Se Downton Abbey abriu as portas para o retorno do drama histórico elegante e emocional, The Gilded Age, também criada por Julian Fellowes, consolidou essa vertente como um gênero em ascensão. Em sua terceira temporada, atualmente no ar pela HBO, a série confirma seu lugar entre as produções mais luxuosas e envolventes da TV contemporânea — um novelão de época daqueles que a gente assiste com prazer, suspiros e até um pouco de inveja das sedas e lustres a gás.
Ambientada na Nova York da década de 1880, The Gilded Age retrata um momento de profunda transformação social, em que fortunas recém-construídas disputavam espaço com os nomes tradicionais da aristocracia americana. O pano de fundo é real: a chamada “Era Dourada” foi um período de riqueza excessiva, desigualdade social gritante e forte ascensão industrial. O título da série, aliás, vem de um termo cunhado por Mark Twain — que sugeria uma beleza superficial escondendo contradições profundas.
A série gira em torno de dois mundos em colisão: de um lado, os van Rhijn, representantes da velha guarda, liderados pela aristocrática Agnes (Christine Baranski); do outro, os ambiciosos Russell, magnatas do setor ferroviário, tentando abrir caminho na sociedade nova-iorquina a qualquer custo. A personagem Bertha Russell (vivida com maestria por Carrie Coon) é inspirada em Alva Vanderbilt, uma das figuras mais determinadas e controversas de sua época.
Na primeira temporada, Bertha estava determinada a ser aceita pela alta sociedade. Seu grande objetivo culmina num baile espetacular em sua mansão recém-construída, numa tentativa — bem-sucedida, ainda que com ressalvas — de forçar as portas dos salões mais exclusivos. Já na segunda temporada, embora integrada ao círculo social, ela ainda enfrenta resistência e decide travar uma verdadeira “guerra das óperas”. Baseada em eventos reais, essa disputa se dá entre a tradicional Academia de Música e a recém-fundada Metropolitan Opera, com Bertha investindo pesado em patrocínio, arquitetura e influência para garantir seu lugar no topo da pirâmide cultural de Nova York.
É aí que The Gilded Age brilha: mistura personagens fictícios com figuras reais como Mrs. Astor, Ward McAllister, Clara Barton e Booker T. Washington. Isso alimenta o engajamento dos fãs nas redes sociais, sempre em busca dos paralelos históricos, das pistas escondidas e das possíveis reviravoltas. Há um quê de mistério e jogo político que torna cada episódio uma pequena peça de xadrez com vestidos de tafetá e colares de diamantes.
Na atual terceira temporada, o grande arco envolve o casamento da jovem Gladys Russell com um aristocrata britânico — um enredo que reflete a febre histórica das Dollar Princesses. Foi um fenômeno real: filhas de magnatas americanos casadas com nobres europeus, em especial britânicos, que buscavam restaurar seus títulos empobrecidos com os cofres cheios da nova elite dos Estados Unidos. No caso da série, Bertha vê na união da filha com um duque inglês não apenas um movimento social estratégico, mas a consolidação de sua própria trajetória de poder. A opulência do casamento, o choque de culturas e os segredos por trás das aparências alimentam o suspense de forma envolvente.
Paralelamente, George Russell (Morgan Spector) enfrenta dilemas empresariais em seu império ferroviário, com greves e confrontos com trabalhadores, enquanto Marian Brook (Louisa Jacobson) segue seu arco de amadurecimento, tentando equilibrar independência e desejo com as expectativas da tia Agnes. A professora e jornalista Peggy Scott (Denée Benton), é uma das personagens mais fortes da série, está cada vez mais inserida nas lutas por justiça racial e pelos direitos civis — lembrando que, mesmo num ambiente de ostentação, The Gilded Age não se esquece das questões sociais profundas.
Cinema B+: The Gilded Age: O prazer irresistível de um bom novelão de época - DivulgaçãoE esse é outro mérito importante da série — e pouco explorado nas críticas — é seu compromisso em resgatar a história da elite negra americana no pós-Guerra Civil. Através de Peggy e de sua família no Brooklyn, a série ilumina uma realidade pouco retratada na ficção histórica: a formação de uma classe média e alta negra que, mesmo diante da segregação e do racismo sistêmico, construiu escolas, jornais, igrejas e redes de apoio intelectual e econômico. Essa comunidade existiu — e resistiu — com dignidade e visão de futuro, apesar das barreiras sociais impostas. O cinema e a televisão tradicionalmente silenciaram essas narrativas, preferindo retratar o século 19 apenas pela ótica branca. The Gilded Age corrige essa omissão com sensibilidade, trazendo à tona figuras inspiradas em personagens reais e reconstruindo esse capítulo esquecido da história americana com rigor e empatia.
Visualmente deslumbrante, com figurinos premiáveis e direção de arte impecável, a série ganhou fôlego junto à crítica ao longo das temporadas. Se a primeira temporada dividiu opiniões pelo ritmo contemplativo, a segunda e especialmente a terceira foram amplamente elogiadas pela complexidade dos temas, o refinamento do roteiro e a atuação do elenco — uma constelação de veteranos da Broadway, como Audra McDonald, Donna Murphy, Nathan Lane e Kelli O’Hara, ao lado de rostos mais jovens.
É verdade que The Gilded Age (ainda) não é um fenômeno de audiência em escala global, mas conquistou um público fiel, sofisticado e engajado. A cada semana, os episódios alimentam teorias, resgates históricos e memes — um sinal claro de que há mais em jogo do que apenas drama de salão. O escapismo é irresistível, mas vem temperado com comentários sobre mobilidade social, hipocrisia, ascensão feminina e o preço da ambição.
A HBO MAX ainda não confirmou oficialmente uma quarta temporada, embora tudo indique que ela está nos planos do estúdio. Por via das dúvidas, o momento é agora: maratonar, se encantar, torcer. Porque, em tempos de ruído, velocidade e narrativas fragmentadas, The Gilded Age nos convida a mergulhar em uma história contínua, grandiosa e deliciosamente romanesca. Um novelão dos bons — com direito a segredos sussurrados, alianças perigosas e muito mais do que só vestidos bonitos.
Foto: Divulgação / Alexis Prappas
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Ryan Keberle, trombonista - Foto: Divulgação / Alexis Prappas


