Beetlejuice sempre foi um enigma para mim. Se tivesse que mencioná-lo creditaria seu sucesso à Harry Belafonte porque a popularidade que o filme esquisito de uma década de filmes de excessos alcançou se deve à icônica cena do jantar e o lipsync dos convidados enfeitiçados dançando e cantando Day-O.
Claro, HOJE vários outros elementos como fatores do sucesso, mas qualquer um da Geração X vai dizer que Beetlejuice reúne “Winona Ryder e a cena do jantar”, o que a princípio não é encorajador, concorda? No entanto, Beetlejuice está no panteão dos clássicos, ganhando uma sequência 36 anos depois do original. Por que?
Reza a lenda que os estúdios reagiram um tanto como meu parágrafo anterior quando receberam o primeiro rascunho do roteiro que era um híbrido de terror e comédia. E sim, acharam a proposta uma merda. Eles (e eu, claro) estavam errados pois em 1988, Beetlejuice foi uma das maiores bilheterias do ano.
Mesmo mantendo minha convicção de que Belafonte contribuiu 90% para esse sucesso, a partir do lançamento Tim Burton virou um diretor referência, com Winona, que já estava ascendendo como estrela, sua musa (em seguida o namorado dela da época, Johnny Depp, ocupou o espaço de “muso” de Tim Burton, mas isso é outra história).
Olhando para trás, é difícil imaginar quem recusaria à Burton o investimento em uma história de trama e visuais tão particulares, afinal, faz parte de sua assinatura. Beetlejuice ganhou o Oscar de maquiagem naquele ano e virou uma espécie de Rocky Horror Show (com sessões noturnas incluindo pessoas fantasiadas na platéia), virou série de animação, ganhou uma linha de bonecos, é uma fantasia clássica de Halloween e até se transformou em musical da Broadway. Ganhar uma sequência nos cinemas era apenas um passo lógico, mesmo que demorado.
No original, Adam e Barbara Maitland (Alec Baldwin e Geena Davis) morrem em um acidente, mas não querem deixar sua casa e passam a assombrá-la para que nenhuma pessoa viva a ocupe novamente.
Quando finalmente esbarram com os os Deetz (Catherine O’Hara, Jeffrey Jones, e Ryder), os vivos determinados não apenas a ficar com o imóvel, mas alterá-lo também, só resta à dupla de fantasmas de bom coração (que se conecta com a adolescente melancólica e “estranha” interpretada por Winona Ryder) convocar os serviços de um fantasma nojento, irritante, mau, mas eficaz: Beetlejuice (Michael Keaton). Logo se arrependem, mas impedir os verdadeiros planos do fantasma do mau (de se casar com a adolescente e voltar para o mundo dos vivos) vira uma aventura inesperadamente e visualmente bizarra.
O lado mais estranho de Beetlejuice está na indefinição de seu gênero. O roteiro original de Michael McDowell enfatizava o terror, com Beetlejuice sendo apenas maligno e querendo liquidar os Deetz. Tudo que hoje ficou “engraçado” (a morte dos Maitlands, o jantar do enfeitiçamento) era para ser violento e gráfico, só aliviando o tom com a revisão feita por Walter Skaaren.
Porém, para o diretor Tim Burton, ex-animador da Disney e claramente um artista criativo e visualmente distinto, o lado dark da história era perfeição à sua espera. Como explicou, na sua visão, a metáfora de Beetlejuice é perfeita (sério?) porque “[Na vida], não há nada que seja apenas engraçado, apenas dramático ou apenas assustador. Está tudo misturado,” explicou na época. Se ele diz isso…
Continuando na nostalgia dos bastidores, curiosamente a maior estrela da época, Geena Davis (que ganharia um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Um Turista Acidental no ano seguinte de Beetlejuice) foi a primeira a comprar a proposta de Tim Burton, Catherine O’Hara e Winona Ryder estavam mais evasivas sobre esse conto “divertido” sobre morte. Eventualmente, toparam. Restava escalar justamente o personagem título.
Hoje é impossível separar o irritante Beetlejuice do ator Michael Keaton, mas ele não foi a primeira opção. Burton queria Sammy Davis Jr., mas os estúdios foram contra. Keaton, com 35 anos na época, não era do primeiro time em Hollywood e seus filmes eram medianos na melhor das hipóteses, mas, quando o diretor o conheceu, viu sem seus “olhos esbugalhados” algo visualmente vantajoso.
E não, mesmo não sendo estrela, Keaton não topou de imediato entrar para a equipe. Ele, como muitos, não entendeu a proposta do roteiro e inicialmente recusou o projeto, precisando passar por um convencimento árduo até topar.
A entrada de Michael Keaton trouxe vida à Beetlejuice (trocadilho intencional) pois seu espírito (de novo!) criativo inclui disposição para improvisar e o resultado é que seu irritante fantasma fala tanto que ninguém sabe dizer o que estava escrito e o que ele inventou quando a câmera estava rolando. Embora seja a personagem título, Beetlejuice só aparece mesmo na etapa final da história, outra “inovação” do roteiro.
A proposta de fazer piadas da morte é definitivamente macabro, mas graças aos traços de Tim Burton é também um filme inegavelmente único. Claro, mais significativamente para mim que coleciona Trilhas Sonoras, Beetlejuice marca o início da parceria do diretor com Danny Elfman, isso sim, um clássico imediato no meu livro. Era preciso citar esse fato, claro. E com o mega sucesso da obra, Tim Burton virou referência em Hollywood, com todos seguindo em frente.
Mas como em Hollywood tudo se refaz múltiplas vezes, trazer Beetlejuice de volta ao mundo dos vivos era apenas uma questão de tempo. A discussão percorreu décadas e com a onda nostálgica do fim dos anos 80s, incluindo o resgate do sucesso de Winona Ryder (graças à Stranger Things) e o prestígio de Keaton, alguém repetiu as palavras mágicas para lançar a continuação. Os dois toparam voltar e isso claramente é o atrativo do novo filme.
Beetlejuice Beetlejuice está em cartaz e agradando uma nova geração. Mesmo que agora adulta, Lydia Deetz (Winona Ryder) mantém o mesmo visual de adolescente e é uma celebridade “psíquica”, famosa por apresentar um programa de assombrações da vida real, o Ghost House. Ela tem um namorado estranho (Justin Theroux), ainda bate de frente com sua madrasta, Delia (Catherine O’Hara), lida com a morbidez de sua filha rebelde, Astrid (Jenna Ortega estrela de Wandinha) e todos são levados de volta à mansão assombrada quando uma tragédia familiar os une novamente.
Era tudo que o persistente Beetlejuice precisava para mais uma vez tentar sair do submundo e finalmente se casar com Lydia. Dessa vez, ele lida também com uma ex (um papel criado para a atual esposa de Burton, a atriz Monica Bellucci) que quer impedir a união. E quem ajuda Lydia agora é outro fantasma interpretado por Willem Dafoe. (Por razões óbvias, Alec Baldwin ficou de fora uma vez que estava lidando com o processo judicial da morte acidental da diretora de fotografia do filme Rust).
Críticos foram mornos com o novo longa. Há repetições de situações que nem sempre funcionam (a junção de Belafonte à história não é a mesma com Bee Gees ou Donna Summer), mas, segundo brincam (outra piada intencional): pode não ser o mesmo cult, mas “os fantasmas se divertem”. O filme já está em cartaz nos cinemas.