Como resultado de uma pesquisa iniciada em 2018, Moacir Lacerda, membro fundador do Grupo Acaba, lançou recentemente o álbum duplo “Cabeza de Vaca – Andarilho das Américas” e segue em turnê, desde junho, apresentando o trabalho em sessões de audição e em outros eventos pela Capital e por outras cidades do Estado.
Por exemplo, nas últimas semanas, o músico esteve na Feira Literária de Bonito (Flib), no dia 8, e no Instituto Histórico e Geográfico de MS, em Campo Grande, no dia 13. Nesta quarta-feira, o artista faz mais um lançamento do álbum na Capital, no campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Não é para menos.
O personagem homenageado no repertório do projeto, mais que um explorador nascido na Espanha, que percorreu o continente americano de ponta a ponta em pleno século 16, foi também – pode-se dizer – um andarilho pantaneiro.
As 22 faixas inéditas dos dois CDs da nova obra musical de Moacir contam a “fascinante história” do conquistador Álvar Núñez Cabeza de Vaca (Xerez da Fronteira, 1488/1492 – Sevilha, 1558/1560), buscando recuperar seu “inestimável valor para MS e para o Brasil”.
A lista de convidados que participam do álbum duplo é extensa. Entre outros nomes, estão nos créditos Tetê Espíndola, Grupo Acaba, Pedro Ortale, Raquel Naveira, Luciana Fisher, Marcelo Fernandes, Aurélio Miranda, Marcos Assunção, Anderson Rocha, Zé Geral e artistas de várias etnias indígenas.
O CABEZA
As datas de nascimento e morte de Núñez, assim como diversos lances de sua trajetória, permanecem imprecisas. Mas uma série de feitos prodigiosos são tidos como certos, muitos a partir dos relatos do próprio explorador.
Primeiro europeu a chegar ao Grand Canyon, Cabeza de Vaca foi também o “primeiro branco que percorreu o Pantanal pelo Rio Paraguai”. Ele teria chamado a região pantaneira de Laguna de los Xarayés.
Em 1527, o espanhol percorreu a pé aproximadamente de 8 mil quilômetros da América do Norte, cruzando a Flórida e o Texas, nos EUA, além do território mexicano. Foi governador do Vice Reino da Bacia do Prata e descobridor das Cataratas do Iguaçu. Seu pioneirismo o enquadra ainda como “a primeira referência de respeito às etnias indígenas no mundo” e como “o primeiro branco a manter contato com os índios guaicurus”, a quem presenteava com cavalos.
É isso mesmo. Parece pouco crível cinco séculos depois que um colonizador vindo do Velho Mundo pudesse pôr em prática com os povos originários valores tão opostos aos que traziam seus colegas de ofício da Europa. Justamente por essa razão, o herói de Moacir é um nome a ser recuperado.
O NOME
O escritor Mario Sergio Lorenzetto descreve que o nome Cabeza de Vaca “aparenta ser um apelido jocoso” e pode causar estupefação ou sorrisos.
“Em verdade, Cabeza de Vaca tem sua origem em um ato heroico, beirando o miraculoso”, afirma o escritor no texto do encarte do álbum, antes de narrar um episódio dos tempos das Cruzadas, em 1212, envolvendo a sagacidade de um pastor.
Durante a batalha de Navas de Tolosa, enquanto tentavam expulsar os árabes da Península Ibérica, os espanhóis foram encurralados e teriam sido salvos por Martim Halaja, o pastor “que lhes mostrou um caminho seguro, usando como indicador para as tropas uma cabeça de vaca”. Após a vitória, o rei condecorou Halaja com um título e, desde então, ele passaria a ser conhecido como Don Martin Halaja, o Cabeça de Vaca.
“Vem dessa família o personagem mais importante para os primeiros passos dessas terras se converterem no atual Mato Grosso do Sul. Don Álvar Núñez Cabeza de Vaca, descendente daquele pastor que virou nobre, foi o primeiro europeu a pisar nessa parte do Brasil”, afirma Lorenzetto.
“É difícil entender os motivos que Cabeza de Vaca seja pouco conhecido em MS. Além de ter percorrido boa parte do nosso Pantanal, foi uma figura edificante. Um dos maiores aventureiros de seu tempo, carrega outros primeiros lugares em sua história. Foi o único a escrever dois livros narrando suas poucas venturas e muitas desventuras”, diz o escritor.
“Também foi o primeiro europeu a chegar na Flórida e caminhar em toda a larga extensão de todos os estados que fazem fronteira com o México até o Texas, estado onde é idolatrado. Da Flórida até o México, Cabeza de Vaca saiu da situação de escravo dos indígenas para a de um deus curandeiro, passando a ser seguido por uma multidão de milhares de povos autóctones”, destaca Lorenzetto.
O heroísmo de Cabeza estende-se, por tabela, ao protagonismo de integrantes de sua comitiva, ainda que involuntário. Segundo Lorenzetto, um de seus acompanhantes, um jovem de nome Estavanico, foi o primeiro negro a chegar nas terras norte-americanas.
Outra marca: “Cabeza de Vaca dá início à primeira tentativa dos conquistadores espanhóis de deixarem de escravizar indígenas”, adiciona. O músico Moacir Lacerda anuncia o breve lançamento, exclusivamente nas plataformas digitais, de um terceiro CD dedicado ao herói.