Quando a série sul-coreana Round 6 (Squid Game) estreou na Netflix, ainda em 2021, estávamos isolados em casa, angustiados ainda com a pandemia da Covid-19 e calculando quando voltaríamos a uma vida “normal”. A distopia fictícia parecia uma realidade próxima e o tema simples da série paradoxalmente entrava em um ambiente assustadoramente realista.
O que você faria por dinheiro foi levado a outro grau dramático. Para surpresa de muitos, com uma fotografia esplendorosa, muita criatividade e um roteiro amarrado, a série virou fenômeno, ganhou mais de 30 prêmios, incluindo 6 Emmys. A segunda temporada chegou à plataforma logo após o Natal de 2024.
A história acompanha Seong Gi-hun (Jung-jae), um homem endividado e desesperado, que recebe um convite misterioso para participar de um jogo competitivo com a promessa de um prêmio em dinheiro exorbitante. Ele se junta a 455 outros jogadores, todos em situações financeiras semelhantes, para competir em jogos infantis com regras aparentemente simples.
No entanto, eles logo descobrem que ser eliminado do jogo é, na verdade, um risco literal e as consequências de perder são mortais. À medida que os jogos progridem, alianças e traições surgem, explorando a ganância, moralidade e o desespero humano. O foco principal está no embate psicológico e físico entre os jogadores, com o pano de fundo de uma crítica à desigualdade social e ao capitalismo.
A evolução de Gi-hun do esperto mala e exagerado em um homem traumatizado e amargurado com o que testemunha (e executa) é torturante na maior parte do tempo. As vidas de todos são marcadas pela desesperança e, em um universo de regras implacáveis, onde a sobrevivência se torna a única prioridade, as consequências são inevitáveis.
O que vemos, repetidamente, é que a desigualdade econômica está de igual com o colapso moral provocado por uma sociedade que valoriza o lucro acima de tudo. Gi-hun, que está longe do herói ideal, é quem se transforma e nos leva em sua jornada.
Além dele, vamos conhecendo várias personagens cujo impacto nos faz sentir suas partidas. Paralelamente à Gi-hun, acompanhamos a missão suicida de Hwang Jun-ho (Wi Ha-joon), um policial que se infiltra na organização dos jogos em busca de seu irmão desaparecido, Hwang In-ho (Lee Byung-hun).
À medida que ele descobre os bastidores, Jun-ho confronta um sistema obscuro onde vidas humanas são mercadoria, gerenciado por figuras misteriosas como o Front Man, cujo papel era o do o executor das regras dos jogos, mas aos poucos ganha maior autonomia e poder.
O Front Man, um vilão calculista, administra os jogos sob o comando de elites anônimas, e sua presença levanta questões sobre o preço de servir a um sistema cruel. Sua conexão pessoal com outros personagens e sua motivação aprofundam o dilema moral que permeia a série: quem é realmente culpado?
Os SPOILERS da 1ª temporada que ligam com a 2ª
Gi-hun é o vencedor dos jogos, mas, ao invés de ir recomeçar sua vida nos Estados Unidos, ele não consegue usar sua fortuna e vive ainda traumatizado. No final da temporada ele decide que vai ficar e desmascarar todos por trás dos Squid Games. E do lado de Jun-ho, ele acaba chegando ao Front Man que revela ser seu irmão, In-ho, antes de atirar nele. In-ho cai do despenhadeiro ferido e não sabemos se conseguirá sobreviver.
Enquanto os motivos de In-ho não sejam completamente explorados, fica implícito que ele fez essa escolha para sobreviver e talvez para ascender em um sistema impiedoso e é o antagonista de Gin-hun.
Uma volta sangrenta e ainda mais intensa
Claramente há quem não considere a segunda temporada tão impactante quanto a primeira, mas eu discordo. Seu roteiro mantém o sadismo que é característico da série, com novos e emocionantes personagens e sempre uma reviravolta à nossa frente.
Três anos depois dos jogos, Seong Gi-hun segue determinado em desmantelar os jogos mortais que o traumatizaram. Com meios, ele investe numa rede tortuosa de investigadores amadores para chegar ao jogo que precisa reencontrar o enigmático recrutador que joga ddakji no metrô.
O plano de Gi-hun mantém sua essência inocente porque o plano é denunciar os jogos e desmantelá-los, mas mesmo agora hábil com armas e estratégia, Gi-hun não é o melhor leitor de pessoas.
Hwang Jun-ho sobreviveu ao tiro e à queda, mas foi rebaixado a guarda de trânsito, mesmo que siga atrás da ilha onde os jogos acontecem. Numa improvável coincidência, ele e Gi-hun se unem com o mesmo objetivo, mas claro que acabam separados quando Gi-hun acaba entrando de novo na competição e Jun-ho tenta ajudá-lo e encontrá-lo de fora.
O grande destaque da história é o disfarce de Hwang In-ho, o Front Man, que entra para o jogo como o 001 e se faz de amigo de Gi-hun (mais uma vez o 456). O fato de que mesmo depois do jogo anterior Gi-hun não tenha desconfiado do 001 ou feito mais perguntas nos irrita, mas é consistente com a personagem. Para nós, que sabemos o que está acontecendo, é ainda mais apavorante ver o vilão circulando entre os inocentes com toda sua hipocrisia e maldade.
Os jogos são quase os mesmos, quer dizer, começamos com a lendária boneca gigante, mas as outras atividades são novas, o que para nós é tão impactante quanto para as personagens. Já podemos antecipar algumas desgraças e mortes no caminho, mas rapidamente nos conectamos com o grupo atual.
A nova dinâmica é ainda mais brutal e desafiadora que antes, uma vez que as chances de saírem é oferecida, mas, como vêem a Gi-hun como sobrevivente, o elegem como justificativa para alimentarem sua ganância a cada rodada em vez de escutá-lo. É desesperador uma vez que nós sabemos exatamente o que os espera.
O que Round 6 (Squid Game) segue mostrando com brilhantismo e criatividade é que a série é um espelho muito incômodo do ser-humano, não importa a cultura. A moralidade sai pela janela quando a escolha de ficar rido parece ao alcance das mãos, em jogos simples que destroem nossa ética ou esperança.
A segunda temporada tem menos episódios – são sete – dois episódios a menos, mas seu término abrupto sem solução é porque a terceira temporada vem ainda em 2025. É perverso como o jogo, mas nos deixa igualmente querendo mais uma antes de terminar. Uma prova de que brincar com fogo pode nos queimar…