Com três neste mês, os eventos começam amanhã, na UEMS, e clube de leitura sobre García Márquez, na quinta-feira, na sede da entidade, com participação de André Luiz Alvez
No mês em que se comemora o Dia Mundial do Livro (23), a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (ASL) promove nada menos que três eventos, destacando autores regionais, nacionais e de fora do País. Mas talvez a grande homenageada seja a língua portuguesa, com uma oficina sobre o cotejo entre literatura e gramática a ser ministrada pelo filólogo e linguista Ricardo Cavaliere (RJ), membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).
Cavaliere vai conduzir a oficina a partir do tema “O vínculo eterno entre literatura e gramática”, amanhã, às 14h, no curso de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), no Bairro José Abrão. Na quinta-feira, será a vez do clube de leitura da ASL centrar foco no colombiano García Márquez (1927-2014). E, no dia 24, a roda acadêmica da entidade homenageará a autora corumbaense Oliva Enciso (1909-2005).
INCULTA E BELA
Tida poeticamente por Olavo Bilac (1865-1918) como “inculta e bela”, a língua portuguesa – “inculta”, por ter sido a última a derivar do chamado latim vulgar, e “bela”, por um crivo personalista do poeta parnasiano – certamente receberá um tratamento de primeira linha de Ricardo Cavaliere, um dos maiores especialistas no idioma, que abordará a relação entre a arte literária e a disciplina gramatical.
O renomado linguista adianta que vai tratar da “vinculação entre a literatura e a gramática, que nos últimos decênios tem sido objeto de crítica devido a possíveis inadequações, tais como o excessivo descompasso entre a língua literária e o padrão culto contemporâneo”.
O imortal da ABL – na qual ocupa a cadeira número 8, cujo patrono é o árcade Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) – resume o evento, que será aberto ao público, como “um painel da relação entre a arte literária e a disciplina gramatical desde a Antiguidade Clássica até os dias atuais”.
É recorrente o próprio idioma servir de mote à criação literária. Em Guimarães Rosa (1908-1967), os neologismos saltam aos olhos, ecoando uma dimensão metalinguística. Na poesia, além do exemplo de Bilac, destaca-se o concretismo, que teve lugar a partir dos anos 1950.
Na canção popular, a irônica e divertida letra de “Assaltaram a Gramática” (1984), de Waly Salomão e Lulu Santos, sucesso na gravação dos Paralamas do Sucesso, serve de grande exemplo.
Mas, de modo geral, a indústria cultural mais recente e o estilo telegráfico do universo virtual, entre outras razões, têm maltratado a “última flor do Lácio”, a ponto de muitos erros ou desvios passarem a soar como norma.
“Apesar das críticas, a literatura continua a ocupar lugar necessário na descrição da denominada norma-padrão, sobretudo devido à sua especial relevância como expressão maior das potencialidades da língua no plano estilístico”, pontua Cavaliere.
Henrique de Medeiros, presidente da ASL, afirma que esse primeiro evento no formato de oficina, uma parceria com a ABL, pode abrir novos projetos, inclusive buscando uma participação ainda maior de professores e estudantes junto à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.
O evento faz parte do projeto ABL na ASL: Palestras Imortais, realizado pela ASL em parceria com a Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura (Setesc) e a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul.
RICARDO CAVALIERE
O imortal da Academia Brasileira de Letras é graduado e licenciado no curso de Letras (português/inglês) e graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Obteve o título de mestre e doutor em Língua Portuguesa pela mesma instituição. Sua ênfase é na descrição do português e na historiografia dos estudos linguísticos.
Atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense. Também é membro da Academia Brasileira de Filologia, conselheiro do Liceu Literário Português e tem experiência como conselheiro no Real Gabinete Português de Leitura, onde tem o título de grande benemérito.
Destacam-se, entre suas obras, os títulos “Fonologia e Morfologia na Gramática Científica Brasileira” e “Pontos Essenciais em Fonética e Fonologia”. A Medalha do Mérito Filológico da Academia Brasileira de Filologia e o Prêmio Celso Cunha da União Brasileira de Escritores estão entre os prêmios obtidos.
Cavaliere assina mais de uma centena de trabalhos acadêmicos em sua especialidade, entre eles, “Palavras Denotativas e Termos Afins: Uma Visão Argumentativa” e “A Gramática no Brasil: Ideias, Percursos e Parâmetros”. É membro de diversas associações nacionais e internacionais, entre elas, a Société de Linguistique Romane, a Henry Sweet Society for the History of Linguistic Ideas e a Associação Brasileira de Linguística.
GARCÍA MARQUÉZ
O projeto Leituras e Conversas na ASL, clube de leitura que teve início em março, prossegue nesta quinta-feira, com entrada franca, no auditório da instituição (Rua 14 de Julho, nº 4.653, Altos do São Francisco), às 19h30min, abordando a obra do romancista Gabriel García Márquez, Nobel de Literatura em 1982.
Coordenado por Lenilde Ramos, Maria Adélia Menegazzo e Sylvia Cesco, o clube contará com participação do escritor André Luiz Alvez.
Para Henrique de Medeiros, “a abertura do projeto na sua primeira apresentação teve excelente repercussão e presença de público, e espera-se que passe a ser um programa de referência para os amantes da literatura em Campo Grande”. García Marquéz segue a alternância entre autores regionais, nacionais e estrangeiros na sequência das atividades. No mês passado, o autor em destaque foi Paulo Leminski (1944-1989).
O convidado André Luiz Alvez é escritor, publicitário e cronista do Campo Grande News com a coluna Beba das Crônicas. Já foi cronista do Correio do Estado e é autor de diversas obras, entre elas, “A Bruxa da Sapolândia”, “Todo Bicho Alado Sente Medo do Vento” e “A Mão Esquerda”.
Um dos mais influentes e celebrados autores desde os anos 1950, García Marquéz, conhecido carinhosamente como Gabo, cresceu na casa de seus avós maternos, cujas histórias e tradições culturais influenciaram profundamente sua imaginação e estilo literário.
Sua obra mais famosa, “Cem Anos de Solidão” (1967), é considerada uma das maiores contribuições à literatura mundial. O livro combina realismo mágico com reflexões profundas sobre a condição humana, a história da América Latina e os efeitos do isolamento. “O Amor nos Tempos do Cólera” (1985), “Crônica de Uma Morte Anunciada” (1981) e “O Outono do Patriarca” (1975) estão entre as suas principais obras.
RODA
Na roda acadêmica deste mês, no dia 24, a homenagem será para a professora, escritora e ex-deputada Oliva Enciso, com palestras de Raquel Naveira, Reginaldo Araújo e Rubenio Marcelo e, ainda, performance musical do projeto Movimento Concerto: Música Erudita e suas Fronteiras (UFMS). Às 19h30, com entrada franca e traje esporte.
Língua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”,
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(Olavo Bilac)
Assaltaram a Gramática (trechos)
Assaltaram a gramática
Assassinaram a lógica
Hum, botaram poesia
Na bagunça do dia a dia
Sequestraram a fonética
Violentaram a métrica
Hum, meteram poesia
No meio da boca, uma língua
Ô, ôu
Só não pode beber com a boca no gargalo
Não perca o show do intervalo
Lá vem o poeta
Com sua coroa de louros
Bertalha, pimentão, agrião, boldo
O poeta é a pimenta do planeta
(...)
Estupraram a gramática
Senhora datilógrafa, anota aí na máquina
O Zagalo vai mudar de tática
E no intervalo, eu quero ver a matemática
Dessa pelada
Violentaram o segundo tempo
Sequestraram meus melhores momentos
Expulsaram a lógica, chutaram a fonética
Eu vou de arquibancada ou de cadeira (elétrica)
Ô frangueiro, bate logo o tiro de métrica
Eu entro de carrinho
E faço um gol de bicicleta (ergométrica)
O poeta é a pimenta do planeta
Passa essa bola que eu vou meter de letra
Eu entro em cena, tô na área
Se derrubar é pena, pena, pena
Penalidade máxima
(Waly Salomão/Lulu Santos)
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