Por Ana Claudia Paixão
A profundidade de temas atuais, como traumas, luto, doenças mentais, preconceitos, inclusão e esperança são o coração das histórias dos heróis da Marvel há mais de uma década agora, portanto reescreveram o que antes recebia o desdém de “filmes de super-heróis” para obras de qualidade. Isso mesmo, qualidade.
A complicada e intricada conjunção desse universo, com tantas tramas e personagens paralelos é costurada com tanta precisão que a metáfora de ter o melhor cirurgião – Dr. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) – “protegendo o universo” enquanto se coloca como ponto de encontro para a fase 4, é perfeita.
A entrada e saída de personagens e costura dos “multiversos” é, efetivamente, cirúrgica, e o antecipado Dr. Estranho no Multiverso da Loucura comprova.
O filme é ótimo e aviso que não tenho como evitar SPOILERS.
A festejada direção de Sam Raimi, cujo lado obscuro e filmes de terror acabam sendo sua assinatura, se encaixou perfeitamente para esse momento da história, embora também tenha – a meu ver – me distraído com as auto referências ou citações de clássicos.
É uma opinião impopular e muito pessoal, mas concordo que Raimi conversa com essa fase do universo Marvel, bem mais densa.
Assim como nós estamos reaprendendo a nos socializar e retomar rotinas pré-pandêmicas depois de 2 anos, nossos heróis e as pessoas ainda lidam com o buraco que o estalar de dedos de Thanos causou, tirando 5 anos das pessoas que “morreram” e que voltaram para uma vida onde não se encaixam perfeitamente.
Quem perdeu pessoas amadas, como Wanda Maximoff (a excelente Elizabeth Olsen) oscila com o luto que traz raiva, frustração assim como pura tristeza, algo que Dr. Estranho também se identifica.
Porém, a dor os coloca em lados opostos.
O filme é, como já foi dito, a sequência imediata de WandaVision e demanda que a série tenha sido vista para entender o que está acontecendo. Se ainda não viu, são apenas seis episódios e o mais original storytelling dos últimos anos.
Mas, para ajudar, com spoilers, reencontramos Wanda, agora a Feiticeira Escarlate, estudando a forma de como não apenas poderá entrar em um dos multiversos onde seus filhos estão vivos, como ficar com o poder de navegar por eles (para ter a possibilidade de proteger sua família).
Como sua motivação é egoísta e dolorida, obviamente traz caos para todos os multiversos, levando a Dr. Strange a agir.
Benedict Cumberbatch está encantador como Dr. Strange, mais uma personagem arrogante e solitária. Ele é um homem que também lida com perdas, por isso tem simpatia por Wanda, afinal ela perdeu os pais, o irmão gêmeo e foi obrigada a pessoalmente matar o amor de sua vida, Vision (Paul Bettany).
Depois de voltar dos 5 anos em que virou pó, Dr. Strange também lida com a cobrança de sua repetida estratégia de “essa é a única maneira”, que salvou o planeta ao custo da vida de milhares, incluindo as de Vision e do Homem de Ferro (Robert Downey Jr).
Além disso, perdeu seu “cargo” de Mestre Supremo (o que me parece justo) para Wong (Benedict Wong) e o amor de sua vida, a médica Christine Palmer (Rachel McAdams), seguiu com sua vida se casando com outro.
A jornada do herói aqui é emocionante pois fala de seu trauma mais profundo, revela sua vulnerabilidade e solidão, seus erros de julgamento, mas, essencialmente, de sua vontade de acertar.
Há muito que confabular sobre o filme, mas aqui fica o elogio para os estúdios da Marvel que conseguiram trazer diversão e reflexão para o mesmo cenário, com estrelas que espelham essa profundidade e ao mesmo tempo nos entretêm e afastam das nossas próprias dores e traumas por algumas horas.
O filme traz a união de universos infinitos, concluindo com esperança e novas personagens, mas isso fica para outra coluna.



Helio Mandetta e Maria Olga Mandetta
Thai de Melo


