Caio Mutai sempre esteve imerso no mundo das artes, mesmo antes de nascer. Sua mãe, que deu aulas de ballet até quase o dia do parto, transmitiu-lhe esse legado. Cresceu praticamente dentro da escola de ballet da família, um ambiente artístico que herdou da avó e que foi também a formação inicial de suas tias.
A arte era parte intrínseca da vida familiar, com todos sendo multi-talentosos. Esse ambiente artístico familiar, aliado a uma infância solitária, contribuiu para que Caio desenvolvesse sua imaginação criativa, criando mundos, personagens e histórias onde atuava intensamente.
A dança foi a primeira forma de expressão artística de Caio. Aos seis anos, iniciou aulas de ballet clássico e, aos onze, começou a estudar canto. A atuação veio um ano depois, despertando nele uma paixão avassaladora pela interpretação teatral.
Sua mãe, sempre presente em suas decisões, ajudou-o a ingressar nesse mundo, apesar do preconceito que enfrentou por ser um menino no ballet. Com o apoio de uma amiga da mãe, ele fez um curso de teatro musical, o que consolidou seu amor pela atuação.
O apoio da família de Caio foi ambivalente. Embora nunca o tenham impedido de seguir seus sonhos e o tenham ajudado financeiramente, sempre houve uma preocupação com sua estabilidade financeira.
Sugestões para seguir outras carreiras eram frequentes, mas isso nunca abalou sua determinação. Ele soube que teria que ser firme em suas decisões, apesar das dúvidas e preocupações familiares.
Caio não tem formação em outras áreas, mas tem muitos interesses e projetos paralelos. Atualmente, ele e um parceiro desenvolvem diversas frentes de trabalho, incluindo produções teatrais, audiovisuais, mercado financeiro e educação. Recentemente, começaram a pré-produção de um grande musical da Broadway, marcando sua estreia como idealizador e aprendiz de produtor.
No teatro, Caio considera o ao vivo e a interação com o público os maiores desafios, especialmente por ser tímido e ansioso. Entre seus trabalhos mais significativos, ele destaca suas atuações no Teatro Bradesco São Paulo com a companhia do Billy Bond, "Chaplin - O Musical" e "Aladdin - O Musical". Esses trabalhos marcaram o início de sua carreira e foram grandes escolas para ele.
No audiovisual, Caio menciona a dificuldade de manter a qualidade de atuação consistente em diferentes cenas e momentos das gravações. Entre seus projetos mais importantes estão "SmokeMaster", "O Coro - O Sucesso Aqui Vou Eu", "As Five" e "Furnas Fundas".
Em "As Five", Caio interpretou PR, um personagem que desafiava estereótipos de sexualidade e etnia. A experiência foi intensa, pois ele conciliou as gravações dessa série com "O Coro", alternando entre personagens muito diferentes.
Em "SmokeMaster", seu primeiro longa-metragem, ele vivenciou a imersão total no set, gravando em locações rurais e naturais, o que marcou profundamente sua trajetória.
"Furnas Fundas" foi uma experiência única, onde Caio interpretou um vampiro, um papel que nunca imaginou fazer no Brasil. O processo foi intenso, desde a preparação até as gravações, desafiando-o fisicamente e emocionalmente.
VIDA E ARTE AMARELA
A questão de ser "amarelo" sempre esteve presente na vida de Caio, mas ele só começou a entender e a enfrentar isso em 2017, quando se envolveu com o grupo Yobanboo. Antes disso, ele aceitava passivamente as situações racistas, sem reconhecer plenamente o impacto delas. No entanto, ao começar a satirizar e criticar essas experiências através da arte, ele despertou para a luta contra o racismo e começou a se redescobrir.
Ao longo de sua vida pessoal e profissional, Caio enfrentou inúmeros episódios de preconceito. Desde comentários aparentemente inofensivos até situações mais graves, como ser preterido em trabalhos por sua aparência.
Em um episódio particularmente marcante, ele perdeu um grande papel em uma novela porque decidiram remover um elemento que justificava sua presença como mestiço. Esse tipo de discriminação deixou cicatrizes profundas e influenciou suas decisões, incluindo a tentativa de esconder sua etnia trocando de sobrenome.
Hoje, Caio orgulhosamente usa seu nome verdadeiro e trabalha para que sua presença na arte seja vista de forma normalizada, sem a necessidade de estereótipos ou justificativas. Ele busca abrir caminhos para outros artistas amarelos, para que possam existir e ser representados de forma autêntica e sem preconceitos.
Em celebração do Dia da Imigração Japonesa no Brasil, O Correio B+ conversou com Caio para o Caderno com exclusividade e falou de estreias, trabalhos e preconceitos em sua trajetória.

CE - Como iniciou na carreira artística?
CM - Certamente foi na barriga da minha mãe! Ela deu aulas de ballet até quase o dia do meu nascimento. Praticamente cresci dentro da escola de ballet dela, observando de perto, até que um dia pedi para participar também. Ao final das aulas das crianças, sempre havia brincadeiras. Comecei querendo brincar junto e, logo depois, já estava fazendo as aulas inteiras.
E embora tudo tenha começado ali, com ela, sem dúvida a arte veio da minha família. Minha mãe, minhas tias, meu tio, meu primo... todos são multitalentosos. Ao longo da vida, até certa idade, eu me mudei várias vezes de casa e, consequentemente, de escola, então por vezes fui uma criança bastante solitária, o que me obrigou a aprender a brincar sozinho e explorar muito a imaginação, criando diversas histórias, cheias de ludicidade e diferentes personagens - mal sabia eu que já estava atuando.
CE - Teve o apoio da família na decisão de seguir na carreira artística?
CM - Sim e não. "Sim" porque sempre me ajudaram como puderam, inclusive financeiramente. Nunca me impediram de seguir meus desejos e sempre estiveram ao meu lado nas minhas decisões. "Não" porque, se eu não tivesse sido firme nas minhas escolhas, provavelmente teria seguido os conselhos deles e escolhido uma carreira diferente para ter “dinheiro e segurança”.
Minha família nunca deixou de sugerir outras profissões. E nisso incluo todos, sem exceção. Sabemos que a vida de artista neste país é difícil se você não é famoso, então sempre houve uma grande preocupação com meu futuro e não os culpo, pois sempre recebi isso como um “cuidado”, sei que agiram por amor - o que não impediu de causar uma grande confusão na minha cabeça (risos).
Hoje digo que eles me ajudaram a entender o quanto amo o que faço e o quanto precisaria me preparar e lutar para conquistar meus objetivos. Se eu tinha que convencê-los de que este era meu caminho, primeiro precisava convencer a mim mesmo, e essa é a parte mais difícil.
CE - Chegou a considerar um ‘plano B’?
CM - Sou uma pessoa com muitos interesses, desejos e estudos, mas não tenho formação formal em outras áreas. Atualmente, estou desenvolvendo outras frentes de trabalho com um grande parceiro, com quem compartilho de projetos teatrais, audiovisuais, e até mesmo do mercado financeiro e educacional, mas não vejo isso como planos B, C ou D, e sim como um empreendedor que gere negócios.
Sempre ouvi que deveria tentar outras coisas, mas só não o fiz por teimosia. Muitas vezes pensei em desistir da arte devido às inúmeras conversas, justamente sobre os tais planos B. Acho que, se tivesse parado minha vida para construir um, hoje meu ‘plano A’ não estaria tão avançado. Agora, com o ‘plano A’ encaminhado, posso pensar em construir outros planos. Meu objetivo é trabalhar intensamente para que todos eles se desenvolvam e cresçam exponencialmente ao longo do tempo.

CE - Quais são suas inspirações artísticas?
CM - Confesso que quem mais me inspira hoje são meus amigos e colegas de trabalho. Meus mestres e professores! Mas posso dizer que na atuação, vou por um caminho mais discreto, como Daniel Day Lewis, ou outros artistas que fazem menos coisas, mas quando fazem é arrebatador.
Já que a chama da causa amarela arde em mim, posso fazer menção honrosa à nossa musa Michelle Yeoh que, além de uma excelente atriz, é super ativa na causa. Tony Leung que é uma lenda e é claro, meu herói favorito de todos os tempos: Jackie Chan, que além de um maravilhoso ator, é talvez o maior produtor de cinema na China e um grande empresário.
Já na música, posso dizer que nasci e cresci escutando de Michael Jackson a Andrea Bocelli e na dança é o maravilhoso e eterno Baryshnikov. Quase um robô de tão perfeito. Que técnica absurda!
CE - E suas aspirações de carreira?
Se fosse há uns anos atrás, eu com certeza diria: fazer filmes, séries, ir pra Hollywood etc etc.
CM - Quando eu comecei a ter a mínima noção da minha identidade amarela, isso passou a ser uma aspiração coletiva. Quero poder ser uma referência e um modelo de artista multifacetado que possa inspirar as próximas gerações. Não só inspirar, mas desbravar e possibilitar caminhos novos e diferentes. Quero ser ponte, escada. Quero poder proporcionar! Antes ser, para depois poder ajudar os outros a serem também. Serem o que quiserem! Muitos artistas de Hollywood são também produtores, empresários e é nisso que me inspiro.
CE - Como foi atuar nas temporadas de “As Five” e como o personagem impactou sua carreira?
CM - Sempre que recebo um personagem, primeiro tento entender a importância dele para a história, para o mundo e para mim. Acho que o PR veio com a proposta de simplesmente ser, sem parecer nada específico. Por trás de toda a fachada de "heterotop", ele era homossexual.
Mas a intenção era que "não parecesse", justamente para mostrar que não deve haver motivo para rotular pessoas e suas sexualidades apenas por características físicas, intelectuais ou comportamentais.
Outro ponto importante é que o PR não precisava ser um brasileiro asiático, mas era. Eu sou mestiço, então o PR também era, mas não havia essa necessidade.
O personagem foi escrito de forma aberta, podendo ser de qualquer etnia. Eu simplesmente podia existir normalmente, sem ter que justificar minha presença com parentes orientais ou um background extenso. Resumindo? PR veio para simplesmente SER. E ele chegou como um furacão!
Na mesma semana, fui aprovado para interpretar o Emídio em "O Coro", do Miguel Falabella, dois personagens essencialmente distintos e contrastantes. Gravei as duas séries ao mesmo tempo! Foi uma loucura. Das mais gostosas da vida, mas ainda assim uma loucura.

CE - Em breve você estreia seu segundo longa-metragem, “Furnas Fundas”. O que pode contar sobre o projeto?
CM - Parei tudo que estava fazendo para mergulhar de cabeça no universo do longa e dos vampiros, muito inspirado por filmes como "Only Lovers Left Alive". O Yukun foi meu primeiro personagem de ficção e meu segundo vilão, e me permitiu viver as mais diversas experiências durante as gravações, desde gravar nos lugares mais quentes e inusitados como cemitério, mausoléu, igreja, hospital, até raspar a cabeça, ter o corpo pintado, usar próteses dentárias e claro, muito sangue cenográfico.
Tudo isso ao lado de um elenco estelar, como Eriberto Leão, Otávio Muller, Natália Lage, entre outros grandes nomes, e sendo eu o mais novo. O maior presente foi poder acompanhar de perto artistas tão incríveis e aprender muito com eles. Que honra!
CE - Como asiático você é bastante ativo em prol da causa amarela. Como começa sua luta?
CM - Passei por situações de racismo óbvio que eram tratadas como normais. Isso gerava uma aceitação apática da minha condição, como uma doença incurável que você apenas aceita. Para mim, não existia o conceito de racismo com amarelos.
Vivi assim por muito tempo, até começar a ouvir sobre a causa e entender, iniciando meu processo de despertar. Esse despertar foi lento e gradual, cheio de altos e baixos.
Em 2017, fui convidado pelo grupo Yobanboo, formado por três artistas asiáticos brasileiros, para participar de esquetes de comédia que satirizavam e criticavam o racismo disfarçado de apelidos, brincadeiras e estereótipos. Esse foi o início da minha participação na luta, meu entendimento e aprendizado, e meu redescobrimento de quem eu sou, de quem fui e de quem tentei esconder por tanto tempo.

CE - Ao longo de sua vida pessoal, já sofreu algum tipo de preconceito por isso?
CM - Inúmeras. Desde coisas mais "leves" que antes eram tratadas como apenas brincadeiras, até situações mais sérias em relação à COVID-19 e a relação preconceituosa, ignorante e errônea de associar orientais à causa dessa doença.
Ter outra etnia diferente do padrão branco europeu te deixa cheio de estigmas. Sejam negativos, aos quais você pode ser rotulado e ter que passar por situações em que você é diminuído por isso ou até estigmas positivos, onde se cria uma gigante expectativa em cima de você sobre algo que não necessariamente você tem plenas condições de atender.
CE - E na sua vida profissional?
CM - Pior ainda. Desde situações ridículas até coisas mais sérias, passei por experiências que ilustram bem o racismo que enfrento. Um exemplo: fui a um teste de publicidade e a diretora disse que eu "não era muito japonês" e me mandou para outra sala.
Lá, o diretor disse que eu "era muito japonês". Fiquei confuso e chateado, me sentindo insuficiente, nem japonês, nem brasileiro, nem nada. Hoje, teria respondido a eles e ao produtor de elenco que me chamou.
Sou mestiço, minha mãe é filha de japonês e minha avó é de diversas origens. Meu pai é branco europeu misturado. Metade das pessoas me vêem como "muito japonês", a outra metade acha que não sou "nada japonês". Mestiços no Brasil vivem num limbo, especialmente na atuação, onde já é difícil conseguir papéis para orientais, imagine para mestiços.
O caso mais grave foi a perda do meu primeiro grande trabalho, uma novela com um personagem que dançava balé. Fui aprovado, tranquei a faculdade e estava pronto para começar, mas mudaram a trama, tiraram o balé e me substituíram por um ator branco e loiro. Foi uma tristeza profunda e entendi que meu caminho seria diferente do dos meus colegas brancos.
CE - De que forma acha que ser amarelo “te diferencia” no mercado de trabalho?
CM - Definitivamente não tem ninguém com a minha cara. Se hoje alguém me escolhe, com certeza não será porque não achou outro. Ser amarelo, hoje, é não ser parte do padrão, mas ainda assim poder ser muito talentoso, bonito e tudo mais. Mas hoje né, que, enfim, as coisas estão começando a mudar.
Até um tempo atrás, a diferença mesmo era que eu não ia ter trabalho e meus colegas brancos sim. Acho que outro fator importante é que eu não conheço UM artista amarelo que não tenha se lascado (risos) de estudar para ser bom. Porque não basta ser bonito, até porque ninguém nos achava bonitos até recentemente. Então ou éramos mil vezes melhor que outras pessoas "normais", ou a gente nunca ia pegar um papel. Isso até hoje, pra ser sincero.

CE - Vê algum avanço no mercado considerando o início de sua carreira e os tempos atuais?
CM - Muito. Por experiência própria mesmo, na pele. Antes eu era sempre o japonês, o mestiço. Não tinham muitas coisas e era muito difícil ter trabalho no meu perfil. Quando era pra ser o "meu perfil", tinha que aparentar ser mais japonês do que eu sou.
Hoje eu já tenho no currículo alguns bons personagens, que não foram escritos para serem orientais, mas acabaram sendo por minha causa. Hoje sou tratado como um ator brasileiro que também pode exercer papéis de personagens com ascendência oriental e tenho a sorte de poder ter alguns bons trabalhos por ano nessa linha.
CE - O que pode contar sobre os próximos trabalhos?
CM - Finalizei recentemente a gravação de um curta-metragem do escritor Vitor Rocha e agora está em fase de pós-produção. No próximo semestre começo a rodar um novo filme, esse como protagonista, mas ainda não posso dar muitos detalhes
Para os próximos meses, temos a estreia de “Furnas Fundas”, que tem a direção de Beto Marques e a fotografia brilhante de Paulo Vainer, que fizeram uma linda obra de arte com as cenas dos vampiros.
Em paralelo estou produzindo com mais dois sócios uma peça inspirada no Dorama “Navillera” para o ano que vem, onde estarei como ator também e será minha primeira produção com um elenco inteiramente de amarelos!
E por último, estou trazendo junto de outros dois parceiros, nosso primeiro título Broadway, o musical “Once on This Island”, vencedor de 8 tonys! Esse entrarei como idealizador, ator e tudo o que mais eu puder fazer lá dentro. Vai ser lindo!!