Atriz, dubladora e apresentadora com trajetória múltipla, Jacqueline Sato tem se consolidado como uma figura versátil no cenário artístico brasileiro. Recentemente, chamou atenção ao dar vida à Yuki, na novela “Volta por Cima”, exibida pela Globo no horário das 19h. A personagem, marcada pela reconstrução após um relacionamento abusivo, somou-se a uma galeria de papéis fortes e bem conduzidos.
Mas, em paralelo à arte, sua atuação mais sistemática talvez aconteça longe das câmeras: na estruturação e gestão da “House of Cats”, um projeto fundado por ela, voltado ao resgate, tratamento veterinário e adoção responsável de gatos abandonados.
“Comecei aos nove anos, acolhendo gatos na rua e buscando donos pra eles (fora os que eu adotava). Anos depois, percebi que aquilo não era um gesto isolado, mas o início de algo que precisava ganhar estrutura. A ‘House of Cats’ surgiu dessa transição: do afeto para o método. Porque o abandono animal não se resolve com boa vontade apenas: exige constância, organização, muito trabalho e critério.”
A organização é uma estrutura independente, que conta com veterinários parceiros responsáveis por castrações, vacinações, vermifugações e acompanhamentos clínicos. O espaço é dividido em alas específicas para filhotes, adultos e animais em tratamento. O processo de adoção é rigoroso: exige formulário, entrevista e vistoria domiciliar.
Mais de 2.844 gatos já passaram por esse processo com sucesso, sendo realocados para lares definitivos e monitorados no pós-adoção. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil possui mais de 30 milhões de animais abandonados, dos quais cerca de 10 milhões são felinos. Para Jacqueline, a dimensão do problema está longe de ser compreendida, e muito menos enfrentada.
“O abandono animal costuma ser tratado como algo lateral, como se fosse uma preocupação menor diante de ‘problemas reais’. Isso é um erro conceitual. Estamos falando também de uma questão de saúde pública, de responsabilidade coletiva e de ética urbana. Gatos domésticos não fazem parte da fauna silvestre e não tem a menor condição de sobreviverem nas cidades, um ambiente nada parecido com o que um dia foi seu habitat natural, um ambiente de alto risco: eles não apenas sofrem nas ruas, mas também impactam ecossistemas, adoecem, reproduzem-se em alta escala, causando desequilíbrio. Fazer algo por isso com seriedade deveria ser visto pelo Estado como uma função estrutural do mesmo, e não é um gesto de caridade. E enquanto essa função segue negligenciada, acaba que a sociedade civil passa a ocupar esse vazio com organização e ação direta.”
Também engajada em causas ambientais, Jacqueline participou de expedições pela Amazônia em parceria com o Greenpeace Brasil, organização da qual é embaixadora desde 2021. Seu ativismo, ainda que focado na proteção felina, não se limita a um nicho: insere-se numa visão sistêmica de cuidado, onde a degradação ambiental, o abandono animal, a marginalização e invisibilização estratégica, revelam facetas distintas de um mesmo colapso ético.
“A lógica do descarte é sempre a mesma, o que varia é o objeto do momento. Pode ser um gato doente, uma árvore em área de expansão urbana, uma pessoa em situação de rua. O mecanismo que sustenta tudo isso é o mesmo: o de remover da paisagem aquilo que não se encaixa no modelo de utilidade imediata e ganho financeiro individual rápido. A minha forma de resistência é começar pelo que está ao meu alcance direto. Eu escolho agir sobre o pequeno, o concreto, o que posso transformar com as mãos e com método. E nesse espaço, o que me cabe é cuidar, sistematizar e provar, com resultado visível, que é possível fazer melhor, mesmo sem incentivo ‘de cima’. Às vezes, a diferença entre abandono e dignidade está numa estrutura mínima, mas bem feita. Que eu torço que seja vista e inspire outras pessoas a agirem também, além de servir como prova de que faz, sim, diferença. De modo a provar para organizações governamentais ou não de que isto também é importante e fazer com que prestem atenção e passem a agir.”

Helio Mandetta e Maria Olga Mandetta
Thai de Melo


