Até que ponto a realidade das brasileiras se distancia do mundo em que vivem as mulheres árabes? Esta é uma pergunta básica que guia a construção do espetáculo “Eu matei Sherazade, confissões de uma árabe em fúria”, que fica em cartaz no Teatro Poeira até 27 de novembro. O monólogo, com atuação e dramaturgia de Carolina Chalita, direção de Miwa Yanagizawa, produção de Sérgio Saboya e música ao vivo de Beto Lemos, é baseado no livro homônimo da autora libanesa Joumana Haddad.
Esta é a primeira vez em que a peça será encenada presencialmente, visto que a pesquisa teve início durante a pandemia da Covid-19 e foi apresentada em formato on-line por meio da Lei Aldir Blanc. Agora, Carolina Chalita entra em temporada para narrar as confissões de uma árabe enfurecida pela maneira como a mulher é vista por seu próprio povo e pelo olhar preconceituoso do Ocidente.
“Desenvolvemos uma dramaturgia que oferece a possibilidade de investigar as fronteiras entre os olhares árabe e ocidental sobre as mulheres. Joumana Haddad nos apresenta um caminho para a libertação da hipocrisia da cultura patriarcal”, explica Chalita, revelando que a autora estará no Brasil especialmente para a estreia do espetáculo, visto que esta é a primeira adaptação do livro para o teatro.
O caminho para a libertação, na obra de uma das mais influentes escritoras do mundo árabe, é encontrado por meio de uma crítica à forma como é apresentada a personagem Sherazade no livro “As mil e uma noites”, obra que compilou histórias populares originárias do Oriente Médio e do sul da Ásia em língua árabe a partir do século IX.
Sherazade sempre foi exaltada, especialmente sob o olhar ocidental, como uma referência de insubmissão feminina, ao utilizar sua imaginação para sobreviver aos abusos de um sultão. Segundo Joumana Haddad, no entanto, ela não rompe com o sexismo. Pelo contrário, o perpetua por trás de histórias que ludibriam e que maquiam uma transformação do sultão, um assassino de mulheres.
“O sultão, que, a cada noite, matava uma virgem de seu reino como vingança por ter sido traído por sua primeira esposa, fica curioso com as fábulas de Sherazade, o que, para o mundo ocidental e para os próprios árabes, significa que a personagem não é submissa. É exatamente isso que Joumanaquestiona” detalha Carolina, que tem ascendência libanesa.
Sua ascendência, inclusive, foi um dos motivos pelo interesse de Chalita por “Eu matei Sherazade”. A atriz conta que assistiu a uma leitura dramatizada de uma adaptação do livro realizada por Clarisse Niskier, em 2013. “Quando acabou a leitura, procurei a Clarisse e disse que, se ela não fosse montar, de fato, o texto, eu me interessaria. Depois de um ano, ela me liberou e procurei a Joumana”, diverte-se.
Sinopse do espetáculo:
O espetáculo narra as confissões de uma árabe enfurecida pela maneira como a mulher é vista por seu próprio povo e pelo olhar preconceituoso do Ocidente. Ela descobre, através da literatura, o caminho para se libertar da hipocrisia patriarcal e, assim, escolher o que realmente deseja ser e criticar a forma como a personagem Sherazade, do livro “As mil e uma noites”, é exaltada em todo o mundo por ser uma referência de insubmissão feminina. Segundo Joumana Haddad, Sherazade não rompe com o sexismo. Pelo contrário, o perpetua, por trás de uma transformação maquiada. A autora enaltece a importância de as mulheres conquistarem o protagonismo sobre suas vidas para a construção de uma nova consciência do feminino.