a marcação mudava eu prontamente me organizava e estava pronto pra gravar. O SBT tem esse efeito na carreira das pessoas. As personagens ficam vivas eternamente na cabeça das crianças e dos adultos. Comigo não foi diferente.
A minha personagem era muito carismática e ganhou muito espaço enquanto a novela foi se desenrolando. Pude mostrar versatilidade na TV sem perder a minha essência.
CE - Muitos de seus trabalhos, tanto nos palcos quanto na televisão, comunicam diretamente com o público infanto-juvenil. É um gosto pessoal? Como é sua relação com ele?
IP - Sim. Os meus trabalhos normalmente contemplam o público infantil. Na verdade eu tenho sorte, porque serão eles que estarão sentados nas poltronas dos teatros futuramente. Assim espero. Sinto que faço um trabalho de base. De ensinar o público a gostar e torcer pelas personagens.
De apresentar o lúdico. Acho que os produtores e diretores conseguem ter esse faro e me escalam porque eu realmente "funciono" para o público familiar. Mas não é um gosto pessoal. Gosto muito de trabalhar com o perfil adulto também. Mas a minha relação com o público é ótima. Sou reconhecido, faço brincadeiras e os pais sempre saem dando risada.
Ivan Parente em As Aventuras de Poliana - Foto: DivulgaçãoCE - Atualmente você está em cartaz com “O Mágico de Oz”, uma obra que já cruzou seu caminho outras vezes. O que te atrai nessa história, que faz dela tão presente em sua trajetória?
IP - A obra 'O Mágico de Oz' está presente na minha vida há exatos 20 anos. Eu fui o Homem de Lata em 2003, depois em 2011 fiz o próprio Mágico. Em 2019 dirigi, com a Daniela Stirbulov, o musical 'O Mágico di Ó', de Vitor Rocha, e voltei a viver a personagem do Mágico em 2022 e início de 2023.
E de repente estou eu, de novo, vivendo uma outra personagem, agora o Espantalho. 'O Mágico de Oz' é uma obra que cabe em qualquer tempo. Fala de valores muito importantes para a construção de uma sociedade: coragem, coração e cérebro. Sempre que sou desafiado a contar essa história, ela ainda me surpreende. Ainda novas possibilidades são adicionadas.
Essa história me ensinou a ser quem eu sou hoje: um equilíbrio desses três presentes que os amigos de Dorothy ganharam antes de ela voltar definitivamente para o Kansas. Eu aprendi a ter coragem para usar meu cérebro e meu coração a favor das histórias que eu quero contar.
Todas as vezes que as personagens estão prestes a receber o que não sabiam que carregavam em suas almas, eu me emociono. Somos obrigados, diariamente, a não sermos corajosos, a não agirmos com o coração e usar o cérebro só quando alguém deixa.
De resto, somos somente um bando de seres humanos tentando não errar. Eu gosto de errar e não me arrependo de nada que fiz na vida. O erro me faz achar o caminho de volta para a minha casa. Porque não existe lugar melhor que nosso lar.
CE - Ao longo de mais de 30 anos de carreira tendo contato com essa obra, o que diria que mudou, em relação a sua visão e entendimento, entre a primeira experiência e a de agora?
IP - Eu tinha uma visão muito pequena da obra. E algumas até equivocadas. Eu achava, por exemplo, que Dorothy só tinha batido a cabeça e que tinha sonhado com tudo aquilo.
Revisitando a obra outras vezes, eu pude me deparar com um caminho de aprendizado importante para que Dorothy, recuperasse sua coragem para continuar enfrentando aquele mundo que não a entendia. Ela precisou encontrar alguém que dizia não ter coração, se emocionando.
Ela precisou encontrar alguém extremamente inteligente que não sabia que tinha um cérebro. Um retrato perfeito da nossa sociedade. Crescemos achando que nunca vamos chegar lá. Que a batalha é exaustiva para se chegar em algum lugar. Somos bombardeados com histórias de fracassos antes de sermos ensinados a vencer. Antes de nos ensinarem a viver numa sociedade justa.
Sem preconceito. Entramos no mundo amedrontados e com medo de entregar nosso coração e nosso conhecimento e ainda assim sermos julgados por termos esses atributos. Porque o importante é vencer. Dorothy pra mim era uma garota chorona que andava perdida por Oz tentando voltar pra casa.
Hoje eu sei que ela é uma garota poderosa que enfrentou tudo, mesmo sabendo que talvez não conseguiria, pela chance de voltar e estar ao lado das pessoas que ela amava. Hoje eu entro nas batalhas sem pensar no objetivo, mas sim no aprendizado do caminho até Oz - até a minha Oz.
Ivan em O Mágico de Oz -Foto: Chico AudiCE - Em breve você estará também nas novas temporadas dos musicais “Silvio Santos Vem Aí” e “Ney Matogrosso - Homem Com H”. Como é o desafio de fazer duas produções ao mesmo tempo?
IP - Duas peças incríveis que eu amo fazer. São peças tão opostas e tão desafiadoras. Vamos ficar com as duas peças simultaneamente em dias diferentes.
Vai ser uma loucura. Eu estou acostumado a fazer várias coisas ao mesmo tempo. Sou um capricorniano assumido. Eu amo trabalhar. Eu acho que o maior desafio é controlar a energia que eu coloco numa peça, não ir para a outra. No 'Silvio Santos" eu faço o Pedro de Lara, onde posso arriscar mais na comédia.
Já no 'Homem com H' tem personagens menos caricatos e mais naturalistas, por mais que haja sim alguns personagens de cores mais vibrantes. Mas esse é o desafio de todo ator. Viver vidas que não são suas e ainda assim convencer. Na primeira semana com certeza eu estarei doidinho, mas depois vai fluir.
CE - Em ambos os musicais você dá vida a personagens que são reais e contribuíram para a história dos homenageados. Como é ter essa responsabilidade? O processo de construção é mais fácil ou mais difícil?
IP - Eu acho mais difícil construir personagens que já existiram ou que estão muito vivos no imaginário das pessoas. Dá até um pouco de medo de ser desrespeitoso ou algo assim.
Mesmo assim, a direção foi muito cuidadosa para que as personagens fossem mais uma homenagem do que simplesmente uma caricatura jogada no meio da trama. Quando a gente está construindo a personagem e fazemos algo que temos dúvida, já partimos para a discussão com a direção.
Não fazemos nada sozinho. Tem que ornar com o espetáculo. Tem que contar a história. Foi um grande desafio, mas eu recebi muitas críticas positivas. De como eu consegui dosar a minha personalidade artística espalhafatosa e construir personagens críveis.
CE - Se pudesse escolher um trabalho divisor de águas na sua carreira, qual seria? De tudo que fez, quais são seus personagens preferidos?
IP - Sem dúvida nenhuma, O Homem da Poltrona, está em primeiro lugar no quesito divisor de águas. Em 2011 eu estava péssimo, me achando velho pra voltar pro mercado do teatro musical de São Paulo. Tava considerando dar um tempo.
Eu estava completando 40 anos. O musical apareceu como um convite do Miguel Falabella. Eu fiz os testes, mas ele me queria para o papel. Eu estudei. Fiz meu trabalho de casa e fiz a peça. Eu nunca tinha feito nada na vida sem cantar. Eu nunca tinha decorado tanto texto na minha vida.
Fiquei perdido durante o primeiro mês de ensaio. Eram páginas e páginas de texto que eu falava pra ninguém, até que eu entendi o que estava fazendo lá quando o público entrou. Foi uma loucura. Nunca vivi nada parecido depois. O personagem era um contador de histórias. Eu sou um contador de histórias. Mas só entendi a minha função ali quando o público entrou.
Nunca me senti tão vivo na vida como naquele espetáculo. Cada dia era diferente. Cada platéia encontrava o seu jeito de entender a história e isso fazia com que eu tivesse que ressignificar a história pra mim também.
Foi lindo. Meus personagens favoritos são O Homem da Poltrona de 'A Madrinha Embriagada, Thenardier de 'Les Misérables", Timão, do Live-Action de 'O Rei Leão' e o Lindomar Gomes de 'As Aventuras de Poliana'. Cada um desses personagens tem um lugar especial na minha vida. Eles me deram oportunidade para ressignificar a minha carreira e entender de uma vez por todas o meu propósito como artista: contar histórias.
CE - Você já teve seu trabalho reconhecido e valorizado com muitos prêmios. O que essas conquistas representam pra você?
IP - Quem não gosta de ter um troféu pra chamar de seu não é mesmo? Eu acho que o reconhecimento faz parte do trabalho que fazemos. Eu sou artista porque gosto de colocar meu figurino e me apresentar com uma luz incrível na frente de muitas pessoas.
E é incrível quando o seu trabalho se destaca de alguma forma. Sem falar em quem é melhor ou quem está melhor. Mas na maravilha que é, várias pessoas formadoras de opinião elegeram seu trabalho como o melhor daquele ano. Eu acho que é uma fonte de incentivo pra eu continuar buscando, pesquisando e experimentando viver outros personagens e contar mais histórias.
Mas não é isso só que me incentiva a viver essas outras personagens. Eu amo sair da zona de conforto. Às vezes eu acerto e, às vezes, eu erro. Faz parte. Mas não receber o prêmio não significa que eu sou um ator ruim. Mas receber um prêmio definitivamente significa algo. Preciso aceitar isso como um reconhecimento e um incentivo para o futuro.
Como Pedro de Lara em Silvio Santos Vem Aí - Foto: Kassius TrindadeCE - Em paralelo a vida de ator, você tem também uma história antiga com o grupo musical “O Teatro Mágico” e se apresentou por anos com a trupe. Sente falta dos palcos como cantor? Como é essa relação hoje?
IP - Como eu sempre digo. Ser artista é não ter medo de alçar voos nas outras modalidades. Sou desses. Sou um cantor antes de ser ator. Sou amigo do Fernando Anitelli desde a faculdade. Cantamos juntos durante anos. Eu estou na trupe há 20 anos, mesmo não fazendo parte oficialmente dela.
Canto sempre que posso. Eu amo fazer parte da história do grupo, mas eu nunca deixaria o teatro para me dedicar somente à música. Eu sou um artista inquieto. Fazer o que. Eu sinto falta de como eu e o Fernando funcionamos cantando juntos. Eu e ele parecemos irmãos gêmeos.
Completamos frases um do outro. Temos muita química no palco. Eu sou completamente apaixonado pelo Anitelli. Pela sua música. Pela sua poesia. A gente fala menos do que gostaríamos. Depois da pandemia parecemos dois doidos aproveitando tudo que nos foi negado.
Estamos trabalhando muito e isso é bom, mas eu sinto falta de cantar com ele. Esse ano o grupo completa 20 anos e eu faço questão de fazer parte disso. Sei que vamos chorar no início, meio e fim do show. Muita história pra contar em tão pouco tempo.
CE - Sua voz está também em muitas dublagens famosas, como nos live-actions de “A Bela e a Fera” e o “O Rei Leão”. Como é dar vida a personagens só com a voz?
IP - Eu ainda estou engatinhando no mundo da dublagem.Muita coisa pra estudar. Mas estou feliz com o caminho que eu tenho trilhado.
Foi muita responsabilidade pegar de cara o Lumière de 'A Bela e a Fera' e depois encarar o Timão de 'O Rei Leão'. Tudo muito rápido e ao mesmo tempo do jeito que eu gosto: desafiador e fora da minha zona de conforto. São personagens que vão ficar para sempre na cabeça das pessoas.
Eu me sinto lisonjeado em dar a minha voz para essas personagens icônicas e também dublar artistas incríveis, dos quais eu sou fã, como Ewan McGregor, Billy Eichner, Kumail Nanjiani, entre outros.
CE - O segundo semestre de 2023 já está preenchido com muitos musicais. O que esperar para 2024? Tem algo em especial que gostaria de fazer?
IP - O mercado dos musicais voltou a se aquecer. Isso é ótimo. Muitos projetos que estavam engavetados foram colocados em prática. Eu estou feliz em retornar com o 'Ney Matogrosso' e com o 'Sílvio Santos', pois ainda acho que muita gente não viu.
Eu tenho visto muitos musicais de filmes antigos serem montados aqui no Brasil, e tenho vontade de fazer parte de um deles. Vou colocar nos meus pedidos para 2024… No começo do ano já estou em um novo musical, também original e bem brasileiro, e que deve ser divulgado em breve. Estou doido para começar os ensaios, mas eu espero mesmo que 2024 seja um ano de novas possibilidades e de trabalhos que continuem me desafiando cada vez mais.
Lumiére - Na Disney - Foto: Divulgação

Helio Mandetta e Maria Olga Mandetta
Thai de Melo


