A Justiça de Mato Grosso do Sul determinou que a Prefeitura de Campo Grande intervenha na concessão do transporte coletivo urbano, sob administração do Consórcio Guaicurus, no prazo de 30 dias. Além disso, terá de apresentar um plano de ação com cronograma para regularizar a atual situação dos ônibus na Capital, desde segunda-feira com 100% da frota parada.
Na tarde de ontem, o juiz Eduardo Lacerda Trevisan, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, decidiu, sob tutela de urgência, que o Município tome posse da concessão, com apoio da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos (Agereg) e da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran).
Oriunda de uma ação popular movida pelo ex-candidato à Prefeitura de Campo Grande Luso Queiroz (Psol), a decisão foi sustentada por argumentos semelhantes aos que já estavam presentes no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), entregue há três meses pelos vereadores.
Por exemplo, o juiz cita a idade envelhecida da frota, que não pode passar dos cinco anos, mas que hoje se encontra com oito anos em média, além de alguns ônibus estarem com 15 anos, três vezes mais que o permitido no contrato. Ademais, o magistrado menciona a transação suspeita de R$ 32 milhões feita para a empresa Viação Cidade dos Ipês, até o momento sem justificativa apresentada.
Inclusive, em um dos argumentos, o juiz cita a conclusão dos vereadores na CPI, afirmando que foi apontado “descumprimento sistemático das obrigações contratuais por parte do Consórcio Guaicurus, revelando gestão financeira opaca e indícios concretos de irregularidades graves, assim como a necessidade imediata de intervenção administrativa e auditoria independente”.
“Alego que não obstante as recomendações da CPI, a Prefeitura Municipal nada fez e essa inércia estatal configura verdadeira conduta lesiva passível de controle judicial. Que do ato omissivo lesivo é necessária intervenção corretiva por intermédio da presente ação popular”, escreve Eduardo Trevisan na decisão.
“Partindo desses conceitos de serviço adequado e contínuo, entendo que pelas provas que vieram aos presentes autos, é possível constatar indícios suficientes de má execução do contrato administrativo, o que vem em prejuízo de toda a coletividade”, acrescenta.
Com isso, o juiz determina a intervenção municipal na concessão no prazo de 30 dias, com a prefeitura devendo nomear um interventor que será responsável por gerir o transporte público urbano de Campo Grande.
O Município também terá que apresentar plano de ação com cronograma para regularizar a atual situação do transporte público, sob pena de multa diária de R$ 300.000,00 a incidir por 100 dias.
Terminal Morenão segue vazio no 4º dia de greve em Campo Grande - Foto: Marcelo Victor/Correio do EstadoA decisão judicial ocorre em meio à greve dos motoristas de ônibus, que estão há três dias com 100% da frota fora de circulação.
Segundo os próprios funcionários, a paralisação só será encerrada quando o Consórcio Guaicurus efetuar o pagamento integral da folha salarial de novembro – que deveria ter sido depositada no dia 5 deste mês – e apresentar garantia financeira de que vai conseguir pagar o 13º salário e o adiantamento (vale) até amanhã.
Até o fechamento desta edição, não houve indícios de retomada do serviço, que deve ir para o seu quarto dia de paralisação total, a maior greve dos ônibus desde outubro de 1994.
VERSÕES DAS PARTES
Procurado pela reportagem, o Consórcio Guaicurus disse estar surpreso com a decisão judicial e afirma que ainda não foi notificado formalmente pela Justiça ou procurado pela prefeitura para tratarem sobre o assunto.
“A empresa esclarece que, até o presente momento, não foi formalmente notificada de qualquer decisão liminar ou sentença nesse sentido, tendo tomado conhecimento do fato exclusivamente por meio da imprensa. O corpo jurídico do consórcio já monitora o andamento do processo e, tão logo ocorra a notificação oficial, tomará todas as medidas judiciais cabíveis”, reforça, em nota.
O Correio do Estado também procurou a prefeitura, que seguiu o mesmo posicionamento da administradora do transporte público.
“Em relação à decisão judicial que determinou a intervenção na concessionária do sistema de transporte coletivo urbano, a Prefeitura de Campo Grande esclarece que até o presente momento não foi oficialmente notificada, portanto desconhece o teor integral do processo. Tão logo tenha conhecimento, adotará todas as medidas legais necessárias e cabíveis”, afirma.
RELATOS
Com a greve dos motoristas, muitos campo-grandenses estão tendo que improvisar o modo de locomoção durante esta semana. Adrielle Souza, de 22 anos, trabalha na região central da Capital e utilizava o transporte público de segunda-feira a sábado para ir e voltar do trabalho. Ela reside no Bairro Caiçara.
Com a paralisação, está utilizando aplicativos de transporte para se locomover, o que acabou encarecendo a ida e volta do trabalho, chegando a custar quase R$ 30 por dia.
“Tem que parar [a greve] porque eu não aguento mais, é muito complicado”, afirma a comerciante, que acrescenta estar do lado dos motoristas neste debate, já que “ninguém precisa trabalhar de graça”.
Leide e sua filha Flávia recorreram a aplicativos de transporte - Foto: Gerson Oliveira/Correio do EstadoLeide Laura, de 52 anos, não é usuária de ônibus, mas sua filha Flávia Ramalho, de 18 anos, usava todos os dias para ir trabalhar, fazendo o trajeto Pioneiros, de onde mora, até a Avenida Rui Barbosa, onde é funcionária em uma empresa de lingerie.
Em meio à greve, a solução encontrada foi sua chefe arcar com o transporte durante esta semana.
*SAIBA
Três meses após o fim da CPI que investigou irregularidades na prestação de serviços do Consórcio Guaicurus, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) instaurou inquérito civil para apurar os problemas apontados pelos vereadores. O edital de abertura foi publicado no Diário Oficial do MPMS, ontem.


Feito por Denis Felipe com IA


