Em um momento em que estados como São Paulo e Paraná e o Distrito Federal anunciam pacotes de contenção, Mato Grosso do Sul também se prepara para um novo ciclo de cortes de gastos. Secretário de Estado de Governo e Gestão Estratégica, Rodrigo Perez afirma que a contenção fiscal é uma prática recorrente na atual gestão, mas sinaliza que uma medida “mais restritiva” está em estudo, após o Estado atingir o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Revisar gastos é algo que o governador Eduardo Riedel cobra muito. Como ele costuma dizer: ‘Gasto cresce igual a unha, temos de cortar sempre’”, resume Perez, ao explicar que o foco será o custeio, e não os investimentos.
O secretário comenta os impactos da queda de arrecadação, puxada pela redução do ICMS do gás natural e por dificuldades enfrentadas pelo agronegócio. Sobre eventual candidatura em 2026, o secretário diz que não é filiado a partido e que sua prioridade é a gestão.
Vários estados brasileiros estão anunciando ajustes fiscais, caso de São Paulo, Paraná e do Distrito Federal, entre outros. Em Mato Grosso do Sul, algum ajuste fiscal está previsto?
Farei uma análise mais nacional para poder chegar até aqui. O caso do Distrito Federal, para mim, é emblemático porque ele é um estado que chamamos de fundo a fundo, em que o financiamento de várias de suas instituições não depende da própria arrecadação, e sim do governo federal. Então, quando vemos que o DF está projetando um contingenciamento, aí damos uma repensada sobre o que tem acontecido. Mesmo o Paraná, que é um estado super sólido, também fez um ajustefiscal, e Minas, um estado que está tentando se reerguer, está fazendo. Em Mato Grosso do Sul, nós também temos feito nossa revisão de gastos. Revisar gastos, na verdade, é uma prática constante no governo, que o governador, Eduardo Riedel, nos cobra muito.
O governador costuma dizer que “gasto cresce igual a unha, vamos sempre cortar para priorizar o investimento”.
Uma coisa é o custeio, que é girar a máquina, e outra, é o investimento, que prepara a máquina. São duas formas de se gastar e o governador sempre nos cobra muito a qualidade do gasto.
Mas existe alguma medida específica que será tomada?
Cortar gastos, como já disse, é uma prática recorrente nossa, algo que a gente está sempre olhando. Mas respondendo a sua pergunta, sim, estamos pensando em uma medida um pouco mais restritiva para que a gente possa continuar equilibrando as contas públicas.
A gente está no limite da contingência [limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal] para gasto com pessoal, algo que aconteceu recentemente. Temos pensado em uma medida um pouco mais dura para que gente possa garantir austeridade fiscal e manter a premissa adotada desde o início do governo, que é aumentar a eficiência do gasto e não aumentar o tributo.
De onde virão os cortes de gastos?
Antes, é importante lembrar que Mato Grosso do Sul é um dos estados que mais cresce no Brasil e, ao mesmo tempo, é um dos que mais investe quando o parâmetro é o percentual da receita. Por isso, a gente sempre faz um esforço muito grande para crescer e investir e não necessariamente a arrecadação acompanha essa curva da relação entre investimento e crescimento no curto prazo. No médio prazo acompanha, mas não em um intervalo mais curto.
E quando se investe, geramos um custo novo, por exemplo: um novo hospital demanda mais gastos para manter os leitos em atividade, da mesma forma que uma rodovia nova demanda um custo de manutenção.
Respondendo de uma forma mais direta a sua pergunta, vamos cortar do custeio. Toda fonte de custeio sempre tem espaço para ser revista.
E como será feita essa revisão?
Revendo os contratos. Por exemplo, há contratos antigos que podem não ser agrupados com outros contratos. Aqui no estado de Mato Grosso do Sul, cada unidade gestora vai olhar para dentro para verificar o que pode ser cortado.
São vários os exemplos, pode-se diminuir a frota de veículos alugados, pode-se, ao fazer uma compra, contemplar várias secretarias diferentes com o mesmo produto, caso de veículos.
Qual tem sido o impacto da queda de arrecadação com o ICMS do gás natural?
O gás natural ainda representa um peso considerável no ICMS, mas a sua arrecadação já não depende tanto do Estado. A produção na Bolívia está em queda e quem bombeia o gás é a Petrobras, que hoje já conta com fontes alternativas, como o gás do pré-sal. Esse cenário reduziu a dependência do Estado em relação ao gás boliviano. Ainda assim, a queda é brusca e impacta sim na arrecadação, mas é um fator fora do nosso controle. No contexto geral, a arrecadação estadual continua crescendo, mas em ritmo abaixo do que esperávamos.
Além do gás natural, há outros fatores que vêm frustrando a arrecadação estadual?
Sim, o clima teve um impacto muito grande sobre a arrecadação, especialmente pelas perdas em safras nos últimos dois ou três anos. Isso afetou diretamente o setor agropecuário, que é uma das maiores forças econômicas do Estado. Muitos produtores enfrentaram prejuízos, o que se reflete no alto número de recuperações judiciais no campo. Além disso, enfrentam dívidas antigas e juros elevados, como custeios do CDI + 4%, o que hoje chega perto de 17% ao ano. Tivemos uma recuperação este ano, com safra melhor e perspectiva positiva para o milho, mas isso ainda não apareceu na receita. O primeiro semestre deste ano teve arrecadação praticamente igual a do ano passado, quando esperávamos crescimento.
A exportação, que tem registrado bons números, contribui para a arrecadação?
Infelizmente, não diretamente. Pela Lei Kandir, exportações não geram ICMS para o Estado. Porém, quando conseguimos industrializar localmente, há benefícios. Por exemplo, a venda de soja para esmagadoras ou a produção de etanol de milho movimentam a economia e geram tributos em outras etapas da cadeia produtiva. A industrialização é estratégica para melhorar a arrecadação e estimular o desenvolvimento regional.
O programa MS Ativo vem cobrando resultado dos prefeitos com base em indicadores?
Sim, essa é uma das premissas do programa MS Ativo, lançado no primeiro ano da gestão e reforçado anualmente com rodadas de diálogo com os prefeitos. As contrapartidas em indicadores são parte de um modelo de cooperação: não são obrigatórias para que o município receba o investimento, mas são compromissos assumidos para que o desenvolvimento seja efetivo e sustentável. O Estado investe no município porque é lá que a vida acontece, é lá que os serviços públicos impactam diretamente a população. Os pilares são quatro: desenvolvimento, assistência social, educação e saúde.
Neste ano, com o início de um novo ciclo de prefeitos, estamos reiniciando essas rodadas, verificando os status de cada município e avaliando indicadores para orientar novos investimentos.
Sobre a Rota da Celulose, em que estágio está o projeto e quando ele deve ser operado?
A Rota da Celulose é um projeto gigantesco, com R$ 10 bilhões previstos entre obras e operação. Ele foi estruturado como uma parceria público-privada [PPP] justamente porque o Estado não teria como arcar sozinho com os investimentos no curto prazo. Tivemos recentemente um imbróglio no processo licitatório: o consórcio formado por Galápagos e K-Infra venceu, mas o grupo liderado pela XP apresentou recurso administrativo.
Esses recursos estão sendo analisados pelo Escritório de Parcerias do governo e pelo Ministério dos Transportes, já que se trata de uma concessão conjunta. Esperamos uma decisão nas próximas duas semanas. Após isso, ainda há um prazo recursal e só então a empresa vencedora será chamada para a assinatura do contrato.
Existe o risco de judicialização? Isso pode atrasar o cronograma?
Esse é o nosso receio. Trabalhamos para que isso não ocorra, pois qualquer judicialização pode atrasar o cronograma. Concluído o processo recursal, a assinatura do contrato deve ocorrer em até 60 dias. Depois disso, a concessionária começa a operar com ações como atendimento emergencial, controle das rodovias e outras medidas de preparação. As obras de expansão devem começar dentro de um ano, após o início da operação. O ponto positivo é que estamos lidando com dois grupos muito robustos, com capacidade técnica e financeira, o que traz segurança para o projeto.
Como está o andamento da PPP do Hospital Regional?
Acabamos de encerrar a audiência pública do projeto e posso dizer que foi um sucesso. Foi a audiência com o maior número de contribuições que já tivemos a participação ativa de empresas interessadas e muitos questionamentos técnicos relevantes. Isso mostra o nível de interesse e confiança no modelo que estamos propondo. Agora, estamos na fase final de resposta às contribuições e ajustes no edital. A expectativa é lançar o edital em breve e realizar o leilão na B3 entre novembro e dezembro.
O que o governo espera com essa parceria público-privada?
Acreditamos que a PPP vai transformar a gestão e a estrutura do Hospital Regional. Teremos uma nova ala sendo construída, uma requalificação completa da estrutura já existente e a introdução de uma nova lógica de prestação de serviços. É um projeto robusto, bem estruturado e temos recebido elogios, inclusive de fora do Estado. Será o primeiro hospital do Estado a operar nesse modelo e estamos confiantes dos resultados.
Quais são os maiores desafios da gestão da saúde pública hoje?
A saúde é, sem dúvida, a área mais complexa da administração pública. É um sistema que envolve financiamento tripartite – União, estados e municípios – e funciona, muitas vezes, com a imprevisibilidade da demanda. O Hospital Regional, por exemplo, é de portas abertas, ou seja, não há controle sobre quantas pessoas vão aparecer em um determinado dia. Isso dificulta o planejamento e a operação. A regulação, nesse sentido, é um dos maiores desafios.
Como está o processo de implantação de uma regulação única no Estado?
No interior, o Estado já assumiu a regulação. Em Campo Grande, ainda estamos em diálogo com a prefeitura para avançar nesse processo. O ideal é termos um sistema 100% integrado, em que o Estado tenha controle do fluxo hospitalar em toda a rede estadual. Isso é fundamental para distribuir melhor os pacientes e garantir que eles recebam atendimento na unidade mais adequada, evitando que casos que poderiam ser resolvidos na atenção básica acabem sobrecarregando os hospitais.
Faltando um ano para as eleições, o senhor pretende disputar algum cargo?
Não sou filiado a nenhum partido e nunca fui candidato. Mas é verdade que o cargo de secretário é político, e, a partir do momento em que você ocupa uma posição como essa, passa a estar aberto a possibilidades futuras. Dito isso, não existe candidatura individual. A gente faz parte de um grupo político liderado pelo governador Eduardo Riedel, que também tem como aliados a senadora Tereza Cristina e o ex-governador Reinaldo Azambuja. Se esse grupo entender que eu posso contribuir em algum cargo, estaremos abertos ao debate. Mas, por ora, nosso foco é a gestão.
Como o governo lida com a polarização política crescente no País?
O governador Riedel tem uma forma própria de governar: com base no plano de governo pactuado com a população. Ele não molda sua gestão ao partido, mas sim busca um partido que esteja alinhado com seus princípios. A radicalização política não muda nossa forma de atuar. Seguimos trabalhando com diálogo, respeito e foco nas entregas que nos comprometemos com o cidadão. Essa é a prioridade.
PERFIL
Rodrigo Perez
Formado em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
É secretário de Estado de Governo e Gestão Estratégica.
Na iniciativa privada, ele foi diretor de várias empresas que atuam de forma independente em segmentos estratégicos do mercado digital.




