Tenho um fraco por franquias longas. Gosto de ver o que envelhece bem, o que desanda, onde os personagens tentam manter a dignidade mesmo quando o roteiro parece ter desistido deles. No caso de Missão: Impossível, sempre houve um charme na megalomania.
Tom Cruise pulando de um prédio, de um helicóptero, de um avião — e da própria lógica. E, de certo modo, a saga conseguiu se sustentar ao longo de quase 30 anos com essa fórmula: empilhar impossibilidades e fazê-las parecer naturais. Ou pelo menos inevitáveis.
Quando Cruise comprou os direitos da franquia nos anos 1990, a ideia era simples: transformar a série de TV dos anos 60 em um sucesso de ação para o cinema. E funcionou. Ele assumiu o papel do “ator infiltrado” da equipe de espiões — herdeiro do personagem de Martin Landau — e atualizou tudo o mais, inclusive o venerável Jim Phelps, que virou traidor no primeiro filme.
A partir dos anos 2000, o que era um projeto virou uma obsessão: Cruise transformou Missão: Impossível em franquia, e a franquia virou espetáculo. A cada novo filme, o salto era mais alto, o desafio mais letal, a missão mais impossível. E o público foi junto.
Agora, chegamos a Missão: Impossível – Acerto Final. O título sugere encerramento. O filme, nem tanto. Lançado oficialmente no Brasil no dia 22 de maio, já estreou em Cannes e em alguns países, e o veredito inicial é um só: morno.
A promessa era de conclusão, mas o longa termina em aberto — o que sempre soa como um truque para segurar a plateia. E, convenhamos, Cruise pode até ter quase 63 anos, mas dificilmente vai abrir mão do papel que ele mais ama.
Não que falte ação. As sequências são impressionantes, como sempre. Cruise continua a correr como se o mundo dependesse disso — e, dentro da lógica do filme, depende mesmo. Mas tudo ao redor parece perder o fôlego.
A trama é básica: o inimigo agora é uma inteligência artificial chamada A Entidade, e Ethan Hunt precisa impedi-la de dominar o planeta. Só que, ao longo de 2h30, o roteiro explica a missão repetidamente, como se a plateia não estivesse prestando atenção.
A cada meia hora, alguém resume tudo de novo — em jograis onde um personagem começa a frase e outro termina, como se estivessem ensaiando para um musical bizarro sobre a internet.
Cinema B+: A missão de Tom Cruise era outra - DivulgaçãoHá outras escolhas duvidosas. O tom é mais sombrio do que o necessário. A nostalgia é escancarada: closes dramáticos, risadas de vilão, objetos girando na mão de Ethan para nos lembrar de peças que voltaram ao tabuleiro. Funciona? Às vezes.
Mas quase sempre pesa. Some a isso os monólogos — internos ou não — em que se diz, sem nenhuma ironia, que Ethan Hunt é o último bastião da humanidade. Às vezes parece que estão falando de Cruise. Talvez estejam mesmo.
A história avança a partir do ponto onde o filme anterior parou. Ethan está sozinho, claro, tentando descobrir como neutralizar a IA. Tem uma chave que pode ser a salvação (ou a destruição) do planeta.
O caos se instala, antigos inimigos voltam, segredos do passado emergem. A essa altura, ninguém confia em ninguém. O mundo está às vésperas da Terceira Guerra Mundial, mas tudo parece muito familiar — não em termos de geopolítica, e sim de roteiro.
O problema não é que Ethan vai sobreviver. Sempre soubemos disso. O problema é que nunca sentimos que ele poderia não sobreviver. O risco é teórico. O impossível virou rotina — e isso tira parte da tensão. Pior: boa parte das cenas mais espetaculares foram divulgadas muito antes da estreia, em vídeos promocionais ou making ofs.
Vê-las na tela grande ainda impressiona, mas não emociona. Porque, no fundo, sabemos que são apenas cenas espetaculares interligadas por uma história que não tem muito a dizer além do velho alerta: cuidado com a internet, ela pode dominar tudo.
Cruise continua sendo um dos últimos grandes astros a fazer questão de nos lembrar disso. Ele pula do penhasco por nós, corre por nós, desafia a idade por nós.
E tudo isso é real, como gosta de repetir em entrevistas. Mas talvez a verdadeira missão agora seja outra: reinventar-se. Ou, pelo menos, nos dar uma razão para querer seguir junto.